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A lenda da matemática que virou o funcionário mais improvável de uma startup

Ken Ono teve uma epifania. Agora, o professor está se mudando para o Vale do Silício para perseguir a superinteligência matemática

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A carreira de Ken Ono como um dos matemáticos mais proeminentes do mundo o levou a lugares que ele jamais poderia imaginar.

O renomado professor da Universidade da Virgínia regularmente ultrapassava os limites do campus, levando suas fórmulas de Hollywood às Olimpíadas. Ele é o único teórico dos números que já estrelou um comercial de cerveja. E, em seu próximo ato, esse homem renascentista da matemática está fazendo algo improvável até mesmo para seus padrões.

Ele está deixando seu cargo vitalício para trabalhar para uma jovem de 24 anos.

Até pouco tempo atrás, a ideia de se juntar a uma startup de IA no Vale do Silício lhe pareceria absurda. De fato, antes de isso reorientar sua carreira e transformar sua vida, ele se considerava um cético da inteligência artificial. Até recentemente, começava suas palestras fazendo piada com o hype em torno da tecnologia nascente.

“Meu nome é Ken Ono, e eu sou NI”, dizia ele. “Naturalmente inteligente.”

Agora, ele é o funcionário mais improvável de uma startup que quer revolucionar a matemática com IA.

Aos 57 anos, Ono está tirando uma licença prolongada da academia, sem planos de voltar. Ele está se juntando a uma empresa fundada por uma de suas ex-alunas, Carina Hong — dona de um currículo tão brilhante que deixaria qualquer IA insegura.

Depois de se formar no MIT em três anos, vencer o Prêmio Morgan como a melhor pesquisadora de matemática de graduação nos EUA e ganhar uma bolsa Rhodes, ela foi para Stanford buscar um doutorado conjunto em Direito e Matemática. Quando largou os cursos para fundar a Axiom Math, ela levantou US$ 64 milhões, recrutou alguns pesquisadores de IA da Meta — e contratou seu mentor. Para ela, foi uma decisão óbvia.

“Ken Ono é o ídolo de muitos estudantes de matemática”, disse Hong, presidente-executiva da Axiom.

A empresa recebeu o nome do termo matemático para uma verdade básica capaz de fundamentar toda uma teoria. O objetivo de Hong é construir um “matemático de IA”, capaz de raciocinar sobre problemas conhecidos, encontrar novos e validar o próprio trabalho por meio de provas formais. Se der certo, a Axiom pode resolver questões que intrigam humanos há séculos.

Os investidores da startup apostam que uma superinteligência matemática teria diversos usos comerciais — verificação de software e hardware, otimização logística, trading algorítmico e engenharia financeira. As empresas mais ricas do mundo estão gastando bilhões e alimentando temores de uma bolha, mas matemáticos estão cada vez mais otimistas sobre o potencial da IA em auxiliar suas pesquisas e impulsionar descobertas.

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Quando conversei com Ono, era o dia seguinte à assinatura dos documentos que oficializaram sua licença. Enquanto se preparava para atravessar o país, ele relutava em fazer previsões para o futuro. Mas o professor de matemática que agora trabalha para uma startup compartilhou um de seus próprios axiomas:

“Se eu for o primeiro, que seja”, disse ele. “Não serei o último.”

Ono é um ponto fora da curva, e sua carreira foi incomum desde o início. Na infância, a pressão dos pais o deixou tão infeliz que ele não concluiu o ensino médio. Sem diploma, mesmo assim entrou na universidade, descobriu sua paixão pela matemática e lecionou durante décadas na Universidade de Wisconsin e em Emory antes de chegar à Universidade da Virgínia em 2019. Ele também liderou o principal programa de pesquisa para alunos de graduação e orientou 10 vencedores do Prêmio Morgan — incluindo sua nova chefe.

“Ele é uma figura maior que a vida na matemática”, disse Ken Ribet, ex-presidente da Sociedade Americana de Matemática.

Na matemática, Ono é conhecido por seu trabalho em diversos temas da teoria dos números, das congruências de Ramanujan à conjectura umbral moonshine.

E se essa frase te deu suor frio, pode relaxar.

Ono também é conhecido por aplicar matemática a outras áreas. Ele assessorou nadadores da Universidade da Virgínia e campeões olímpicos dos EUA. Ajudou a orientar a Agência Nacional de Segurança. Trabalhou na produção do filme “O Homem que Viu o Infinito” (2015). Depois apareceu em um comercial de cerveja certificando que 64 (as calorias da Miller64) é menor que 80 (as concorrentes).

E ele é conhecido por mais uma coisa: sua impressionante coleção de camisas havaianas.

“Espero que a Axiom faça um contrato com a Tommy Bahama”, brinca. “Esse é meu sonho.”

Nos últimos anos, Ono começou a acompanhar o rápido progresso da IA. Ficou intrigado, mas não intimidado. A IA era surpreendente em tarefas cognitivas e na resolução de problemas já vistos, mas tinha dificuldades com a criatividade de sua área — que exige intuição e pensamento abstrato.

Essa criatividade é tão fundamental para a matemática pura que Ono acreditava que seu emprego estaria seguro por décadas.

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Mas, na primavera passada, ele foi um dos 30 matemáticos convidados a selecionar problemas de pesquisa para testar modelos de IA. Ele saiu do simpósio profundamente abalado com o que viu.

“A vantagem que eu tinha sobre os modelos estava diminuindo”, disse ele. “E em áreas da matemática fora da minha especialidade, senti que os modelos já me ultrapassavam.”

Durante meses, Ono viveu um luto pela própria identidade. Não sabia o que fazer, consciente de que os modelos só ficariam mais inteligentes.

“Então tive uma epifania”, disse. “Percebi que os modelos ofereciam uma forma diferente de fazer matemática.”

Ele já tinha colegas, alunos de pós-graduação e brilhantes estudantes de graduação como colaboradores. Agora também tem a IA.

“Passo uma ou duas horas por dia trocando ideias com os modelos”, diz ele. “Tarde da noite, quando não consigo dormir, pego meu iPhone e fico conversando sobre matemática com os modelos em um nível absurdamente alto.”

Ao mesmo tempo, a IA não era o único motivo para que seu trabalho como professor parecesse instável.

Com o Departamento de Justiça pressionando o ensino superior, ele temia ameaças ao financiamento federal de pesquisa. No início do ano, o presidente da Universidade da Virgínia renunciou sob pressão do governo Trump. Como assessor de STEM do reitor, Ono passava mais tempo lidando com política — e menos tempo fazendo matemática.

Ele decidiu deixar a Universidade da Virgínia pela IA porque não conseguiu resistir à oportunidade de influenciar o mundo além do quadro-negro.

“Tenho o luxo de participar de uma transformação de como o mundo realmente funciona”, disse Ono. “Como matemático puro, isso raramente foi o caso.”

Quando concluiu que era hora de mudar, sabia exatamente para quem ligar.

Carina Hong havia sido aluna de seu programa de pesquisa em 2020, antes de ganhar o Prêmio Morgan e o Prêmio Schafer como melhor estudante de matemática do país. Nascida e criada na China, ela aprendeu inglês sozinha ainda jovem para ler livros avançados da área. Treinou em programas de Olimpíadas de Matemática, resolvendo problemas sob pressão, mas ficou obcecada por outro tipo de matemática.

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“Sempre me interessei por descobertas matemáticas”, disse. “A matemática olímpica dá picos constantes de dopamina, mas a pesquisa é bater a cabeça na parede. É dor e sofrimento. Eu gosto disso.”

Na nossa conversa, ela descreveu tanto a pesquisa matemática quanto seu primeiro ano na faculdade de direito como “muito divertidos”. Ela é uma das poucas pessoas que saberia comparar. Estudante de primeira geração, Hong brilhou no MIT. Em vez de ir para um fundo quantitativo, foi para Oxford como bolsista Rhodes. Depois de estudar neurociência e escrever duas dissertações, seguiu para Stanford.

Nos fins de semana, estudava em uma cafeteria perto do campus. Bebendo matcha, lia artigos difíceis e ficou amiga de Shubho Sengupta, cientista de IA da Meta que também frequentava a mesa comunitária. Em suas conversas, perceberam que podiam unir seus mundos.

Em suas corridas matinais, quando cogitava deixar a escola e abrir uma empresa, Hong lembrava o conselho de Lisa Su, CEO da AMD: corra na direção dos problemas mais difíceis.

“A pesquisa matemática é muito difícil”, disse Hong. “IA para matemática é mais difícil ainda.”

Ela largou tudo assim que a rodada de investimento semente da Axiom foi concluída no último verão.

Dias depois, Google DeepMind e OpenAI encantaram nerds no mundo inteiro quando seus modelos conquistaram medalhas na Olimpíada Internacional de Matemática. O mesmo aconteceu com a Harmonic, startup cofundada pelo CEO da Robinhood, Vlad Tenev, que afirma que “a superinteligência matemática está cada minuto mais perto”.

Correndo contra o tempo, Hong começou a recrutar talentos ao lado de Sengupta, agora diretor de tecnologia da Axiom. Entre os engenheiros que contrataram da Meta estava François Charton, pioneiro da IA para matemática. A blitz de contratação chamou atenção no Vale do Silício — e também de alguém a milhares de quilômetros: Ken Ono.

Logo, ele estava empacotando tudo com sua esposa e o schnoodle da família, Mochi.

E, nesta semana, começou como o 15º funcionário da Axiom.

Quando começaram a discutir seu cargo, a oferta inicial foi “chief math guy”. Depois de negociações, decidiram pelo título oficial: “matemático fundador”.

Seu trabalho é testar os limites dos modelos da empresa. Ele está criando problemas representativos que só podem ser resolvidos por meio da compreensão profunda dos princípios matemáticos, além de elaborar benchmarks que servirão de guia para o desempenho dos sistemas.

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“Pense nisso como um mapa para um navegador”, diz ele. “Antes de partir para descobrir novas terras, você precisa saber onde está e o que já foi explorado.”

Ono diz que essa vontade de explorar o trouxe à Axiom mais do que qualquer motivo financeiro. “Não estou fazendo isso pelo dinheiro”, disse ele. Ono já estava entre os funcionários mais bem pagos da Universidade da Virgínia e afirma ter recusado propostas mais lucrativas e com maior participação acionária em outras empresas de IA.

Nos escritórios da startup em Palo Alto, as salas de reunião têm nomes de matemáticos lendários — Poincaré, Gauss, Hilbert, Lovelace, Turing. Depois de levantar US$ 64 milhões, funcionários notaram que 64 é 2^6 e brincaram que a próxima rodada poderia ser 2^7.

Mas o surpreendente é que muitos dos colegas de Ono têm sua idade.

“Muitos dos principais pesquisadores de fronteira estão em uma fase da vida em que têm histórico, obra consolidada, segurança financeira — e querem seu projeto de legado”, disse Hong.

E um deles procura algo mais.

“Mesmo que cheguemos à superinteligência, ainda haverá questões matemáticas sem solução”, disse Ono. “E eu continuarei em busca de respostas.”

Escreva para Ben Cohen em ben.cohen@wsj.com

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