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Fertilizante da Amazônia: a arma do Brasil para diminuir a dependência da Rússia

O país importa cerca de 90% dos nutrientes de nitrogênio, fósforo e potássio de que precisa

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No coração da Floresta Amazônica, trabalhadores se preparam para escavar um poço vertical tão largo quanto um túnel de metrô, cerca de 800 metros de profundidade. Não é ouro nem petróleo o que está escondido em uma clareira gramada entre terras indígenas, mas fertilizante — algo, para este vasto país agrícola, possivelmente tão precioso quanto.

Com o acirramento das tensões no comércio global, o Brasil substituiu uma fatia crescente das exportações agrícolas dos EUA para a China, que passou a evitar a soja americana em resposta às tarifas do governo Trump. A imposição, pela administração Trump, de tarifas de 50% ao Brasil neste ano elevou as apostas para que o setor agrícola — em que o país é líder global — sustente a maior economia da América Latina em meio à guerra comercial.

Mas o fertilizante continua sendo o calcanhar de Aquiles do Brasil. O país importa cerca de 90% dos nutrientes de nitrogênio, fósforo e potássio de que precisa, principalmente da Rússia, cuja guerra na Ucrânia, somada às sanções ocidentais, tornou o abastecimento precário.
A solução está na maior floresta tropical do mundo.

A mineradora Brazil Potash Corp., sediada em Toronto, está investindo US$ 2,5 bilhões para construir uma mina subterrânea de potássio perto da cidade de Autazes, a poucos quilômetros das margens do Rio Madeira, explorando a vasta Bacia Potássica da Amazônia, uma das maiores do mundo.

Descoberta por acaso há mais de 50 anos, quando a estatal brasileira Petrobras perfurava em busca de petróleo, a camada alaranjada-rosada de cloreto de potássio se estende por cerca de 400 quilômetros sob a floresta — resquícios secos de um oceano antigo.

A produção na mina de Autazes, estimada em 2,4 milhões de toneladas por ano, está prevista para começar em 2030. Destinada inteiramente ao mercado brasileiro, essa oferta atenderia a cerca de um quinto da necessidade de potássio do país ao longo dos 30 anos de vida útil da mina. A bacia, por si só, possui reservas suficientes para levar o Brasil a ficar próximo da autossuficiência em potássio.

Um fornecimento dedicado de potássio ajudaria a blindar as safras brasileiras de choques geopolíticos como a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, quando os preços recordes do insumo provocaram pânico no cinturão agrícola do país. Em contrapartida, daria ao Brasil uma vantagem em momentos como o atual, quando tensões entre EUA e China estão redirecionando fluxos de comércio e elevando a demanda pelos produtos agrícolas brasileiros.

Barcaça transportando soja pelo rio Madeira, onde o potássio também deverá ser transportado futuramente. Foto: María Magdalena Arréllaga/WSJ

“Temos um presente de Deus aqui, e precisamos aproveitá-lo ao máximo”, disse Raphael Bloise, responsável pelo projeto no Brasil. A mineradora listada nos EUA planeja outro site em Fazendinha, perto do encontro do Rio Madeira com o Rio Amazonas, afirmou Bloise.

O Brasil precisa de mais fertilizante do que outros gigantes agrícolas para sustentar sua produção atual. Abençoado com um clima que permite o cultivo o ano todo, o país vê seus solos terem nutrientes rapidamente exauridos. O solo rico em argila também tem dificuldade em reter fertilizantes durante as chuvas intensas.

Investidores chineses já demonstraram interesse no projeto, que inclui um terminal portuário e uma linha de transmissão de 164 km. Em um possível acordo de swap, Pequim poderia se comprometer a adquirir potássio da mina em nome dos agricultores brasileiros em troca de entregas futuras garantidas de cultivos como soja e algodão, segundo a empresa. Mas a localização do projeto de Autazes, no estado do Amazonas, é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição.

O Amazonas faz fronteira com Mato Grosso, o maior produtor de soja do Brasil e grande consumidor de fertilizantes — a cerca de 400 milhas (aproximadamente 640 km) através de densa floresta, ainda assim mais perto do que a Rússia.

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Caminhões já transportam a safra de Mato Grosso para o norte, até barcaças fluviais com destino a portos no litoral atlântico do Brasil. Quando a mina abrir, eles poderão retornar às áreas agrícolas mato-grossenses carregados de potássio, em vez de vazios. “O Brasil é um exportador maciço de produtos agrícolas para a China, mas está exposto a todos esses riscos geopolíticos que afetam seu suprimento de fertilizantes — ter uma fonte segura de potássio no próprio quintal é essencial”, disse Matt Simpson, presidente-executivo da Brazil Potash.

Mas cavar um enorme buraco em uma das regiões mais sensíveis do mundo do ponto de vista ambiental e cultural não é tarefa fácil, disse Bloise, que passou boa parte da carreira no desenvolvimento de Carajás, a maior mina de minério de ferro do mundo, também localizada na Amazônia.

A Brazil Potash passou a última década travando batalhas judiciais e tentando conquistar do prefeito local ao padre da comunidade. A empresa finalmente obteve permissão para seguir adiante.

A companhia planeja minerar apenas em áreas fora das terras dos Mura, o povo indígena cujo território se sobrepõe a partes das jazidas de potássio. Os Mura inicialmente desconfiaram. Desde os tempos coloniais, tiveram de se defender de incursões violentas — primeiro dos colonizadores portugueses e, mais recentemente, de garimpeiros ilegais.

Hoje, cerca de 35 das 40 aldeias Mura na região apoiam a mina, conquistadas pelas promessas de um futuro melhor, segundo o Conselho Indígena Mura. A Brazil Potash investiu em uma escola e em um time de futebol locais e prometeu ajudar os Mura a ampliar a renda com piscicultura, agricultura em pequena escala e artesanato.

Em Urucurituba, a comunidade ribeirinha de cerca de 500 famílias mais próxima da mina, o saneamento precário tem levado a frequentes surtos de diarreia. O píer desaba quando o rio enche, e ataques de piratas se tornaram comuns à medida que o narcotráfico avança pela Amazônia. Não há presença policial e, embora a vila tenha um posto de saúde, médicos a visitam apenas a cada duas semanas.

“Não queremos isso para os nossos filhos”, disse Aldinelson Moraes Pavão, cacique Mura de Urucurituba, acrescentando que as comunidades indígenas também desejam o que o restante dos brasileiros deseja.
“Quem não quer tomar um copo de água gelada da geladeira, ter um carro ou dormir em um quarto com ar-condicionado?”, afirmou.

A mina toca no cerne do dilema do Brasil sobre o futuro da floresta e de seu povo, enquanto líderes mundiais se reúnem na Amazônia neste mês para a cúpula do clima da ONU.

Ambientalistas alertam que até mesmo a mineração legal pode estabelecer um precedente perigoso na Amazônia, abrindo caminho para desmatamento, grilagem de terras e conflitos sociais.

Críticos afirmam que a infraestrutura construída para minas industriais — como estradas de acesso, portos e linhas de transmissão — inevitavelmente atrai madeireiros ilegais, pecuaristas e garimpeiros cada vez mais para o interior da floresta. Policiar uma mata quase do tamanho dos EUA contíguos é quase impossível.

Outros argumentam que o Brasil precisa encontrar uma forma de sustentar as cerca de 30 milhões de pessoas — indígenas e não indígenas — que vivem em sua porção da Amazônia, muitas delas em pobreza extrema. A pecuária já devastou áreas vastas, privando comunidades indígenas e outras de meios de subsistência tradicionais. Em comparação com a agropecuária, a mineração deixa uma pegada relativamente pequena.

A Brazil Potash argumenta que produzir fertilizantes domesticamente poderia aliviar a pressão sobre florestas em todo o país, já que muitos agricultores desmatam novas áreas em vez de reutilizar lavouras antigas simplesmente por faltarem nutrientes para restaurar a fertilidade do solo.

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Em Autazes, um município de cerca de 50 mil habitantes, a maioria das famílias depende de empregos públicos ou de programas de assistência social, disse o prefeito José Thomé Neto. A mina proposta criaria vários milhares de empregos durante a construção e a operação, além de até 30 mil empregos indiretos em toda a região, afirmou. Autoridades locais esperam que a população do município dobre ao longo dos 30 anos de vida útil da mina.

“Há uma enorme expectativa aqui”, disse Neto. “Este projeto vai contribuir para a segurança alimentar do nosso país e também para um novo modelo econômico para o estado.”

Escreva para Samantha Pearson em samantha.pearson@wsj.com

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