Nova ordem mundial ameaça expandir o clube das potências nucleares

Guerras na Ucrânia e no Irã e dúvidas sobre a confiabilidade dos EUA estão levando mais países a considerar armas nucleares

Nos anos 1990, os EUA tinham dois grandes objetivos em relação às armas nucleares: garantir que a recém-independente Ucrânia entregasse seu vasto arsenal à Rússia e impedir a Coreia do Norte de obter sua própria bomba.

O primeiro esforço teve sucesso, mas hoje muitos consideram o desarmamento da Ucrânia um erro histórico que a deixou vulnerável à invasão russa — a mais sangrenta guerra da Europa em gerações. Já o segundo objetivo fracassou: a Coreia do Norte explorou a relutância dos EUA em usar força militar e tornou-se uma potência nuclear capaz de desafiar a segurança global.

Agora, com Israel tentando impedir o que considera uma iminente capacidade nuclear iraniana, esses exemplos estão sendo analisados com atenção ao redor do mundo. A lição seria que países sob ameaça existencial precisam de armas nucleares para sobreviver? Ou que buscar essas armas é tão perigoso que convida ao ataque antes de conseguir desenvolvê-las?

Antes, a busca por armas nucleares era restrita a países considerados párias, como Líbia, Síria e Iraque. Hoje, aliados dos EUA começam a considerar seriamente a opção.

Donald Trump alimentou esse temor ao questionar a Otan, cortar ajuda militar à Ucrânia e cogitar retirar tropas americanas da Coreia do Sul.

Um mundo implacável

A tecnologia nuclear existe há mais de 80 anos, e está ao alcance de qualquer nação industrializada determinada. Ainda assim, o clube nuclear permaneceu pequeno. Os cinco membros reconhecidos pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) de 1968 — EUA, Rússia, China, França e Reino Unido — também são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

Outros quatro países nucleares não fazem parte do TNP: Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel (este último mantém uma política de ambiguidade).

Historicamente, os EUA convenceram seus aliados a confiar no “guarda-chuva nuclear” americano, em vez de desenvolver arsenais próprios. Autoridades americanas afirmam que esses compromissos continuam firmes, mas os sinais dados por Trump e o contexto geopolítico atual enfraqueceram essa percepção.

Jan Lipavský, ministro das Relações Exteriores da República Tcheca, disse: “A ordem internacional que conhecíamos após a Segunda Guerra Mundial desmoronou. Isso inclui os tratados de não proliferação. Claramente, agora há uma discussão global sobre armas nucleares — e Putin é o responsável por abrir essa caixa de Pandora.”

A decisão histórica de Charles de Gaulle, na França, de desenvolver uma capacidade nuclear independente é hoje vista como um ato de grande visão estratégica, segundo o ministro da Defesa francês, Sébastien Lecornu.

A escolha da Ucrânia

O contraste entre a vulnerabilidade da Ucrânia e a proteção da Coreia do Norte pesa nas avaliações dos governos mundo afora. Nos anos 1990, a Ucrânia possuía o terceiro maior arsenal nuclear do mundo. Sob forte pressão dos EUA e em meio a um colapso econômico, Kiev concordou em transferir as armas para a Rússia, com base no Memorando de Budapeste de 1994, que previa garantias de segurança que, na prática, se mostraram inúteis.

Steven Pifer, ex-embaixador dos EUA em Kiev, comentou: “Se a Ucrânia tivesse tentado manter as armas, teria seguido um caminho geopolítico totalmente diferente. Não seria tratada como a Coreia do Norte, mas também teria perdido qualquer perspectiva de aproximação com a Otan e a União Europeia.”

Hoje, alguns ucranianos questionam essa decisão, principalmente após a perda de um quinto do território para a Rússia.

Lições do Irã e da Coreia do Norte

Enquanto a Coreia do Norte garantiu sua segurança com armas nucleares, o Irã — apesar de décadas de programa nuclear e um custo estimado de US$ 1 trilhão — está sofrendo ataques israelenses sem conseguir impedir.

Karim Sadjadpour, do Carnegie Endowment, diz: “O programa nuclear iraniano se mostrou um enorme passivo estratégico. Mas o próximo governo iraniano pode tirar a lição errada: que o erro foi não ter conseguido a bomba mais rápido.”

A Turquia, por sua vez, também discute internamente a opção nuclear para contrabalançar Israel.

O fim da não proliferação?

Para países como Turquia, a busca por armas nucleares teria um custo econômico e político elevado. Mas o consenso global em torno do TNP está enfraquecendo. A Rússia, por exemplo, estreitou laços com Coreia do Norte e Irã, inclusive com transferência de tecnologias de uso potencialmente nuclear.

Pavlo Klimkin, ex-chanceler ucraniano, alerta: “O TNP não está morto, mas está em modo de crise. Não é sustentável quando vários países sentem que não têm segurança ao cumpri-lo.”

Pesquisas de opinião mostram que a maioria dos sul-coreanos apoia o desenvolvimento de armas nucleares. Segundo o especialista Eric Ballbach, da Alemanha, essa ideia já não é restrita a conservadores — agora atinge também setores de centro-esquerda.

Robert E. Kelly, da Pusan National University, afirma: “Ninguém acha que a Coreia do Sul vai lançar uma arma nuclear de forma irresponsável. O problema é o excesso de confiança dos EUA em achar que só eles são maduros o suficiente para ter essas armas.”

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