A Airbus tem um novo jato que está conquistando alguns dos melhores clientes da Boeing. Também levanta o espectro de mais problemas futuros para a fabricante de aviões dos EUA.

A empresa europeia começou a entregar o novo modelo — o A321XLR — no final do ano passado, em um cenário de turbulência na fabricação e de tensão financeira em sua rival americana. Até agora, o XLR já tem mais de 500 pedidos, muitos feitos por companhias aéreas que procuram substituir aviões Boeing mais antigos.

Esse sucesso é até agora um dos sinais mais gritantes das situações díspares das duas empresas, com os problemas da Boeing gerando lacunas em sua linha de produtos que agora estão sendo exploradas pela Airbus. É também o aviso de uma ameaça maior se aproximando: enquanto a Boeing está precisando de dinheiro, a Airbus está investindo cada vez mais em uma geração totalmente nova de aeronaves que podem moldar o duopólio nas próximas décadas.

A American Airlines e a United Airlines escolheram o XLR da Airbus para substituir suas antigas frotas de Boeing 757. Outras companhias aéreas, incluindo a australiana Qantas, também compraram o XLR — a primeira vez que a empresa encomendou um dos jatos menores e de fuselagem estreita da Airbus.

O ponto central do apelo do XLR é um tanque de combustível gigante atrás das asas, o que significa que a aeronave pode transportar até 220 passageiros em viagens de até 11 horas. Essa é uma capacidade muito maior que a dos jatos de fuselagem estreita típicos, permitindo que as companhias aéreas abram novas rotas diretas — inclusive através do Atlântico — sem precisar vender tantas passagens, como fariam com um avião maior e de fuselagem larga.

O novo modelo — o mais recente de sua família de aeronaves A320 — tem outra vantagem: não tem muita concorrência. A Boeing descontinuou o 757 em 2004 e arquivou os planos de construir uma nova aeronave que competiria diretamente com o XLR em 2020. O principal modelo rival da empresa norte-americana — o 737 MAX 10 — está atrasado há anos, aguardando a aprovação da Administração Federal de Aviação.

“Claramente, a primeira prioridade da Boeing é resolver seus problemas de fabricação, o que não é uma tarefa pequena”, disse Nick Cunningham, analista da Agency Partners que acompanha o setor há quase 40 anos. “Mas a próxima coisa que precisam abordar é o produto.”

Dúvidas dos clientes

A Airbus ultrapassou a Boeing como a maior fabricante de aviões do mundo em 2019, depois da proibição de voo do 737 MAX por causa de dois acidentes fatais. Desde então, a fabricante europeia entregou mais jatos e registrou mais pedidos líquidos a cada ano.

Em 2024, a Airbus não apenas avançou ainda mais em aeronaves de fuselagem estreita, mas também reduziu a liderança de longa data da Boeing nas vendas de fuselagem larga, em parte auxiliada por repetidos atrasos no 777X da rival americana. Com muitos 777s chegando ao fim de sua vida útil, a Airbus diz que a batalha por jatos maiores está apenas começando, inclusive com seu primeiro cargueiro dedicado.

A Boeing atualmente tem seis modelos de jatos de passageiros disponíveis para os clientes, com quatro ainda aguardando a aprovação dos reguladores. A Airbus tem 12 modelos distintos disponíveis.

Benoît de Saint-Exupéry, chefe de vendas de jatos da Airbus, atribuiu o desempenho da empresa à sua linha de produtos, embora reconheça que também se beneficiou da situação da Boeing, que gerou dúvidas em alguns clientes.

Nem tudo foi difícil para a Boeing. A empresa anunciou em dezembro um pedido histórico de até 200 jatos MAX 10 da Pegasus da Turquia — transportadora que opera predominantemente jatos Airbus. A American Airlines também dobrou seu compromisso com o MAX 10 com 85 novos pedidos em março passado.

E a Airbus não está isenta de problemas. Questões na cadeia de suprimentos limitaram seus planos de turbinar a produção e atender à crescente demanda após a pandemia. Este mês, a empresa disse que estava atrasando a produção de um jato movido a hidrogênio.

Estruturas leves e asas dobráveis

Mesmo assim, a posição financeira superior da Airbus significa que ela pode embarcar no caro trabalho de lançar um jato totalmente novo, dando-lhe uma vantagem na batalha pela futura liderança do setor.

Nos cinco anos desde 2019, a Airbus gastou cerca de US$ 12,9 bilhões em pesquisa e desenvolvimento em sua divisão de aeronaves comerciais. O negócio de fabricação de aviões da Boeing gastou US$ 8 bilhões. Ambas também investem em outras unidades que desenvolvem tecnologia que pode ser usada posteriormente em aeronaves comerciais.

A Airbus tem trabalhado em fuselagens leves, motores com baixo consumo de combustível e até asas dobráveis que poderiam aparecer em uma aeronave de próxima geração. A empresa está começando a refinar os projetos de um avião totalmente novo que espera lançar por volta de 2030, e que entrará em serviço sete ou oito anos depois.

A Boeing está muito atrás

“Passamos mais tempo discutindo entre nós mesmos do que pensando na Airbus e em como vamos vencê-la”, disse o executivo-chefe da Boeing, Kelly Ortberg, aos trabalhadores em um briefing em novembro, semanas após a entrega do primeiro XLR.

Mas Ortberg deixou claro que a Boeing ainda não está em posição financeira para lançar uma nova aeronave.

“Temos que investir um pouco mais de foco para nos prepararmos, fazer com que o negócio volte a gerar dinheiro para apoiar o desenvolvimento de novos aviões”, disse Ortberg. “Isso é absolutamente crítico para nós.”

Para se concentrar em colocar seus modelos atrasados no mercado, a Boeing transferiu alguns engenheiros de um projeto de desenvolvimento de um jato com a NASA — chamado X-66 — que poderia preparar o terreno para seu próprio avião de próxima geração. Uma porta-voz da Boeing referiu-se aos comentários que Ortberg fez no mês passado, quando este disse que a empresa ainda estava investindo no X-66 e que a tecnologia desse programa poderia desaguar em um avião totalmente novo.

A Boeing não lança uma aeronave nova há mais de duas décadas. O 787, anunciado formalmente em 2004, custou dezenas de bilhões de dólares para ser desenvolvido e levou sete anos para chegar ao mercado. A empresa passou quase o mesmo número de anos desenvolvendo a aparência daquela aeronave.

‘A rainha no tabuleiro de xadrez’

Os executivos de ambas as empresas há muito comparam a rivalidade do duopólio a um jogo de xadrez complexo e caro. Antes de fazer uma aposta, cada lado avalia cuidadosamente a situação do outro e mostra como seria possível responder.

Elas nem sempre acertam. Os anais da história da aviação estão repletos de programas de aeronaves fracassados, incluindo o superjumbo A380 da Airbus.

O desenvolvimento apressado do 737 MAX pela Boeing, que foi entregue a clientes com uma falha fatal, ocorreu quando a empresa procurou responder a um jato renovado da Airbus — o A320neo — que pegou a Boeing de surpresa em 2010.

Para a Airbus, os problemas da Boeing significam que o jogo mudou, disse Christian Scherer, chefe da divisão de aeronaves comerciais da fabricante de aviões. A Airbus agora tem mais liberdade ao tomar decisões estratégicas “em vez de responder a um movimento ameaçador da rainha no tabuleiro de xadrez”, disse ele.

Escreva para Benjamin Katz em ben.katz@wsj.com

Traduzido do inglês por InvestNews

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