Sempre que os americanos passam por crises financeiras, o McDonald’s se baseia em uma receita simples para manter as vendas em alta: ser rápido e barato. Para muita gente, porém, o McDonald’s hoje é apenas rápido.
“Cara, o que aconteceu com o cardápio de um dólar do McDonald’s?!?!”, perguntou uma mulher de Seattle no TikTok no início deste ano, compartilhando imagens de uma refeição McDouble por US$ 12 e batatas fritas por US$ 3.
A fórmula outrora genial fracassou. O número de clientes de fast-food que afirmaram que a rede de restaurantes oferecia um bom custo-benefício caiu para o menor nível em uma década no ano passado, de acordo com uma pesquisa do UBS Evidence Lab. Famílias de baixa e média renda reduziram suas idas à rede, contribuindo este ano para a maior queda nas vendas trimestrais do McDonald’s nos EUA desde 2020.
Os líderes da gigante do hambúrguer estão cientes de que há um problema. A competição na indústria de alimentos é acirrada, com restaurantes de fast-food brigando entre si, além de opções mais caras e valor agregado mais alto, como Chipotle e Chili’s, e até mesmo as próprias cozinhas dos clientes.
“Existem opções melhores”, disse Kyle Elliott. O produtor musical de 30 anos, de Nova York, costuma ir ao Chick-fil-A, ao Shake Shack ou ao trailer de lanches do bairro para uma refeição rápida, em vez do McDonald’s.
Lucros em declínio do McDonald’s
Mas a rede que foi pioneira na indústria moderna de fast-food está dividida entre uma sede corporativa que busca ofertas mais robustas e atraentes, e muitos donos de franquias de restaurantes que afirmam que seus lucros não conseguem absorver preços muito mais baixos.
Alguns operadores alertam que o tipo de ofertas que o McDonald’s está promovendo para atrair clientes — algumas das quais oferecem descontos entre 40% e 50% sobre o preço normal — está corroendo seus lucros já em declínio. As margens de lucro dos restaurantes da rede nos EUA começaram a cair no verão passado e não se recuperaram desde então, de acordo com os registros de valores mobiliários do McDonald’s.
O McDonald’s está em uma missão para recuperar as vendas — e sua vantagem em valor.
Em meados do ano passado, a empresa lançou uma nova tentativa de atrair consumidores com o bolso apertado: um combo de US$ 5 que incluía um sanduíche McDouble ou McChicken, batatas fritas pequenas, refrigerante pequeno e quatro Chicken McNuggets. No início deste ano, lançou um novo cardápio McValue, incluindo opções para adicionar um segundo item por US$ 1 após a compra de um pelo preço integral.
O combo de US$ 5 aumentou o número de visitas ao restaurante. A oferta de adicionar um item não atraiu tantos clientes até agora.
O McDonald’s agora está considerando outras opções de baixo custo, tendo testado recentemente um cardápio de US$ 3 ou menos em alguns restaurantes, de acordo com documentos da empresa. Uma nova rodada de Snack Wraps estreou por US$ 2,99.
“Provavelmente ainda estamos no primeiro tempo” da nova abordagem de baixo custo, disse o presidente do McDonald’s nos EUA, Joe Erlinger, em entrevista.
Valor na era da inflação
Nos escritórios corporativos do McDonald’s em Chicago, estrategistas analisam bilhões de dólares em transações de clientes para descobrir quais ofertas atrairão visitas recorrentes.
Profissionais de marketing e finanças analisam as promoções que os franqueados usam localmente e testam se elas podem ser replicadas nacionalmente. Ofertas eficazes geralmente exigem um desconto de pelo menos 30%, dependendo de sua duração, disseram os executivos.
Trabalhar com os franqueados para testar e implementar as ofertas é um movimento delicado, que muitas vezes exige longas discussões. Os franqueados possuem e operam 95% das cerca de 13.500 lojas do McDonald’s nos EUA. Em grande parte, eles definem seus próprios preços e os aumentaram nos últimos anos para compensar salários por hora mais altos e suprimentos mais caros. Eles podem, e às vezes já votaram contra promoções promovidas pela empresa.
Em janeiro de 2024, conforme reportagem do Wall Street Journal, o McDonald’s propôs aos franqueados do Kansas e Oklahoma que servissem como um campo de testes para novas ofertas. Os clientes poderiam comprar um item e levar outro por um dólar, além de comprar bebidas por US$ 1 ou US$ 2, de acordo com uma apresentação interna vista pelo The Wall Street Journal. Alguns franqueados dos EUA já haviam implementado versões locais da oferta de compra de um item.
O grupo de franqueados votou contra a proposta, temendo que ela não fizesse sentido financeiro. Os executivos do McDonald’s começaram a pressionar operadores individuais para que reconsiderassem a proposta. Posteriormente, o grupo voltou atrás.
Outro teste foi feito com um combo diferente. Quando franqueados no interior do estado de Nova York lançaram uma promoção em 2023, oferecendo um combo de lanches por apenas US$ 5, o McDonald’s viu uma oportunidade de levar a oferta para todo o país.
Primeiro, porém, a empresa teve que convencer um grupo nacional de franqueados que ajudavam a administrar um fundo de publicidade de aproximadamente US$ 1 bilhão a apoiar a promoção.
Após um comitê do conselho de franqueados votar contra a proposta em abril de 2024, os líderes do McDonald’s pediram apoio diretamente aos franqueados. Por fim, o combo de lanches foi aprovado pelo comitê e submetido a uma aprovação mais ampla.
Negociando com a Coca-Cola
O McDonald’s ajudou a tornar o acordo mais atraente negociando com a Coca-Cola, sua fornecedora de bebidas desde 1955, o fornecimento de quase US$ 5 milhões em verbas de marketing. Os restaurantes receberiam um ressarcimento por refeição, de acordo com uma mensagem interna aos franqueados solicitando seu apoio.
Mas a pressão aumentou. Os custos trabalhistas e os preços no atacado, de carne bovina a ovos, continuaram a subir para os operadores, enquanto a incerteza econômica mantinha os bolsos de mais americanos apertados. Consumidores insatisfeitos passaram a atacar empresas de fast-food desde que os preços começaram a subir durante a pandemia — e continuaram subindo depois disso.
Executivos alertaram sobre a fadiga inflacionária e a necessidade de oferecer refeições mais acessíveis.
“Nossa superioridade relativa em termos de preços acessíveis diminuiu”, disse o CEO Chris Kempczinski durante uma teleconferência de resultados em abril de 2024.
Um ano antes, a marca havia se tornado um saco de pancadas da inflação. Uma publicação nas redes sociais mostrando o cardápio de um restaurante de Connecticut — que incluía combos com Big Mac e McCrispy por aproximadamente US$ 18 — viralizou, alimentada pela indignação dos consumidores com a forte alta dos preços.
“Tivemos um contratempo” nos preços, disse Erlinger, presidente da empresa nos EUA.
O custo médio de um combo grande com Big Mac nos EUA ultrapassou a marca de US$ 10 pela primeira vez no ano passado, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado Technomic. Os preços do hambúrguer exclusivo aumentaram 27% entre 2019 e 2024, informou o McDonald’s.
Quando algumas pessoas online chegaram a afirmar que os preços do Big Mac dobraram nesse período, Erlinger decidiu escrever uma carta aberta aos “nossos fãs americanos” em maio de 2024 para contestar essa conta. Ele negou que a rede estivesse explorando os consumidores e disse que a maioria dos franqueados americanos vendia combos por US$ 4 ou menos. Ele também divulgou ofertas futuras.
No mesmo mês, o McDonald’s reuniu apoio suficiente dos operadores para oferecer o combo de US$ 5 em todo o país por aproximadamente um mês. Alguns franqueados pressionaram para que a promoção fosse por tempo limitado, argumentando que era muito cara para ser mantida a longo prazo e que o McDonald’s precisava fornecer mais apoio financeiro.
“Para oferecer ao consumidor opções mais acessíveis, elas precisam ser acessíveis para o proprietário”, escreveu a Associação Nacional de Proprietários, um grupo independente de defesa dos franqueados do McDonald’s, às suas centenas de membros.
Mark Kalinowski, analista do setor que pesquisa franqueados do McDonald’s, disse que os operadores continuam preocupados com a abordagem de valor em relação aos seus lucros.
“Boas vendas curam muitos males, pelo menos temporariamente, e boas vendas são difíceis de conseguir hoje em dia”, disse Kalinowski.
A promoção de US$ 5 oferece um desconto de cerca de 40% a 50% no custo dos itens comprados à la carte, disse Tom Dillon, diretor financeiro das operações do McDonald’s nos EUA. No entanto, ele acrescentou que a promoção é lucrativa para os operadores. Ela foi prorrogada e está gerando um dos maiores aumentos de visitas de clientes da história da empresa.
“A conta total ainda é muito lucrativa da perspectiva do franqueado”, disse Dillon.
Descontos, menus de US$ 1 e divisões
O McDonald’s aposta nos preços acessíveis desde que Richard e Maurice McDonald, em 1948, criaram um sistema de preparo em linha de montagem que lhes permitiu vender hambúrgueres de 15 centavos para famílias de San Bernardino, Califórnia.
A rápida expansão do líder de longa data Ray Kroc por meio de franquias potencializou a fórmula. “Um McDonald’s comprava mais pães, mais ketchup, mais mostarda e assim por diante, e isso lhe deu uma posição excelente no mercado”, escreveu Kroc em seu livro sobre a empresa, “Grinding It Out” (“Fome de Poder: A Verdadeira História do Fundador do McDonald’s”).
A posição de baixo custo do McDonald’s foi desafiada no final da década de 1980, quando a Taco Bell, em expansão, lançou um cardápio com opções de US$ 0,59 a US$ 0,99 centavos. O McDonald’s respondeu com sua própria linha de itens de US$ 1.
Na década de 2000, os franqueados do McDonald’s de Nova York buscavam uma maneira de sustentar a queda nas vendas após os ataques terroristas de 11 de setembro. Jim Lewis, então franqueado, apoiou uma ideia controversa: um cardápio de um dólar com cerca de uma dúzia de itens vendidos ao longo do dia.
“Lutamos como loucos”, disse Lewis. “Algumas dessas coisas nós podíamos pagar, mas por quanto tempo conseguiríamos vender coisas por um dólar?”
Em vez de um aumento lento nas vendas, o novo cardápio de um dólar apresentou resultados em poucos meses, disse Lewis.
O agora presidente Trump, então um incorporador imobiliário e celebridade de Nova York, apareceu em anúncios em 2002 promovendo a vez do hambúrguer Big N’ Tasty no cardápio de um dólar. Mais tarde, o McDonald’s o lançou em todo o país, impulsionando as vendas e conquistando novos fãs.
Por volta de 2008, com a economia americana entrando em nova recessão, o McDonald’s começou a promover bebidas geladas a US$ 1 em alguns estabelecimentos. A promoção se expandiu para bebidas de todos os tamanhos em 2010.
Os descontos ajudaram a aumentar as vendas do McDonald’s entre 2008 e 2011 — um crescimento que superou o da indústria de fast-food em geral, segundo a Technomic.
Mas os franqueados estavam com mais dificuldade para arcar com essas ofertas. Em 2012, a inflação havia elevado os preços dos bens de consumo em 28% em comparação com 2002.
Outras redes enfrentavam problemas semelhantes. Em 2009, franqueados do Burger King processaram a empresa de Miami por sua promoção de cheeseburger duplo a US$ 1, alegando prejuízo com a oferta. O Burger King aumentou o preço em 2010. Três anos depois, o Wendy’s aumentou alguns preços em seu cardápio de US$ 0,99 centavos.
Em novembro de 2013, o McDonald’s seguiu o exemplo, renomeando sua oferta como “Menu de US$ 1 e Mais”, com itens que variavam de US$ 1 a US$ 5.
“Sabíamos que não conseguiríamos manter o preço de US$ 1”, disse Peter Bensen, então diretor financeiro do McDonald’s, em 2014.
Banquinho de três pernas
Kroc, que continuou envolvido com o McDonald’s até sua morte em 1984, descreveu sua filosofia corporativa como um “banco de três pernas”. Uma perna representava os franqueados do McDonald’s, a segunda, seus fornecedores, e a terceira, os funcionários da empresa. O banco era tão forte quanto suas pernas.
A economia brutal da indústria de fast-food significa que essas facções nem sempre se dão bem.
O McDonald’s e seus franqueados têm se desentendido na última década, enquanto a rede pedia aos operadores que investissem milhões de dólares em reformas nos restaurantes e examinava suas operações.
Após o aumento dos custos com salários, ingredientes, serviços públicos e materiais ter levado os franqueados a aumentar os preços em 2021 e 2022, os operadores disseram que não tinham mais condições de vender bebidas a um dólar.
O McDonald’s acabou cedendo. Os salários dos funcionários de restaurantes do McDonald’s aumentaram cerca de 40% desde 2019, enquanto os custos com alimentos, papel e outros produtos aumentaram 35%, informou o McDonald’s no ano passado.
À medida que as despesas dos franqueados continuavam a aumentar, os funcionários da empresa orientaram os operadores a limitar os aumentos de preços a partes menos visíveis do cardápio, como molhos, queijos ou outros extras, e a locais específicos, em vez de em todos os seus restaurantes, disse um antigo executivo. Mas a imagem de preços acessíveis do McDonald’s foi impactada.
“O fast-food em geral e o McDonald’s em especial não parecem mais ter o mesmo bom custo-benefício de antes, o tipo em que você consegue uma refeição completa por US$ 5 a US$ 8”, disse Terry Wu, de 36 anos.
O profissional de saúde, que mora em Pittsburgh, disse que os aumentos de preços não parecem tão ruins quando comparados a outros custos de vida, como compras de supermercado e aluguel. Mas, acrescentou, isso se deve principalmente aos novos descontos. Mesmo assim, Wu reduziu intencionalmente suas idas ao McDonald’s após o aumento nos preços — e o hábito se manteve.
Nos últimos meses, depois do lançamento de sua promoção de combo por US$ 5, o McDonald’s afirmou que a promoção estava ajudando a melhorar a percepção da marca. Isso foi crucial para a empresa se recuperar de um surto de E. coli em outubro, que resultou em uma morte e mais de 30 internações.
O McDonald’s queria ampliar a oferta para incluir a promoção “compre um, leve outro por um dólar“, que havia testado no início do ano. Os franqueados votaram a favor do cardápio ampliado do McValue e, em janeiro deste ano, a promoção estreou com o ator John Cena em anúncios com bandejas de sanduíches de café da manhã e batatas fritas.
Mas mesmo o campeão da WWE não se mostrou forte o suficiente para superar as preocupações dos clientes com a incerteza econômica contínua. Em maio, o McDonald’s informou que suas vendas em lojas comparáveis nos EUA no último trimestre caíram 3,6% em relação ao ano passado. Burger King e Wendy’s também registraram quedas nos EUA nos três meses, embora em menor intensidade.
Preços
Em uma pesquisa realizada em janeiro com 400 clientes do McValue, 44% disseram que planejavam ir ao McDonald’s independentemente da presença do menu econômico, informou a empresa de pesquisa de mercado Numerator. 8% dos entrevistados disseram que não planejavam comer fast-food até ouvirem sobre o menu de ofertas.
“A maioria dos clientes busca a oferta do momento com pouquíssima fidelidade à marca”, disse Jana Zschieschang, da Revenue Management Solutions, uma empresa de consultoria que está orientando os clientes de restaurantes a personalizarem melhor as ofertas para se destacarem.
Mansur Shaheen, um nova-iorquino de 27 anos, come na rua várias vezes por semana e recorre regularmente às ofertas do McDonald’s. Comparado a uma tigela do Cava ou a uma salada do Just Salad em Manhattan, um sanduíche do McDonald’s a US$ 7 é um negócio melhor, disse ele. “Não é barato, mas também não é caro”, disse ele.
Erlinger disse que o McDonald’s investiu sua perspicácia em ciência do consumidor no McValue de uma forma que o diferencia.
Alguns operadores do McDonald’s afirmam que a empresa está demonstrando maior urgência em trabalhar com franqueados para atrair mais clientes também de outras maneiras.
Um McLanche Feliz, inspirado em “Um Filme Minecraft”, esgotou semanas antes do previsto nesta primavera. Em julho, a empresa trouxe de volta tiras de frango enroladas em tortilhas após pressão dos clientes, e alguns operadores disseram que as vendas iniciais foram tão fortes que faltaram coberturas para temperá-las. Novas bebidas, especialmente as geladas, voltadas para a Geração Z, estão disponíveis para testes.
“É um ambiente difícil, vamos intensificar as ações“, disse Danielle Marasco, proprietária de um McDonald’s no Texas e líder do grupo oficial de operadores da rede nos EUA, a National Franchisee Leadership Alliance.
O McDonald’s continua pressionando por descontos. Representantes da empresa também querem que os franqueados continuem vendendo o combo de US$ 5 pelo preço atual.
Em julho, alguns franqueados pretendiam aumentar os preços de alguns de seus combos premium para US$ 6. Os custos, principalmente do hambúrguer McDouble, ficaram muito altos, disseram eles.