Por que não acreditamos mais em médicos como antigamente

Pacientes muitas vezes se sentem ignorados e reclamam de tratamentos confusos e falta de comunicação

A dra. Nicole Rochester, pediatra, diz que alguns parentes não pedem mais seu conselho médico. Suas filhas adultas costumam recorrer ao TikTok e ao Google para pesquisar sintomas.

É desconcertante, diz ela, mas não necessariamente surpreendente. As pessoas estão cada vez mais cautelosas com um sistema de saúde que deveria fazê-las se sentir melhor, mas as deixa estressadas e frustradas. E embora grande parte da raiva seja direcionada às seguradoras e empresas farmacêuticas, os médicos estão à frente do sistema e também vão perdendo a confiança do público.

“Há muitos fatores externos que realmente levaram a esse desmonte da confiança”, diz Rochester.

Os médicos mantêm uma alta classificação em termos de honestidade e padrões éticos entre os americanos, mas os níveis de confiança caíram acentuadamente desde 2021, de acordo com as classificações anuais de profissões do Gallup. Cerca de 53% dos entrevistados em 2024 deram uma classificação alta ou muito alta aos médicos, menos que os 67% de 2021. É a maior queda entre as 23 profissões classificadas pelo Gallup nesse período.

Isso é notável. Há muito tempo confiamos nos médicos para remediar nossas dores, tomar decisões que salvam vidas e ter em mente o nosso interesse. Agora as pessoas se sentem menos confiantes. Elas veem uma série de médicos sem tempo, mantendo as consultas curtas e tendo dificuldade para construir um relacionamento com os pacientes. Isso muitas vezes faz parecer que estão desmerecendo preocupações ou permitindo que preconceitos interfiram no atendimento.

Procurando em outro lugar

Há custos reais nessa situação. As pessoas procuram informações on-line sobre condições de saúde, muitas vezes diagnosticando a si mesmas. As informações são facilmente acessíveis, mas podem não ser bem pesquisadas e podem ser perigosas. Os pacientes podem evitar os exames. Um estudo descobriu que apenas 14% das pessoas com baixos níveis de confiança tomam seus medicamentos.

Algumas ficam tão desgastadas ao lidar com médicos que pagam outros profissionais para coordenar o atendimento. Embora benéfico para alguns, isso ameaça ampliar as lacunas nos resultados de saúde para pessoas de diferentes níveis de renda.

A confiança nos médicos é mais importante do que nunca, dado o envelhecimento da população dos EUA. Se os pacientes se sentirem desconsiderados por seus médicos, podem ignorar conselhos cruciais. Os cuidados necessários podem ser deixados de lado.

Isso é o que preocupa Terry Fulmer, enfermeira registrada e presidente da Fundação John A. Hartford. A fundação de cuidados de idosos recentemente fez parceria com a AgeWave, empresa de consultoria especializada em questões relacionadas ao envelhecimento, para realizar uma pesquisa com cinco mil adultos, metade dos quais com 65 anos ou mais.

Os adultos mais velhos geralmente têm mais condições crônicas e consultam uma série de especialistas, cada um com seus planos de tratamento e prescrição. O idoso médio toma quatro medicamentos diários; Fulmer conhece alguns que tomam 15.

O tratamento parece desarticulado. Cerca de 30% das pessoas no Medicare são atendidas por cinco ou mais médicos anualmente.

“Toda vez que veem um novo médico, precisam recontar sua história, o que abala a confiança, porque não se sentem ouvidos ou conhecidos”, diz Fulmer.

Falha de comunicação

Sylvia O'Brien, de 74 anos, não se sentia ouvida pelos médicos às vezes. Ela diz que os médicos de cuidados primários minimizaram os primeiros sinais de demência de seu marido, incluindo a perda de memória de curto prazo e as explosões de raiva, dizendo que era um envelhecimento normal. Ele piorou e ficou mais agressivo. Ela o levou a outros médicos antes que um neurologista o diagnosticasse com demência há sete anos.

O'Brien ficou aliviada por ter uma resposta, mas seu neurologista de confiança mudou. Desde então, ela teve três médicos de cuidados primários para o marido e precisou descrever e pedir medicamentos que aliviam sua ansiedade, mas que não haviam sido aprovados em seu seguro. A certa altura, um médico a culpou por não entender qual remédio havia sido prescrito.

“Embora eu entenda que a área médica está sobrecarregada, sinto que também estou tendo dificuldade para aguentar a rotatividade dos médicos, que muitas vezes parecem não entender a situação e podem ser desdenhosos”, diz O'Brien. Seu médico atual é empático e faz consultas mais longas. O'Brien agora tem medo que ela vá embora.

Aqueles que fazem parte do sistema de saúde também estão desgostosos. A mãe de Jeremy Gurewitz, radiologista, morreu de câncer no pâncreas em 2018. Mesmo sendo médica e tendo um seguro de saúde generoso, muitas vezes ela teve que lutar para garantir procedimentos e respostas. As informações não eram compartilhadas entre os médicos. A família se sentiu perdida primeiro com o diagnóstico e depois tentando coordenar o tratamento.

Com base nessa experiência, Gurewitz cofundou a Solace, empresa que conecta pacientes com defensores da saúde, que ajudam a marcar consultas, traduzir jargões médicos e apelar de pedidos indeferidos pelos seguros.

Buscando ajuda on-line

Kitty Peterson diz que os médicos sugeriram que sua dor nas articulações e fibromialgia eram “tudo coisa da minha mente”. Ela entrou na internet e encontrou pessoas com condições semelhantes e tratamentos que as ajudaram.

“As redes sociais salvaram minha vida quando o sistema médico falhou comigo”, diz Peterson, que encontrou alívio por meio de um acupunturista e massoterapeuta.

Ela acredita que há espaço para a medicina tradicional e a alternativa. Peterson mantém em dia as vacinas e os exames, mas recebe cuidados primários em uma clínica naturopata, que pratica medicina holística.

Rochester, a pediatra, sabe que os médicos estão frustrados por serem avaliados e compensados pelo número de pacientes atendidos, sem contar o tempo que perdem com burocracia e brigas com as seguradoras.

Porém, ela também viu médicos, consciente ou inconscientemente, minando a confiança. Ela levava seu pai idoso, que tinha doenças crônicas, às consultas médicas, e ouvia todas as perguntas que faziam.

“Sou afro-americana, e ele também. Testemunhei muito descaso com nossas preocupações”, diz Rochester, acrescentando que foi levada a sério somente depois que a equipe médica descobriu que ela era médica.

Desde então, Rochester deixou a prática clínica para se tornar defensora e consultora de saúde. “Precisamos estar cientes da desconfiança e assumi-la como nosso problema”, afirma ela.

Escreva para Clare Ansberry em clare.ansberry@wsj.com

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