
Dentro da geladeira do escritório, talvez por trás de um post-it escrito “Não toque!”, existe um indicador econômico revelador: nos últimos tempos, mais trabalhadores estão trazendo almoço de casa.
Milhões de pessoas foram chamadas de volta para trabalhar em escritórios, mas isso não garantiu o enorme ganho que restaurantes e lanchonetes esperavam depois que a pandemia de Covid-19 dizimou seus negócios do meio-dia. Muitos trabalhadores descobriram que almoçar fora é muito caro, e mais deles trazem seus tupperwares e marmitas do que há um ano.
Em todo o país, o número de almoços comprados em restaurantes e outros estabelecimentos caiu 3% em 2024 em relação ao ano anterior, para US$ 19,5 bilhões — menos do que em 2020, o auge do trabalho em casa na pandemia, de acordo com a empresa de análise de consumo Circana.
Enquanto isso, as compras de alimentos em supermercados e outras lojas, para preparar refeições em casa ou levar para o trabalho para almoçar, subiram 1%.
Bethany Kennedy, advogada perto de Buffalo, em Nova York, diz que costumava gastar US$ 500 por mês saindo para almoçar todos os dias. O aumento dos custos, incluindo um salto nos impostos sobre propriedade, a fez reconsiderar.
Agora, ela se limita a um almoço por semana — quando realmente sente vontade de fazê-lo. Kennedy traz refeições pré-preparadas, como saladas com milho, feijão, queijo e tortilha ou rigattoni três queijos da Stouffer, comprado em seu supermercado local no resto da semana.
Ela gosta da economia que faz, mas há uma desvantagem: “Estou começando a ficar enjoada”, afirmou ela.
A mudança é uma ameaça ao ecossistema de delicatessens, cafés e outros restaurantes de áreas de escritórios que já passaram pela quase extinção durante os lockdowns de 2020, quando milhares fecharam para sempre e outros batalharam para servir comida para viagem por meses. No centro de Boston, a maioria dos restaurantes tradicionais não retomou o serviço de almoço pós-Covid, disse Michael J. Nichols, presidente da Downtown Boston Alliance.
“Ainda não voltamos aos níveis de tráfego de pedestres comparáveis aos de 2019”, disse ele. A Alliance está agora em alerta, esperando para ver como as novas tarifas e os temores de recessão afetarão as visitas a restaurantes, acrescentou.
Sem economia na hora do almoço
Restaurantes e grupos de desenvolvimento de negócios urbanos têm intensificado seus planos para fazer mais clientes voltarem na hora do almoço. O High Street Place Food Hall, inaugurado no centro de Boston em 2022, realiza festas para eventos como March Madness e Masters para atrair mais trabalhadores durante o dia. Também lançou um sistema de pedidos on-line para que os comensais consigam pular as filas do almoço, disse Lauren Johnson, gerente sênior do espaço.
A Greater St. Louis, Inc., organização de desenvolvimento econômico, contratou artistas de rua para tocar música e promoveu outros eventos para ajudar a gerar mais tráfego de pedestres no bairro central da cidade. A Downtown SF Partnership em San Francisco — onde a ocupação de escritórios gira em torno de 43%, de acordo com dados do uso de crachás de segurança da Kastle Systems — tem promovido apresentações, incluindo jazz ao vivo, em dois espaços públicos no centro da cidade durante a hora do almoço para incentivar os trabalhadores a comer algo e ficar para o entretenimento, disse Robbie Silver, seu presidente e CEO.
“Depois da pandemia, os restaurantes, especialmente aqueles que contavam com o movimento das nove às cinco, ainda estão em um estado muito vulnerável”, disse ele. Embora esteja otimista de que as recentes exigências de retorno ao trabalho impulsionarão os negócios de almoço, Silver disse que está atento ao feedback de que o movimento nos restaurantes pode estar diminuindo.
O tráfego de pedestres indo a restaurantes na hora do almoço nos EUA caiu em média 7,9% ano a ano no primeiro trimestre, de acordo com dados da empresa de pesquisa de mercado Black Box Intelligence. As visitas a redes de fast-food e outros restaurantes de serviço rápido caiu em média 4,2%.
As redes de restaurantes tiveram um 2024 difícil, com várias delas, como a Red Lobster, a maior rede de restaurantes de frutos do mar do país, a Tex-Mex Tijuana Flats e o restaurante mediterrâneo Roti, declarando falência.
Desafios da marmita
Muitos funcionários dizem que simplesmente não podem pagar por uma refeição rápida em um estabelecimento. Os trabalhadores de escritório híbridos gastaram em média US$ 21,06 no almoço em 2024, acima dos US$ 16 em 2023, de acordo com um estudo com dois mil trabalhadores americanos em tempo integral feito pela Owl Labs, empresa de videoconferência.
Em uma pesquisa recente do LinkedIn, 71% dos cerca de 4.250 entrevistados contaram ter decidido levar o almoço para o trabalho com mais frequência.
No entanto, novos hábitos podem ser difíceis de manter.
“Não quero comer espaguete três dias seguidos”, disse Valerie Myers, profissional de comunicação em Richmond, na Virgínia. Ela sabia que se trouxesse as sobras da noite anterior, acabaria enjoando e desistiria, então vai alternando e não come o jantar da noite anterior no almoço.
Robert Johnsen, engenheiro mecânico no sul da Califórnia, recentemente recebeu ajuda de sua esposa, que muitas vezes preparou as marmitas para ele na noite anterior com sobras de tortas, pizza ou carne de porco desfiada feita por seu filho, que é chef. Porém, ainda meio adormecido logo cedo pela manhã, ele muitas vezes as esquecia na geladeira.
“Minha esposa dizia: ‘Não acredito que você esqueceu. Será que tenho de colocar uma placa nela?’”, contou ele.
Colocar a marmita na porta da frente ajudou Marce Walter, massoterapeuta registrada em Edmonton, em Alberta, a se lembrar de levar o almoço para o trabalho.
“Eu chegava na metade do caminho e pensava: caramba, quantas barras de granola tenho no trabalho?”, disse ela.
Depois, há o desafio de encontrar espaço na abarrotada geladeira do escritório, ou enfrentar a fila do micro-ondas.
“Pode ser bem apertado”, afirmou Danielle Nathan, que diz que seu empregador abastece a geladeira do escritório com “todas as bebidas que você possa imaginar”, além de frutas, iogurtes, queijo e outros lanches.
Nathan, que mora em Manhattan e trabalha com educação e desenvolvimento de programas para uma associação comercial, disse: “Se eu trouxer alguma coisa com cheiro mais forte, como brócolis, não vou aquecer totalmente para evitar que o cheiro se espalhe por todo o escritório”.
Escreva para Ray A. Smith em Ray.Smith@wsj.com