A maioria dos anúncios de bebidas alcoólicas ou cerveja inclui um lembrete: “Beba com moderação”. Mesmo assim, a indústria do álcool depende de pessoas que bebem mais do que as autoridades de saúde pública dizem ser seguro.
Um quinto dos adultos responde por cerca de 90% do volume de vendas de álcool nos EUA, de acordo com uma análise publicada em 2023 pela empresa de pesquisa Bernstein.
“Obviamente, o dinheiro está nos grandes bebedores”, disse Philip Cook, professor emérito da Universidade Duke, cujo livro de 2007, “Paying the Tab”, estava entre os estudos científicos analisados pela Bernstein.
Essa dependência se tornou um risco maior para as empresas, já que o governo dos EUA considera colocar avisos de câncer nas embalagens de álcool e reduzir o limite recomendado de consumo diário seguro.
As vendas da indústria estão diminuindo devido a preocupações com a saúde do consumidor, a expansão da legalização da cannabis, o uso de drogas GLP-1, como o Ozempic, e uma mudança geracional em direção a um menor consumo de álcool. Isso deixa as empresas de cerveja, vinho e destilados mais dependentes de gente como Kevin Turner.
“As pessoas sabem que o álcool faz mal, que pode ser viciante. Elas entendem isso”, disse Turner, de 39 anos, de Orlando, na Flórida. “É um veneno. É um veneno delicioso, mas é totalmente um veneno.”
Nas noites da semana, Turner toma alguns copos de destilados do bar de sua casa, que inclui uma dúzia de uísques escoceses, além de outros países, bourbons, rum, gins e licores. Nas noites de fim de semana, ele costuma se encontrar com amigos em um bar local, onde toma três ou quatro cervejas. Turner, ex-fumante, acredita que conseguiria parar de beber se quisesse, mas um rótulo de advertência de câncer ou uma revisão das diretrizes nutricionais federais não mudaria imediatamente seus hábitos.
Por quase três décadas, as diretrizes disseram que é seguro os homens tomarem no máximo dois drinques por dia e as mulheres, um. Uma medida padrão nos EUA é equivalente a 350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 45 ml de bebidas destiladas.
Os veteranos da indústria do álcool dizem que estão cientes dos clientes fiéis, mas que não anunciam para eles.
“Em qualquer categoria, especialmente no álcool, a indústria está muito preocupada com o consumo excessivo”, disse Ann Mukherjee, ex-chefe da Pernod Ricard na América do Norte, que iniciou uma campanha de marketing da Absolut Vodka abordando o papel do álcool na agressão sexual.
A indústria do álcool, disse ela, preferiria “depender menos de apenas um pequeno grupo que impulsiona a maior parte do consumo. Eles não acham que isso seja saudável para seus próprios negócios, para a sustentabilidade da categoria e para seus consumidores”.
Hoje, as regras federais exigem que o rótulo de bebidas traga advertências sobre dirigir embriagado e beber durante a gravidez, bem como uma advertência geral de que o álcool “pode causar problemas de saúde”. Os fabricantes de cerveja, vinho e destilados têm programas de responsabilidade corporativa destinados a reduzir o consumo de álcool por menores de idade e a promover a responsabilidade ao volante. E tentam evitar serem vistos como incentivadores do consumo excessivo de álcool. Especialistas do setor dizem que passam mais tempo se preocupando em como atrair novos clientes do que em reter os antigos.
É difícil identificar o quanto as pessoas bebem porque muitas vezes elas subestimam seu próprio consumo. De acordo com dados de pesquisa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, 6% dos adultos americanos dizem que bebem o suficiente para atender à definição de consumo excessivo de álcool da agência: pelo menos 15 drinques por semana para homens e oito drinques para mulheres. A análise da Bernstein de 2023 indica que esse número é muito mais alto, descobrindo que as pessoas que consomem mais de 14 drinques por semana representam até 20% dos adultos nos EUA.
As diretrizes federais sobre o consumo de álcool podem mudar este ano em uma atualização dos departamentos de Agricultura e Saúde e Serviços Humanos. Um relatório divulgado este mês para informar as novas diretrizes mostrou que, tanto para homens quanto para mulheres, uma bebida por dia aumenta o risco de morte por doenças e lesões relacionadas ao álcool. A ligação entre o consumo de álcool e o risco de câncer foi estabelecida para pelo menos sete tipos de câncer, incluindo o de mama, cólon e reto, esôfago, fígado, boca, garganta e cordas vocais, de acordo com o cirurgião geral. O consumo de álcool é a terceira principal causa evitável de câncer nos EUA, depois do tabaco e da obesidade.
A indústria do álcool geralmente reconhece que o consumo excessivo aumenta o risco de vários tipos de câncer, e reconhece que alguns estudos associaram o consumo moderado ao aumento do risco de câncer de mama. Mas grupos da indústria também dizem que o álcool consumido com moderação pode fazer parte de um estilo de vida saudável para algumas pessoas. Os lobistas da indústria estão lutando para evitar qualquer mudança nas diretrizes federais, argumentando que os riscos já são conhecidos e que o governo deve levar em consideração um relatório recente mostrando que o consumo moderado reduz as taxas de mortalidade.
A discussão em torno dos riscos de câncer em decorrência do consumo de álcool aumenta a pressão sobre uma indústria já em dificuldades.
As ações da Constellation Brands despencaram este mês depois que a empresa divulgou vendas de cerveja abaixo do esperado e uma baixa contábil de US$ 2,25 bilhões em seus negócios de vinhos e destilados. A empresa — que fabrica a cerveja Modelo Especial, o vinho Meiomi e a tequila Casa Noble — reduziu suas previsões de vendas e lucro.
A fabricante de bebidas destiladas Diageo alertou que está enfrentando uma demanda fraca do consumidor. E as destilarias em Kentucky sentem o abalo agora que o boom do bourbon nos EUA chega ao fim, deixando-as com um excesso de produto. A fabricante de Jack Daniel’s, Brown-Forman, disse na semana passada que cortaria em torno de 12% de sua força de trabalho, ou cerca de 648 empregos.
Essas tendências podem agudizar (e tensionar) a dependência da indústria do álcool de seus fãs mais fervorosos.
Tara Prinzivalli, de 45 anos, que mora em Staten Island, em Nova York, bebe duas ou três taças de vinho quase todas as noites em casa ou com seus vizinhos. Prinzivalli, que prefere pinot grigio e Malbec, trabalha como radioterapeuta no tratamento de pacientes com câncer. Ela disse que um rótulo de advertência sobre as ligações entre câncer e álcool não a faria reduzir seu consumo.
“O câncer não é algo que relaciono ao vinho”, disse Prinzivalli. “Talvez eu ame demais a bebida, ou talvez seja apenas ingênua.”
Escreva para Laura Cooper em laura.cooper@wsj.com