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Tudo sobre ‘ancoragem’: quando os preços das ações não são o que parecem
Ninguém gosta de sair no prejuízo, por isso buscamos sempre o preço mais baixo ou uma perda menor.
Você decide comprar algumas ações. Paga, digamos, R$ 30, por cada uma. Logo depois, no entanto, ocorre um fato negativo. Um balanço ruim, um acidente com a produção ou qualquer outro incidente. O papel desaba mais de 50%. Está claro que a recuperação vai demorar, com risco de mais quedas no caminho. Você decide vender suas ações, mas só quando voltarem aos R$ 30 que pagou.
Dos R$ 15 aos R$ 30, será preciso as ações se valorizarem 100% para recuperar o preço de antes. Um tempo em que o dinheiro ficará parado, talvez perdendo outras oportunidades. Não há lógica na espera, exceto pelo efeito de ancoragem. É um viés cognitivo descrito por dois gigantes da economia comportamental, Daniel Kahneman, ganhador do Nobel de 2003, e Amos Tversky, que só não foi premiado também por ter morrido antes da escolha, em 1996.
Em um cenário de incertezas, investidores, como qualquer pessoa, tendem a buscar alguma referência (uma âncora). É algo que o varejo sabe desde sempre e a razão daqueles anúncios em que um jeans cai de R$ 199 para R$ 150. Os R$ 199 muitas vezes nem correspondem à realidade. Estão ali para dar um empurrão na venda, oferecendo ao consumidor um parâmetro para decidir que a roupa está mesmo barata.
Preço da pipoca:
- Saco pequeno: R$ 12
- Saco médio: R$ 17
- Saco grande: R$ 20
Outro exemplo ocorre na fila do cinema. Antes do filme, pode ser que você queira comprar pipoca. Um saco pequeno custa R$ 12, outro, médio, R$ 17 e um grande, R$ 20. Sua fome é para um saco médio, mas o mais provável é escolher o saco grande. É mais caro, mas são muito mais pipocas por apenas R$ 3. Mesmo que no fim a pessoa só consuma o equivalente a um saco médio, a opção intermediária só estava ali para levar ao gasto maior.
Buscamos sempre o preço mais baixo ou uma perda menor. Ninguém gosta de sair no prejuízo. No entanto, como apontam Dan Ariely, professor do MIT, e Thomas Wallstein em um estudo dos anos 90, comprar a pipoca maior mesmo sem ter fome não depende de uma decisão racional. Mesmo pagando mais caro, tendo o preço do saco médio como referência, prevalece para a maioria das pessoas a sensação de que se está economizado.
Voltando às ações, a decisão de comprar determinado papel geralmente leva em conta a variação de preços nas semanas, meses ou mesmo anos anteriores. Esta informação inicial serve de âncora para investidores calcularem se a ação está barata ou não. Outros, decidindo se mantêm ou vendem determinado ativo, vão ter como referência o preço que foi pago, não o desempenho atual. Mais uma âncora.
Se papéis de empresas que passaram por transformações como a compra de um concorrente ou a vitória numa licitação pública passam a subir forte, parte dos compradores olhará menos para a mudança nos fundamentos e mais para a subida dos preços. A tendência é desconfiar que a ação está cara apenas porque o preço subiu. E sempre haverá aqueles investidores que não resistem a uma ação caindo se antes esteve em alta.
Escapar do efeito de ancoragem envolve, antes de tudo, saber que nossas expectativas de preços se baseiam em dados muitas vezes duvidosos. Para comprar ou vender, vale a pena buscar o maior número de informações possível. E também lembrar que as outras pessoas estão decidindo com critérios muitas vezes enviesados, o que muitas vezes pode abrir oportunidades de compra – no caso de papéis subestimados pelo mercado.
Não livra ninguém dos erros, mas pelo menos reduz o risco das escolhas, deixando a ancoragem de fora.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
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