A Nestlé, responsável pelas marcas Nescafé e Purina, demitiu Laurent Freixe em setembro após uma investigação concluir que um relacionamento não divulgado violou o código de conduta da empresa. Tensões decorrentes do caso distraíram a alta administração da Nestlé durante grande parte dos 12 meses de gestão de Freixe e desestabilizaram parte da liderança.
O episódio também trouxe atenção para a cultura interna da Nestlé e para a dificuldade da empresa suíça em manter suas mais de 2 mil marcas relevantes, diante de mudanças nos hábitos dos consumidores, inflação e tensões comerciais.
Agora, o novo CEO Navratil tem a missão de virar o jogo. Com 49 anos, ele apresentou em outubro planos para cortar 16 mil empregos e amarrar a remuneração mais diretamente ao desempenho, medidas vistas por analistas como um ataque às práticas internas por vezes acomodadas.
Navratil afirmou que seu approach será descartar nostalgia e considerar qualquer marca para venda.
Em reuniões recentes com investidores, ele reconheceu que a empresa de 159 anos precisa mudar para se adaptar aos hábitos em transformação. Navratil também disse que deseja investir mais do que seus antecessores no desenvolvimento de novos produtos de sucesso.
Investidores apontam que a Nestlé precisa de uma reforma e deve aprimorar sua governança, após duas trocas de CEO em um ano. O preço das ações caiu mais de 20% nos últimos cinco anos, enquanto concorrentes focados em menos produtos ou setores frequentemente tiveram desempenho superior.
“Em toda crise há oportunidade. A Nestlé passou por uma crise de governança”, disse Christopher Rossbach, diretor de investimentos do acionista de longa data J. Stern & Co.
Navratil, suíço-austríaco e entusiasta de esportes de montanha, está na Nestlé desde 2001, mas veio de fora do grupo tradicional que dominou a liderança da empresa neste século. Seu presidente é Pablo Isla, ex-CEO da Inditex (dona da Zara), que assumiu de Paul Bulcke em outubro — uma rara nomeação de fora da companhia.
“A confiança foi erodida por alguns eventos recentes. Parte deles por nossa responsabilidade”, disse Navratil em podcast interno. Ele destacou que, começando do zero com Isla, a empresa pode questionar tudo.
O romance
O CEO anterior, Freixe, também assumiu de forma inesperada. Seu antecessor foi afastado por não se encaixar na cultura da empresa. Bulcke, então presidente da Nestlé, disse que Freixe entendia os valores da companhia.
Um dos principais candidatos ao cargo era Steve Presley, líder da Nestlé nos EUA. Presley assumiu como chefe da América Latina após uma reestruturação que combinou regiões.
O declínio de Freixe começou ao recomendar a promoção de uma executiva de marketing de sua antiga equipe. Colegas suspeitaram que o apoio de Freixe à profissional — com 20 anos de empresa — ia além do âmbito profissional.
Após ajustes salariais e suspeitas de que a executiva repassava informações a Freixe, uma investigação interna foi aberta. Embora inicialmente não tenha confirmado irregularidades, uma segunda apuração levou à demissão de Freixe sem pagamento em setembro. A Nestlé afirmou que ele violou o código de conduta por não divulgar o relacionamento com subordinada direta.
Bulcke deixou o cargo mais cedo que o planejado em outubro, após críticas públicas de alguns investidores sobre a curta gestão de Freixe, tornando-se presidente honorário.
Nova geração
No mesmo dia da demissão de Freixe, o conselho conheceu candidatos para substituí-lo. Navratil, então à frente da Nespresso, já era visto como potencial líder, após aumentar bilhões em vendas e firmar parceria com Starbucks.
Navratil se apresentou como insider que vê a empresa como outsider, após 16 anos comandando operações da Nestlé na América Latina. Para aumentar a competitividade, ele quer eliminar dogmas corporativos e a prática de “não tomar decisões”.
O CEO indicou que os negócios principais, como café e alimentos para pets, continuam fortes, mas algumas marcas menores podem ser vendidas — entre elas Hot Pockets, vitaminas e, possivelmente, as cafeterias Blue Bottle. Há ainda a possibilidade de vender parte ou todo o stake de US$ 50 bilhões da Nestlé na L’Oréal.
Em entrevistas privadas, analistas sugeriram que Navratil revisasse os gestores que havia ultrapassado para assumir o cargo.
Em entrevista à Finanz und Wirtschaft, Navratil disse que a saída de Freixe foi um choque interno, mas que a cultura da empresa não é o problema.
Observadores da Nestlé afirmam que a nova liderança representa um passo à frente, afastando feudos formados ao longo dos anos por um grupo restrito de gestores.
“É positivo que haja uma nova liderança. A Nestlé muitas vezes funcionou como um colégio de cardeais”, disse Rossbach, investidor da J. Stern.
