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Ela fez da meditação orgásmica sua vida. Nem mesmo a prisão consegue pará-la

“O que a Internet fez pelos computadores, o orgasmo feminino pode fazer pela conexão humana”, prometeu Daedone em 2013. Foto: Brandon Sheer/WSJ

Por mais de uma década, Nicole Daedone presidiu um império de bem-estar incomum, que transformou a estimulação sexual em uma prática de meditação destinada a capacitar as mulheres. Ao longo da década de 2010, como fundadora da empresa OneTaste, ela espalhou sua filosofia no palco do TEDx e como convidada do podcast Goop. “O que a internet fez pelos computadores, o orgasmo feminino pode fazer pela conexão humana”, prometeu ela em 2013 no South by Southwest. 

A prática, na qual um parceiro acaricia as partes íntimas de uma mulher, deve libertá-las do trauma e estimular a criatividade. A empresa diz que, no auge, 35 mil pessoas participaram de eventos, 1.500 se tornaram professoras treinadas e a receita anual chegou a US$ 11 milhões. 

Agora, os promotores federais dizem que Daedone e outros responsáveis pela OneTaste conspiraram por mais de uma década para coagir funcionários a trabalhar intermináveis horas para ajudar a expandir os negócios. Segundo os promotores, esses funcionários eram controlados e sofriam ameaças psicológicas e financeiras se não fizessem o trabalho designado. O último ano de Daedone foi uma montanha-russa de audiências judiciais e, recentemente, seu julgamento que seria em janeiro foi inesperadamente adiado para maio.

“Meu maior erro foi não ler bem a sala, em termos de entender o que estávamos desencadeando”, diz Daedone sobre a queda de sua empresa. “Não apenas a sugestão de que as mulheres tinham poder ou de que as mulheres tinham desejo, mas que tínhamos o direito de persegui-lo.”

Mesmo enfrentando um julgamento, Daedone dobrou a aposta em sua cruzada. “Aumentei minha prática para duas vezes ao dia”, diz Daedone sobre suas sessões de meditação orgástica, que ela faz com um parceiro não romântico. Ela está sentada de pernas cruzadas em um sofá verde que, como quase todos os móveis de sua casa, está disponível para compra por meio de uma filial da OneTaste chamada Organic Erotic, que vende artigos para o lar.

Daedone enfrenta uma única acusação de conspiração para manter trabalho forçado, crime que raramente ocorre sozinho e que é mais comumente cometido ao lado de crimes de tráfico sexual ou contra réus acusados de explorar imigrantes ilegais. Embora os promotores não tenham chamado a OneTaste de culto, pediram ao juiz que permitisse que as testemunhas o fizessem e destacaram as residências comunitárias e as camas compartilhadas do grupo. Os praticantes da OneTaste eram adultos que optaram por entrar na empresa e eram livres para sair, dizem seus advogados. Os jurados, alguns dos quais podem achar os ensinamentos desagradáveis, vão discutir se a suposta coerção psicológica de Daedone e seus conspiradores aliados anulou esse consentimento e se isso equivale a um crime.

Daedone é uma mulher alta e magnética de 57 anos que intercala seus pensamentos mais profundos (“Você sai do seu próprio sofrimento”) com piadas infames (“Eu trabalharia à distância”, diz ela, sobre a possibilidade de trabalhar em uma cela de prisão). Ela não dirige mais a empresa, mas, como sua fundadora, está trabalhando com a liderança atual da OneTaste para tornar a prática popular. Ela também permanece ativa, de maneiras inesperadas, na divulgação de sua filosofia.

Em um jantar de networking feminino no recém-inaugurado centro da OneTaste em Nova York, um amplo espaço de três andares que inclui uma sala de meditação e um estúdio de podcast, Daedone foi apresentada a cem mulheres como “nossa visionária”. Em um evento diferente, este em uma igreja do Harlem equipada com cadeiras estofadas da Gucci, ela fez malabarismos com pratos enquanto trabalhava como garçonete ao lado de praticantes da OneTaste, que são voluntários em uma organização sem fins lucrativos fundada por Daedone para alimentar os sem-teto com refeições de três pratos elaboradas por um chef de prestígio. Dentro de uma prisão feminina no interior do estado de Nova York, ela jantou com dezenas de detentas que responderam a perguntas específicas que ela havia proposto para promover a conexão. “Tudo isso é a aplicação da prática”, diz ela.

Nicole Daedone, fundadora da empresa de meditação orgástica OneTaste, em sua casa em Nova York. Foto: Brandon Sheer/WSJ

Mesmo com todos os problemas que surgiram nos últimos anos, Daedone ainda tem grandes ambições para a meditação orgástica: “A MO será o principal protocolo contra o trauma”, diz Daedone.

Meditação orgástica: em princípio

Para Daedone e seus seguidores, a meditação orgástica é uma prática de conscientização, uma construtora de conexões e uma maneira de canalizar a energia sexual da mulher para a criatividade. 

Funciona assim: uma mulher, nua da cintura para baixo, deita-se sobre travesseiros cuidadosamente arrumados com as pernas em posição de borboleta. Uma pessoa totalmente vestida — geralmente um homem — define um cronômetro para 15 minutos. Usando o dedo indicador lubrificado de sua mão esquerda, com luva, ele acaricia o quadrante superior esquerdo do clitóris de uma mulher com a quantidade de pressão que se usaria para tocar a pálpebra.

“Clímax não é sinônimo de orgasmo”, escreve Daedone em seu livro de 2011 “Slow Sex: The Art and Craft of the Female Orgasm.” “O orgasmo é a capacidade do corpo de receber o prazer e responder a ele.” A ideia é que a meditação orgástica usa a excitação para acessar a criatividade latente e um estado místico; ela acredita que as praticantes podem usar essa “força erótica” para se conectar com outras pessoas e diminuir o sofrimento.

Daedone é filha de mãe solteira e cresceu em Los Gatos, na Califórnia. Estudou gênero e semântica na Universidade Estadual de San Francisco. Após a formatura, abriu uma galeria de arte, trabalhou como garçonete em uma pizzaria e se interessou pelo trabalho como stripper. Vários anos depois, começou a procurar sentido em sua vida. 

Ela planejava se tornar uma monja budista quando conheceu um homem em uma festa. “Há uma prática que você pode querer experimentar”, Daedone se lembra de ele lhe dizer antes de irem para a casa dele, um ashram de ioga.

“Tire as calças e deite-se”, disse ele. “Vou tirar minha roupa. Vou acariciá-la por 15 minutos.” Parecia uma loucura no começo, diz ela, mas fez o que lhe foi dito. A experiência foi reveladora, afirma. “Eu estava voltando a pé para casa à noite e percebi que minha mente estava clara.”

Ela treinou por cerca de sete anos, inclusive com o guru sexual da Califórnia Ray Vetterlein, conhecido por ensinar um método para prolongar os orgasmos. Em 2004, fundou a OneTaste com um parceiro de negócios. O nome veio de uma citação budista sobre liberdade, diz ela: “Assim como o grande oceano tem um sabor (one taste), o sabor do sal, também este ensinamento e disciplina têm um sabor, o sabor da liberação.”

À medida que a empresa crescia, as alunas da OneTaste começaram a viver em comunidade em dezenas das chamadas casas MO, a maioria das quais a empresa disse ser administrada por profissionais individuais sem qualquer afiliação formal. “Havia listas de espera para entrar nessas casas”, diz Caryn Roth, participante de longa data da OneTaste. “As pessoas dividiam camas porque trabalhavam meio período e queriam morar em San Francisco.”

Em 2017, Daedone vendeu sua participação na empresa para três profissionais da OneTaste por US$ 12 milhões em dinheiro. “Eu estava me afogando na infraestrutura e queria escrever, fazer ciência, fazer lobby”, diz ela.

Então veio o que Daedone chama de seu “cancelamento”. Em junho de 2018, uma reportagem da Bloomberg Businessweek sobre a OneTaste acusou o grupo de táticas de vendas agressivas, uma atmosfera sexual livre e práticas de culto que endividavam os participantes. Logo, os novos proprietários começaram a enfrentar uma investigação do FBI e fecharam todos os centros OneTaste pelo mundo. 

Anjuli Ayer, atual executiva-chefe da OneTaste, disse que no dia em que a história da Bloomberg foi publicada, Daedone ligou para ela e para os outros dois novos proprietários. “Sinto muito. Nunca imaginei que algo assim pudesse acontecer, se você quiser seu dinheiro de volta”, Ayer se lembra de Daedone dizendo.

Cinco anos depois, Daedone e sua chefe de vendas, Rachel Cherwitz, foram indiciadas. Daedone estabeleceu cotas de vendas para Cherwitz, que por sua vez pressionou a equipe, disseram os promotores. Os funcionários venderam seminários de MO — entre eles “TurnedON Woman’s Summit” e “Nicole Daedone Intensive” — prometendo que a MO poderia resolver seus problemas, de acordo com os promotores.

Os funcionários foram encorajados a se vestir para o papel e às vezes a usar o sexo para vender, inclusive encenando cenas sexuais baseadas em “O Mágico de Oz” para um dos primeiros investidores, de acordo com os promotores. 

A chefia, segundo eles, dizia a alguns funcionários que era preciso fazer mais aulas para ter sucesso, levando-os a contrair dívidas.

Para complicar as coisas, havia a falta de separação entre casa e trabalho. Nas casas MO, os residentes eram obrigados a participar das sessões matinais da meditação, desencorajados a beber álcool ou assistir à TV e eram instruídos a não denunciar comportamentos problemáticos a pessoas de fora, disseram os promotores. Em uma aparente referência a “Harry Potter”, segundo os promotores, as pessoas de fora eram chamadas de “trouxas”.

Os advogados de Daedone e Cherwitz disseram que os promotores elaboraram sua narrativa escolhendo os relatos de alguns poucos selecionados entre milhares de alunos da OneTaste. “Inúmeros outros disseram terem sido iluminados”, disse Imran Ansari, então advogado de Cherwitz, no tribunal. 

Meditação orgásmica vai ao tribunal

Em 2023, Daedone fez uma peregrinação à Ásia para estudar o budismo tibetano. Ela estava dormindo em uma tenda na Mongólia naquele mês de junho, quando foi acordada às duas da manhã por uma amiga com seus colegas do OneTaste no viva-voz. “Houve uma acusação”, disse a colega. “Eles prenderam Rachel.”

Agentes federais armados invadiram o centro de retiro rural da OneTaste na Califórnia para prender Cherwitz; o Departamento de Justiça disse que Daedone “permanecia foragida”. Daedone começou a jornada de 36 horas de volta aos Estados Unidos, onde, ao chegar, foi algemada e teve suas impressões digitais tiradas em um tribunal federal no Brooklyn. Sua mãe, no viva-voz do tribunal, concordou em assinar sua fiança.

Apesar dos problemas que surgiram nos últimos anos, Daedone ainda tem grandes ambições para a meditação orgástica: “A OM será o principal protocolo para traumas”, diz ela. Foto: Brandon Sheer/WSJ

No tribunal federal do Brooklyn em novembro, Daedone, vestindo calças cáqui esvoaçantes e um cardigã preto solto, parecia tranquila. Atrás dela, várias dezenas de apoiadoras lotaram a galeria do tribunal, mulheres na faixa dos 40 e 50 anos, vestidas profissionalmente, blazers e saltos e cabelos penteados. Daedone mais tarde postaria um vídeo no Instagram das mulheres passando pelo tribunal, de cabeça erguida, com “The Healer” de Erykah Badu tocando ao fundo. 

“São todas essas mulheres eróticas entrando no coração de um prédio masculino do governo”, disse Maya Gilbert, que está envolvida com a OneTaste desde 2009 e agora ensina meditação orgástica e é diretora criativa da empresa. “É muito forte.”

Na audiência, um promotor explicou por que queriam que um psicólogo clínico testemunhasse no julgamento sobre o controle coercitivo ou a ideia de manipulação sem força. 

“Os jurados médios entendem que os relacionamentos podem ser manipuladores”, disse Jennifer Bonjean, que representa Daedone. “As testemunhas aqui eram indivíduos adultos livres para ir e vir.”

Os promotores também pediram que as testemunhas pudessem usar os termos “culto”, “membros” e “líderes”. Os advogados das rés argumentaram que esses termos eram injustos.

O juiz negou o uso do especialista por enquanto, mas não proibiu o termo “culto”, dizendo que era “frequentemente usado de modo coloquial” e não implicava uma estrutura formal.

Embora Daedone não esteja mais oficialmente na empresa, ela continua sendo sua inspiração, diz Ayer. O negócio, que atualmente opera com prejuízo, é sustentado financeiramente por seus três proprietários. Recentemente, lançou uma plataforma on-line e um aplicativo gratuito. Também pretende se expandir usando um modelo de franquia. “Minha visão é fazer com que essa filosofia e essa modalidade cheguem a um bilhão de pessoas”, diz Ayer. 

Em seu apartamento, Daedone considera a possibilidade de passar anos na prisão. Ela diz que seu trabalho continuaria lá, com centenas de mulheres que sofreram traumas e poderiam estar abertas a praticar meditação orgástica.

“Onde melhor trabalhar com mulheres”, diz Daedone, “do que com aquelas que não colorem dentro das linhas?”.  

Escreva para Corinne Ramey em corinne.ramey@wsj.com

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