Muitos anos antes de as forças armadas da Rússia cruzarem a fronteira com a Ucrânia, Vladimir Putin fez um longo e frio discurso, para líderes de vários países, exigindo uma revisão profunda da ordem mundial.
“Chegamos a esse momento decisivo em que devemos pensar seriamente sobre a arquitetura da segurança global”, disse Putin no discurso de 2007 em Munique, acusando a Organização do Tratado do Atlântico Norte de quebrar uma promessa ao se expandir para a Europa Oriental, e pedindo o fim da hegemonia dos EUA.
As tensões entre Moscou e o Ocidente aumentaram nos anos que se seguiram. A Rússia enviou seus militares para a Geórgia, a Síria e a Ucrânia. A invasão da Ucrânia em 2022 estimulou um amplo esforço ocidental para isolar Moscou e levou novos países para as fileiras da OTAN.
Putin perseverou enquanto seus militares sofriam reveses no campo de batalha e sua economia era pressionada por sanções ocidentais. Ele apostou no longo prazo. Agora, essa determinação parece estar valendo a pena à medida que o mundo muda decisivamente em sua direção. Os EUA interromperam a ajuda militar à Ucrânia, pediram o fim do isolamento de Moscou e estão se distanciando dos aliados tradicionais na Europa.
“Todos nós vemos a rapidez com que o mundo está mudando”, disse Putin a seus serviços de segurança na quinta-feira (27), após uma reunião EUA-Rússia na Arábia Saudita. Moscou e Washington, disse ele, agora estão prontos para resolver “problemas estratégicos na arquitetura mundial”.
Mesmo os conselheiros mais linha-dura de Putin ficaram surpresos com a velocidade com que o tom vindo da Casa Branca mudou nas últimas semanas, de acordo com pessoas que viajam a Moscou e conversam com autoridades russas.
“O novo governo está mudando rapidamente todas as configurações de política externa”, disse o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, na semana passada, sobre a equipe do presidente Trump.
Trump, que vinha pedindo que ambos os lados acabassem com a guerra, voltou sua atenção para a Ucrânia nos últimos dias. Ele chamou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky de ditador e o culpou por iniciar a guerra, ecoando comentários de autoridades russas. Isso culminou em um confronto diante das câmeras na sexta-feira na Casa Branca entre o líder ucraniano e Trump.
A mídia estatal russa deu uma cobertura intensa à briga no Salão Oval. No domingo, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, elogiou a abordagem de “bom senso” de Trump e acusou os líderes europeus de prolongarem a guerra.
Em seu próprio discurso em Munique no mês passado, 18 anos após a polêmica de Putin, o vice-presidente JD Vance disse que a erosão da democracia na Europa representava uma ameaça maior ao continente do que a Rússia ou a China — uma afirmação comum de Putin.
“Não vimos isso antes”, disse Sergey Radchenko, historiador da Rússia e autor de um novo livro sobre a estratégia de Moscou na Guerra Fria. “Não apenas o realinhamento político, mas o alinhamento de valores.”
Para Putin, o momento atual é uma justificativa da estratégia paciente que aprimorou durante um quarto de século no poder.
O ex-agente da KGB elevado da obscuridade para a liderança da Rússia na virada do milênio há muito protesta contra a ordem mundial liderada pelos EUA, inaugurada pelo colapso soviético em 1991, que Putin chamou de “a maior catástrofe geopolítica do século”.
Os sentimentos expressos por Putin em Munique resultaram de queixas em relação aos EUA que se aprofundaram em 2004, de acordo com Thomas Graham, ex-assessor da Casa Branca para a Rússia do ex-presidente George W. Bush. Naquele ano, uma revolução apoiada pelo Ocidente convulsionou a Ucrânia, e separatistas chechenos invadiram uma escola na região russa do Cáucaso Norte. Putin culpou os EUA por encorajar o movimento separatista.

“Esses dois eventos levaram Putin a acreditar que os Estados Unidos realmente não estavam interessados em uma parceria com a Rússia, que o contraterrorismo e a promoção da democracia eram apenas cortinas de fumaça para o avanço geopolítico dos Estados Unidos no antigo espaço soviético em detrimento da Rússia”, disse Graham, que recentemente retornou de uma viagem a Moscou. “Ele concluiu naquele momento que o objetivo dos Estados Unidos era realmente minar a posição da Rússia como grande potência.”
O discurso de Putin em 2007 deixou claro pela primeira vez a profundidade de sua revolta com a arrogância que via nos EUA. Muitas autoridades ocidentais pareceram descartar o aviso de Putin na época. “Uma Guerra Fria foi o suficiente”, disse Robert Gates, então secretário de Defesa dos EUA, em resposta.
No ano seguinte, a Rússia invadiu a Geórgia e assumiu o controle de dois enclaves pró-russos na ex-república soviética, sem provocar nenhuma resposta ocidental significativa. O governo do ex-presidente Barack Obama buscou um “reset” com Moscou sob o presidente interino da Rússia, Dmitry Medvedev, mas o retorno de Putin à presidência em 2012 foi seguido por uma repressão à dissidência e uma aprofundamento da suspeita do Ocidente.
As relações foram ainda mais abaladas quando Putin tomou a Crimeia em 2014 e enviou seu exército para o leste da Ucrânia. Em resposta à invasão em grande escala da Rússia em 2022, o ex-presidente Joe Biden impôs sanções a Moscou e prometeu apoiar a Ucrânia “pelo tempo que for necessário”.
Após a vitória eleitoral de Trump no ano passado, Putin mudou sua tática. Ele ecoou declarações falsas sobre a eleição de 2020 e elogiou a resposta de Trump ao atentado contra sua vida em julho.
Agora, com Trump tirando Moscou da geladeira e suspendendo a assistência militar crucial a Kiev, Putin vê uma oportunidade de mudar fundamentalmente a posição da Rússia no mundo, dizem analistas.
O que ele quer é muito mais do que um simples acordo para acabar com os combates. Seu objetivo é transformar a Ucrânia em um estado castrado permanentemente vulnerável à agressão militar russa e impedi-la de se rearmar com o apoio ocidental. Sua ambição é forçar a OTAN a sair totalmente da Europa Oriental.
Radchenko, o historiador, citou paralelos históricos com o período após a Segunda Guerra Mundial, quando o ditador soviético Joseph Stalin buscou um acordo com os EUA para dividir a Europa em esferas de influência. Em vez disso, os EUA permaneceram engajados no continente, agindo como garantidor da segurança e limitando as ambições de Stalin.
Avançando para hoje, Radchenko diz: o Kremlin está aderindo a uma visão semelhante. “Mas o que eu acho notável é que é o governo Trump também está adotando essa visão do mundo agora”, disse ele.
Obviamente, o mundo de hoje é muito diferente da ordem do pós-guerra. A Europa depois de 1945 estava prostrada, devastada pela guerra, e Stalin explorou a chance de criar uma esfera de influência às custas do continente. Hoje, a Europa está dividida por divergências, mas unida em um único bloco geopolítico. No domingo, os líderes europeus se reuniram em Londres para discutir maneiras de continuar apoiando Kiev.
Putin está jogando um jogo arriscado ao manter essa posição maximalista, dizem analistas. Trump, que quer assinar um acordo de paz rápido com Kiev e Moscou, pode tentar fazer Moscou pagar se as negociações se arrastarem. Pouco depois de assumir o cargo, ele alertou que a Rússia poderia enfrentar sanções e tarifas se não fizesse um acordo.
A Rússia disse que continuaria travando sua guerra na Ucrânia até que as negociações produzissem um resultado com o qual concordasse. Citou a necessidade de resolver as “causas profundas” da guerra, que na narrativa de Moscou incluem a orientação pró-ocidental da Ucrânia e a expansão da OTAN na Europa Oriental.
Especialistas em defesa dizem que a Rússia tem recursos para continuar lutando na Ucrânia por pelo menos mais um ano, ocupando mais terras ucranianas, que quase certamente manterá assim que um acordo for garantido.
Putin vai esperar pelo acordo que Trump pode defender porque passou décadas pedindo o tipo de reorganização global que ele acha que agora pode estar finalmente surgindo.
“Sua ideia inicial na Ucrânia, de que ele deve fazer o que quiser e o Ocidente não terá outra maneira a não ser recuar, era a ideia certa”, disse Boris Bondarev, ex-diplomata russo que renunciou por causa da guerra e agora vive na Europa. “Ele agora está dizendo: façam-nos uma oferta irrecusável. Nós esperamos.”
Escreva para Matthew Luxmoore em matthew.luxmoore@wsj.com