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Dá para consertar a Boeing? Chefes da indústria aeroespacial oferecem seus pitacos

Trem de pouso de uma aeronave Boeing Co. 777 operada pela Cathay Pacific Airways. Foto: Paul Yeung/Bloomberg

Um painel da fuselagem que explodiu no ar. Percalços no chão de fábrica. Astronautas isolados. Uma greve incapacitante. Cinco fracassos consecutivos em um ano.

As dificuldades da Boeing continuam se acumulando, e a lista não inclui dois acidentes fatais em 2018 e 2019, que mataram 346 pessoas. A fabricante de aviões de 108 anos concordou em se declarar culpada em um processo criminal federal relacionado a esses acidentes. A série de crises fez a empresa perder dinheiro, atolada em problemas de fabricação e desavenças com companhias aéreas, reguladores e seus próprios funcionários. Em 29 de dezembro, 179 pessoas morreram em um acidente na Coreia do Sul, cuja causa está agora sob investigação.  

“Estamos em baixa aqui, pessoal”, disse o novo CEO da Boeing, Kelly Ortberg, aos funcionários da empresa em uma reunião geral em novembro. 

Muita coisa depende da capacidade da Boeing de se recuperar dessa queda. A empresa é a maior exportadora dos EUA e uma das duas maiores fabricantes mundiais de grandes jatos comerciais, juntamente com a Airbus da Europa. A Boeing fabrica jatos, bombas e helicópteros para os militares dos EUA. Fabrica foguetes e espaçonaves para a NASA. Emprega cerca de 170 mil pessoas em todo o mundo e é a engrenagem central de uma cadeia de suprimentos global de milhares de empresas, desde pequenas lojas de peças até gigantes multinacionais como a GE Aerospace. 

“Todo mundo quer que tenhamos sucesso”, disse Ortberg aos trabalhadores. “E também esperam que consigamos nos recuperar, que entreguemos bons produtos e que não tenhamos confusões.” Ortberg, que assumiu o comando da Boeing em agosto, sinalizou sua intenção de encolher a empresa e reduzir a burocracia. Nos últimos meses, perguntamos a dezenas de pessoas — líderes atuais e anteriores da Boeing, executivos de companhias aéreas, funcionários, fornecedores, reguladores de segurança e outros — o que a Boeing deveria fazer para se recuperar. Eis aqui o que disseram.

1. Pense grande

A Boeing foi pioneira aeroespacial por décadas, mas já faz 20 anos que lançou seu último novo avião. Desde então, fez atualizações em seus modelos existentes. Phil Condit, que foi CEO da Boeing de 1996 a 2003, disse que a empresa precisa começar a trabalhar em um novo modelo o mais rápido possível.

É preciso deixar as pessoas entusiasmadas com o que estão fazendo. Você não vem trabalhar apenas para receber o salário, você vem trabalhar porque se importa com o que está fazendo ”

Phil Condit

Outros ecoam o apelo à ambição. “Empresas de sucesso fazem grandes apostas”, disse o congressista democrata de Washington, Adam Smith, cujo distrito inclui a fábrica da Boeing em Renton. “Há um custo inicial, mas é isso que fazem.”

“A geração atual de alunos está muito interessada no impacto social”, disse Gail Cornelius, diretora do centro de carreiras da Universidade de Washington e ex-gerente do programa da Boeing. “A Blue Origin quer levar as pessoas para Marte. A Tesla quer se livrar do combustível fóssil. O impacto social é tangível. A Boeing não tem isso.”

2. Arrume a cultura da empresa

Ao longo do tempo, a cultura da Boeing se transformou, indo da valorização da engenhosidade e da qualidade para a prioridade do retorno aos acionistas. Essa cultura está agora na raiz dos problemas da empresa, avaliam vários especialistas.

Fuselagens de Boeing 737 Max em vagões de trem em Seattle, Washington, EUA. Foto: David Ryder/Bloomberg

Segurança em primeiro lugar

“Até que chegue a todas as camadas da empresa, até à pessoa que varre o chão de fábrica, até que todos tenham isso em seu DNA — que a coisa mais importante para a Boeing é a excelência e a segurança do voo —, nunca haverá uma confiança total e 100% na empresa, porque o pensamento de todos não está nisso. O pensamento está na caixa registradora”, disse Morrie Goodman, ex-líder de comunicações na Boeing, NASA, FEMA e no Departamento de Comércio.

Incentivar os funcionários a relatar preocupações de segurança reduziria a necessidade de denunciantes, “e é isso que estamos realmente observando e tentando garantir que aconteça”, disse o chefe da Administração Federal de Aviação, Mike Whitaker, que impôs limites de produção na fábrica do 737 da Boeing.

“Havia engenheiros da Boeing que diziam: ‘Espere um minuto, pessoal, não sei se devemos fazer isso. Isso pode não ser seguro’. Suas preocupações foram basicamente deixadas de lado. A Boeing tem boas pessoas. Mas elas precisam de um sistema que realmente as recompense por fazerem a coisa certa”, disse Douglas Pasternak, principal investigador do Comitê de Transporte da Câmara sobre os acidentes do 737 MAX.

Erros precisam ser reconhecidos

Os executivos precisam dar o exemplo falando publicamente sobre o que aprenderam com seus próprios erros, disse Rich Plunkett, que chefia o desenvolvimento estratégico do sindicato dos engenheiros da Boeing. “A ideia não é achincalhar um gerente que cometeu um erro, mas sim perceber o que podemos aprender com um gerente que cometeu um erro.”

“Nós realmente temos uma cultura de culpa”, disse Ortberg aos funcionários durante as recentes reuniões gerais. “Não fique ao lado do bebedouro reclamando dos outros. Vamos nos concentrar na tarefa em questão.”

Redescubra o trabalho em equipe 

Alan Mulally dirigiu o negócio de aviões comerciais da Boeing de 1998 a 2006 e convenceu os líderes a concordar com o 787, apesar do nervosismo com o preço altíssimo do programa.

“O mais importante é que haja um processo confiável e um comportamento muito claro de todos os participantes”, disse Mulally, que hoje dirige a Ford. “As pessoas têm que respeitar umas às outras, ouvir umas às outras e ter resiliência emocional.”

Isso inclui ouvir os funcionários. “Vá para o chão da fábrica e pergunte a eles”, disse Adam Dickson, ex-engenheiro e gerente de sistemas de combustível da Boeing. “Vá falar com os funcionários e diga: deixando os gerentes de fora, diga-me qual é o problema número um que você tem no trabalho. Ouça-os.”

3. Esqueça o preço das ações e os prazos de produção — por enquanto

Os executivos da Boeing há anos tentam e não conseguem quebrar um hábito perigoso: “traveled work”, termo para tarefas que são concluídas fora da sequência comum na linha de produção. Enviar aviões inacabados para cumprir as cotas levou a erros, incluindo a falha em substituir quatro parafusos críticos em uma porta, o que a fez explodir em um voo da Alaska Airlines em janeiro passado. 

Vá mais devagar

“A piada é: ‘Segurança em primeiro lugar, desde que seu cronograma de produção seja cumprido’”, disse Andrew Cropp, operário que supervisiona o retrabalho na fábrica da Boeing em Renton. “Costumávamos ter reuniões mensais com a equipe, o gerente e [o chefe do gerente] e, se houvesse algum problema, haveria uma investigação. Isso acabou porque atrasava a construção do avião.” 

Acerte!

Os líderes das companhias aéreas dizem que, por mais frustrados que estejam com os atrasos na entrega das centenas de jatos que encomendaram da Boeing, agora eles só querem aviões sem problemas.

Ortberg, ex-CEO de uma grande fornecedora da Boeing, ficou surpreso com o que encontrou na empresa. Existem linhas de produção inteiras dentro das fábricas do 737 e 787 consertando jatos recém-montados em vez de construir novos.

“É incrível para mim a quantidade de problemas que está consumindo nosso trabalho diário. Parece que 30% do trabalho de todo mundo é consertar algo — seja a má qualidade ou o produto atrasado ou algo que não deveria ter acontecido”, disse Ortberg.

Invista na capacitação da força de trabalho 

A Boeing perdeu milhares de trabalhadores veteranos durante a pandemia e vem tentando contratar e treinar novos funcionários para suas fábricas. “Nós nos preocupamos com o sistema de produção e sua integridade; somos como o canário na mina de carvão”, disse Jon Holden, presidente do sindicato dos operários da Boeing. “Precisamos de um parceiro do outro lado.”

Comunicação

Mesmo assim, a Boeing não pode ignorar os prazos de produção para sempre. O perigoso hábito de enviar aviões inacabados para a linha de produção decorre do fato de os fornecedores não conseguirem entregar as peças certas no momento certo, disse Bill Osborne, ex-chefe de qualidade dos negócios de defesa e espaço da Boeing. E isso ocorre em grande parte porque os fornecedores não podem contar que a Boeing lhes diga com precisão quantas peças produzir, acrescentou. 

“Você tem que ser honesto com os fornecedores”, disse Osborne. “Dar a eles tempo suficiente, dar os requisitos de longo prazo, cumprir seu cronograma de produção — todas essas coisas são extremamente importantes para uma cadeia de suprimentos disciplinada.”

Um vídeo feito pela Spirit AeroSystems que mostra a linha do tempo de produção da Boeing é exibido durante uma audiência investigativa do National Transportation Safety Board (NTSB). Fotógrafo: Al Drago/Bloomberg

4. Renove o processo de design 

Uma dependência crescente da terceirização e do offshoring minou a propriedade intelectual da Boeing e lhe deu menos poder sobre o processo de design e fabricação. 

Muitos dos problemas recentes de qualidade podem ser rastreados até a Spirit AeroSystems, fabricante de fuselagem que a Boeing desmembrou em 2005. A Boeing concordou em readquirir a Spirit e dar ao negócio não lucrativo uma tábua de salvação financeira até que o lucro venha.

Pare de terceirizar

“Eles terceirizaram demais” a propriedade intelectual, disse Jason Adams, gerente de portfólio da investidora da Boeing, T. Rowe Price. “Quase não percebiam o quão bons eram em seus sistemas de design e fabricação.” 

Faça o design e a fabricação internamente o máximo possível, disse Tewolde Gebremariam, que foi CEO da Ethiopian Airlines em 2019, quando um 737 MAX da companhia caiu, matando 157 passageiros e tripulantes. O acidente forçou a interrupção de voos dos aviões por mais de um ano.

“Para um fabricante desse tamanho e um fabricante de produtos sensíveis como aviões, a Boeing precisa controlar o processo de design e o processo de fabricação”, disse ele. “É claro que haverá terceirização, haverá fornecedores, mas a Boeing estará em uma posição melhor para controlar esse processo.”

Envolva mais pessoas, incluindo especialistas de produção, pilotos e fornecedores

Muitos dos problemas da Boeing decorrem do fato de que os aviões não são projetados com o processo de fabricação em mente, disse Osborne, ex-chefe de qualidade do negócio de defesa da Boeing. “Não se trata apenas de projetar uma peça em termos de desempenho, mas de projetá-la para que possa ser fabricada. A produção não está tendo destaque.”

“Honestamente, os pilotos de teste precisam ter mais voz”, disse Matt Menza, ex-piloto de testes da Boeing. “Era diferente de quando eu estava na Marinha. Eu dizia aos meus engenheiros: “Não gostei da maneira como este avião se comportou, [ele] agiu de forma estranha”, eles paravam tudo e diziam: ‘Do que ele está falando? Vamos dar uma olhada nisso’.”

A Boeing depende muito de intermediários para a coordenação entre os engenheiros que projetam as peças e os fornecedores encarregados de construí-las. Isso geralmente retarda as coisas quando surgem problemas, disse Rosemary Brester, proprietária de um pequeno fornecedor da área de Seattle que fabrica peças para o 767 e o 777. “Você pode não receber uma resposta e, se receber, ela pode demorar semanas ou meses.”

5. Use melhor os engenheiros 

A Boeing construiu o 787 de fuselagem larga para competir com o Airbus A330, mais eficiente, que se tornou popular entre as companhias aéreas. O 787 era um avião fantástico, mas superprojetado, disse Aengus Kelly, CEO da AerCap, a maior proprietária mundial de jatos da Boeing. “Os engenheiros foram autorizados a fazer o que quisessem”, disse ele. “O programa chegou a US$ 26 bilhões acima do custo por causa dos esforços feitos para tentar criar o modelo que poderia ir até a lua. O avião parou de voar 19 meses depois.” 

Em vez de controlá-los, Mike Dostert, engenheiro aeroespacial aposentado da FAA e representante sindical do escritório da agência em Seattle, sugere capacitá-los. Os engenheiros “encontram problemas e corrigem problemas”, disse ele. “Bem, essa não é a estratégia atual da Boeing. Ela é ‘fazer o mínimo’. E parte do tempo, eles nem admitem que há um problema. Tentam dizer a todos que não há um problema quando ele claramente existe.”

6. É preciso restaurar a confiança

Os acidentes do 737 MAX abalaram a confiança do público. Os reguladores, sob pressão dos legisladores, começaram a examinar a empresa mais de perto, retardando as entregas e a aprovação de novos modelos de aviões. 

Os eventos do ano passado afetaram ainda mais a confiança do público. Em julho, a Boeing concordou em se declarar culpada de uma acusação criminal de que enganou os reguladores de segurança aérea antes dos acidentes mortais do MAX. (Mais tarde, um juiz rejeitou o acordo, e a Boeing e os promotores disseram que estão buscando um novo.) E a nave Starliner da Boeing agora tem um futuro incerto depois que problemas técnicos deixaram dois astronautas presos na Estação Espacial Internacional.

Isso inclui a FAA e o Pentágono…

“Quando as coisas acontecem, e elas acontecerão, você precisa ser muito transparente sobre ter um plano de ação corretiva em vigor e pensar em ir além do que os regulamentos exigem”, disse o ex-chefe da FAA, Steve Dickson. “Os reguladores precisam saber que essa é sua maior prioridade.”

A Boeing cobrou quase US$ 1 milhão (a mais) da Força Aérea por peças de reposição em aviões de carga C-17, incluindo uma margem de 8.000% nos dispensadores de sabão, de acordo com o inspetor-geral do Pentágono. Isso é sintoma de um problema maior, disse o Gen. David Bassett, ex-chefe de uma agência do Pentágono que policiava os contratos da Boeing com os militares.

… e os funcionários.

“A força de trabalho não confia na Boeing, tem medo de retaliação. Enquanto isso continuar, haverá problemas”, disse Jennifer Homendy, presidente do Conselho Nacional de Segurança do Transporte. 

Quaisquer que sejam as escolhas que ele faça, Ortberg não tem muito tempo para consertar a Boeing. Ele estava queimando suas reservas antes de concordar, em novembro, com um aumento salarial de 38% para encerrar a greve dos operários. Já tomou algumas atitudes de emergência: cortar milhares de empregos, demitir alguns altos executivos e levantar US$ 24 bilhões para ganhar algum tempo. A Boeing desacelerou sua taxa de produção após a explosão da porta e planeja voltar a crescer lentamente.

Ortberg disse que a Boeing precisa colocar a casa em ordem antes de fazer uma grande aposta, como projetar um novo avião. E, ainda segundo ele, a empresa não pode se dar ao luxo de cometer outro erro. Ortberg tem passado um tempo no chão de fábrica e se reunido com funcionários e outras pessoas enquanto monta seu planejamento. Ele disse que recentemente se encontrou com o senador Ted Cruz (Republicano do Texas), que lhe disse que a Boeing teria “sérios problemas” se houvesse mais uma questão de segurança. 

“E acho que ele está certo”, disse Ortberg.

Escreva para Sharon Terlep em sharon.terlep@wsj.com e Andrew Tangel em andrew.tangel@wsj.com

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