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Paris em chamas contra a Shein: boicotes e protestos marcam inauguração de loja na capital francesa

A varejista chinesa abre sua primeira loja física em meio a escândalo com bonecas sexuais infantis e pressão de autoridades e marcas locais

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A França ameaçou banir a Shein depois que reguladores descobriram que a empresa vendia bonecas sexuais com aparência infantil em sua plataforma – e isso poucos antes da inauguração da primeira loja física permanente da varejista chinesa em Paris, prevista para esta quarta-feira (5).

O órgão de defesa do consumidor da França disse que denunciou a Shein ao Ministério Público e a outros órgãos reguladores após encontrar as bonecas no site. A Shein afirmou que removeu imediatamente os anúncios e proibiu a venda de qualquer boneca sexual em sua plataforma. Mas é improvável que isso reduza o crescente escrutínio sobre suas práticas comerciais no país.

“Esses itens horríveis são ilegais”, declarou o ministro francês das Finanças, Roland Lescure, em entrevista de TV na segunda-feira (2). “Se esse comportamento se repetir, teremos o direito de solicitar que a plataforma da Shein seja banida do mercado francês”, acrescentou.

A Shein vende produtos próprios e também opera como marketplace para vendedores terceirizados. A empresa disse estar investigando como os anúncios conseguiram driblar seus mecanismos de controle e prometeu reforçar suas políticas internas.

“Esses anúncios eram de vendedores terceirizados — mas eu levo isso para o lado pessoal”, afirmou Donald Tang, presidente executivo da Shein, em comunicado. “Estamos rastreando a origem e tomaremos ações rápidas e decisivas contra os responsáveis.”

A escalada ocorre às vésperas da abertura da nova loja da Shein no BHV Marais, um tradicional — e atualmente enfraquecido — centro de compras parisiense. O local apostava na popularidade da marca entre jovens consumidores para aumentar o movimento.

O anúncio, porém, gerou indignação em Paris, enquanto autoridades municipais expressavam preocupação com o fato de a gigante chinesa da moda rápida fincar sua bandeira no berço da alta costura.

Dezenas de marcas retiraram seus produtos das prateleiras do BHV Marais, e funcionários realizaram protestos na entrada do prédio. O Banco de Territórios, estatal francesa, interrompeu as negociações com a Société des Grands Magasins (SGM) — proprietária do BHV — para a compra do edifício.

Membros de sindicatos e funcionários protestam em frente à loja de departamentos BHV Marais, operada pela Société des Grands Magasins (SGM), no centro de Paris, França, na sexta-feira, 10 de outubro de 2025. A varejista online de moda rápida Shein enfrenta resistência ao plano de abrir lojas físicas em cidades francesas dentro de grandes magazines. Foto: Bloomberg

O BHV Marais tem um valor simbólico especial para os parisienses. Localizado em frente à prefeitura de Paris, o prédio remonta à década de 1850. Segundo a lenda, o fundador teria expandido a loja após receber uma recompensa do imperador Napoleão III, que o premiou por ter acalmado os cavalos da carruagem de sua esposa, a imperatriz Eugénie.

“Chamamos de loja de departamentos dos parisienses porque ela não é tanto voltada para turistas”, disse Guillaume Alcan, cofundador da marca de calçados Odaje, que se retirou do BHV após o anúncio da parceria com a Shein. “Acho que é por isso que está sendo tão difícil para os parisienses. Para os franceses, era como o último grande magazine que ainda era nosso.”

Yasmine Auquier Buron, cofundadora da Rive Droite, tinha um espaço no BHV onde vendia bolsas feitas de materiais reciclados e reaproveitados desde 2022. A Rive Droite também se retirou do BHV após o anúncio da Shein, em outubro — que veio após meses de pagamentos atrasados por parte da loja de departamentos.

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“Shein, para mim, é pior do que não ser paga. É uma vergonha para Paris. É uma desgraça”, disse ela. “Você não pode ser uma marca sustentável e estar no mesmo espaço que essas pessoas.”

Apesar das críticas, a SGM afirmou que seguirá com a abertura da loja da Shein, mesmo diante da reação negativa. A empresa também declarou que planeja abrir unidades da Shein em cinco lojas da Galeries Lafayette que administra em toda a França.

“Condenamos obviamente os recentes acontecimentos envolvendo a polêmica das bonecas”, afirmou Frédéric Merlin, presidente da SGM, em publicação no Instagram no domingo.

No entanto, ele criticou a reação generalizada contra a Shein: “Recuso-me a ceder à mentalidade do politicamente correto que acredita deter a verdade. Negócios são a vida real.”

A SGM informou que apenas roupas e itens produzidos diretamente pela Shein para o BHV serão vendidos no local. “Isso vem com todas as garantias de qualidade, rastreabilidade, origem e conformidade com as normas europeias e francesas”, acrescentou a empresa.

A França tem adotado uma postura firme diante da invasão de produtos chineses baratos na Europa. A guerra tarifária do ex-presidente Donald Trump e o fim da chamada “de minimis exception” — que permitia a entrada de pacotes abaixo de US$ 800 nos EUA sem impostos — abalou o modelo de negócios de plataformas chinesas como Shein, Temu e TikTok Shop, que agora voltam seus esforços aos consumidores europeus.

Na União Europeia, ainda existe uma isenção para pacotes abaixo de 150 euros, mas Bruxelas planeja eliminá-la até 2028. Paralelamente, a França estuda um imposto de € 2 por encomenda e já aprovou uma lei que impõe proibições de publicidade e novas taxas às varejistas de moda ultrarrápida.

Empresas chinesas de e-commerce vêm construindo grandes centros logísticos pela Europa para agilizar suas entregas. Além de Shein e Temu, novas plataformas como TikTok Shop e Joybuy (administrada pela JD.com) estão se expandindo no continente.

O escândalo das bonecas sexuais provavelmente aumentará o escrutínio regulatório e jurídico sobre os negócios dessas plataformas. A Comissão Europeia já vinha examinando as práticas de marketing e a venda de produtos fora dos padrões de segurança por parte da Shein e da Temu.

Em julho, o órgão antitruste francês multou a Shein em € 40 milhões (cerca de US$ 46 milhões), e o regulador alemão abriu uma investigação sobre a Temu. A Shein, hoje sediada em Cingapura, foi fundada na China e ainda mantém a maioria de seus fornecedores no país.

A alta comissária francesa para a Infância, Sarah El Haïry, pediu que as plataformas informem às autoridades quem foram os fornecedores e os clientes que compraram as bonecas no país.

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“Esses são objetos pedocriminosos, que predadores infelizmente às vezes usam para praticar antes de abusar de crianças reais”, afirmou El Haïry na segunda-feira, acrescentando que é preciso fazer mais para proteger as crianças que vivem perto desses compradores.

O órgão de defesa do consumidor francês também informou na noite de segunda-feira (2) que está investigando a plataforma AliExpress, do grupo Alibaba, por vender bonecas com aparência infantil.

“Levamos essa questão muito a sério”, disse um porta-voz da AliExpress. “Anúncios desse tipo vão contra nossas políticas e são estritamente proibidos.”

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