Existe ouro no gelo da Groenlândia? Empresários estão indo para a ilha ártica para colher seu recurso mais abundante na esperança de que haja um número suficiente de pessoas dispostas a pagar caro por uma vodca feita com água de geleiras ou por um coquetel com gelo da Groenlândia.
O gelo é comercializado como mais limpo e denso do que a maioria, pois passou cem mil anos comprimido em uma geleira antes de se desprender.
Há debates sobre se a ciência apoia o discurso de vendas, sem mencionar o custo ambiental de transportar pedaços de gelo do Ártico para casas noturnas em Dubai.
A Groenlândia diz que está aberta para negócios.
Gelo à venda
“Se há algo que temos muito neste país, é gelo”, disse Thomas “Tyt” Mogensen, CEO da Nalik Ventures, fundo de desenvolvimento de negócios de US$ 130 milhões da Groenlândia.
Nos últimos cinco anos, o governo do território aprovou 13 licenças para seis empresas que atualmente estão coletando ou planejando coletar água e gelo glacial.
A Arctic Ice, startup que existe há dois anos, captura icebergs flutuantes do tamanho de carros de um fiorde no oeste da Groenlândia, corta-os com uma motosserra, embala os pedaços de gelo em contêineres refrigerados e os carrega em navios para uma viagem oceânica de 16 mil quilômetros e cinco semanas.
O cofundador Ittu Lilliendahl, nativo da Groenlândia, disse que procura icebergs que se desprenderam de uma geleira interior a cerca de seis horas de navio da capital Nuuk.
“Procuramos o gelo mais claro do fundo da camada de gelo, porque é a parte mais antiga e mais limpa”, disse Lilliendahl.
Gelo de presente
Assim que o contêiner chega a Dubai, os trabalhadores da Arctic Ice esculpem os pedaços em esferas e os colocam em caixas de presente triangulares que vêm com um pequeno par de pinças. Cada caixa de gelo custa US$ 100 e vem com seis cubos cada.
Os clientes do Nahaté Dubai, restaurante e boate no distrito financeiro de Dubai, podem se deliciar com o coquetel Desert Whisper com infusão de gin que custa 175 dirham — cerca de US$ 48 —, contendo cubos de gelo da Groenlândia.
Valentin Pinault, empresário francês de 28 anos que mora em Dubai, toma seu uísque single malte de 18 anos com gelo da Groenlândia, que custa 800 dirham, ou cerca de US$ 218, no Nahaté.
Ele disse que gosta da ideia de que os cubos de gelo estão livres de sujeira e contaminantes bacterianos e que derretam lentamente.
“Ele só gela sua bebida e não a deixa muita aguada”, disse Pinault. “É puro.”
“A narrativa é muito importante para os clientes”, disse Andrey Bolshakov, diretor de marketing do Nahaté Dubai. “E quando você diz a eles que o gelo contém elementos de cem mil anos, eles ficam impressionados.”
Lenda?
Alguns não têm certeza se essa história é verídica.
Mathieu Morlighem, professor de glaciologia do Dartmouth College, disse que, à medida que a neve cai na camada de gelo, ela forma camadas anuais, como os anéis do tronco das árvores. Com o tempo, as camadas da geleira vão sendo comprimidas.
À medida que as geleiras da Groenlândia seguem da camada de gelo interior para os cursos d’água costeiros, é praticamente impossível saber quantos anos o gelo tem, disse Morlighem.
Thomas Olsen coleta e envia água derretida de uma geleira do sudoeste da Groenlândia para a Jutlândia, na Dinamarca, onde ela é usada no gim e na vodca da Point 660 Glacier Spirits, vendidos por cerca de US$ 68 a garrafa.
Mesmo assim, Olsen disse que lucrar na Groenlândia é um desafio.
“Você tem que saber o que está fazendo, especialmente a -40ºC durante metade do ano”, disse Olsen. “Não há infraestrutura, a área é remota, com pouca gente, então você tem que fazer tudo sozinho.”
Incentivo do governo
O governo recém-eleito da Groenlândia está elaborando uma legislação para atrair mais empresas para coletar gelo e água. As novas regras simplificarão as licenças e melhorarão as estradas e os portos.
“Água e gelo são um recurso que pode significar muito para a Groenlândia”, disse Naaja Nathanielsen, que assumiu o cargo de ministra de Negócios e Comércio em abril.
A Groenlândia e o resto da região do Ártico aqueceram três vezes mais rápido que a temperatura média global desde 1980, de acordo com um relatório de 2024 da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, com a Groenlândia perdendo 270 bilhões de toneladas de gelo a cada ano.
O aquecimento do clima da região aumentou o interesse de empresas estrangeiras que esperam extrair depósitos minerais que ficam sob a camada de gelo cada vez menor da Groenlândia. O presidente Donald Trump ameaçou tomar o controle da Groenlândia da Dinamarca em nome da segurança nacional americana e para garantir o acesso a esses minerais críticos.
Envios para Dubai
O cofundador da Arctic Ice, Samir Ben Tabib, disse que espera enviar de 20 a 30 contêineres para Dubai assim que o gelo sazonal próximo à costa começar a se soltar em maio. Ben Tabib disse que a empresa quer crescer engarrafando água.
Ben Tabib não é o primeiro empresário a sonhar em levar gelo para os clientes sedentos. Em 2015, uma empresa tentou vender cubos de gelo de uma geleira norueguesa e enviá-los de helicóptero, mas o plano não deu certo devido à oposição local. Um plano ambicioso para rebocar um iceberg da Antártida para a Arábia Saudita para garantir água doce fracassou na década de 1970.
Mercado global de gelo
Espera-se que o mercado global de gelo chegue a US$ 7,23 bilhões em 2027, de acordo com um estudo.
Os frutos do mar representam 90% das exportações da Groenlândia, seguidos por minérios, mas Nathanielsen acredita que há futuro para as exportações de água e gelo, especialmente usando navios com reservatórios leves e flexíveis.
“O gerenciamento será mais fácil”, disse Nathanielsen, que observou que os custos de envio são o maior obstáculo econômico para a expansão dos projetos de água e gelo.
Pegada de carbono
Nem todos os moradores acham que coletar gelo e água é uma boa ideia. Alguns críticos disseram que a pegada de carbono do transporte em navios de contêineres da Groenlândia para o Golfo Pérsico é um desperdício, pois Dubai já produz seu próprio gelo.
“Esse é um bom exemplo de como iniciar seu próprio negócio e criar um sentimento de pertencimento na comunidade local”, disse Javier Arnaut, professor de ciências sociais e economia da Universidade da Groenlândia. “Mas, ao mesmo tempo, as preocupações éticas podem comprometer a ideia. Essa é realmente uma necessidade mundial?”