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Efeito-cobra: quando os incentivos dão errado na economia
Por que políticas bem intencionadas podem levar ao contrário do que se desejava?
Existe uma história na Índia dos tempos de colônia britânica conhecida como o maior exemplo de incentivo perverso. A cidade de Nova Délhi sofria uma invasão de serpentes. Atacavam a população e tomavam conta das ruas. Para combatê-las, o governo resolveu criar uma recompensa.
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Quem aparecesse com uma cobra morta, ganharia um prêmio em dinheiro. Numa cidade onde a população vivia em extrema pobreza, surgiram vários caçadores de cobras. Não demorou e os colonizadores tinham comprado milhares de serpentes mortas.
Efeito-cobra
- Objetivo: Menos cobras
- Incentivo: Compra de serpentes
- Resultado: Mais cobras
Mas mesmo não sendo mais vistas e que os ataques tivessem cessado, as cobras continuavam chegando à sede do governo. Até que alguém se deu conta: para receber a recompensa, as pessoas estavam criando cobras em casa. Os britânicos então suspenderam a recompensa, acabando com a malandragem. Os criadores, sem razão para ficar com elas, soltaram as cobras nas ruas, que ficaram mais infestadas do que antes.
Políticas bem intencionadas podem levar ao contrário do que se desejava, notou o economista alemão Horst Siebert, que batizou sua teoria de efeito-cobra. Mas poderia se chamar efeito-rato, já que ocorreu o mesmo no Vietnã envolvendo roedores. Das fábricas na antiga União Soviética (o produto piorava para garantir o incentivo) a ferrovias (trajetos mais longos se pagos por quilômetro), é um dos fenômenos mais bem documentados.
Imóveis
- Objetivo: Preço mais alto
- Incentivo: Comissão
- Resultado: Preço mais baixo
Seria atuante, por exemplo, no mercado de imóveis, no qual o corretor, para garantir logo a comissão, tende a apoiar ofertas mais baixas pelos imóveis. Os proprietários esperam o maior ganho ou até uma oferta melhor, por isso pagam uma comissão maior aos corretores se a venda for feita no preço desejado. Mas o incentivo, apesar da recompensa mais vantajosa, não ajuda a vender rápido como faz o preço menor.
Outro caso notório de efeito-cobra é a bolha imobiliária americana, em 2007. Para oferecer mais financiamento aos americanos mais pobres, as empresas patrocinadas pelo governo Fannie Mae e Freddie Mac se envolveram com hipotecas de alto risco. O governo também mudou a legislação que impedia bancos comerciais de atuarem também como bancos de investimento e vice-versa, o que tornou o sistema financeiro mais propenso ao risco.
Bolha do subprime
- Objetivo: Mais imóveis para os pobres
- Incentivo: Desregulamentação
- Resultado: Menos imóveis para os pobres
Combinados, os dois fatores incentivaram o crédito a pessoas com histórico ruim ou com mais chance de calote, o chamado subprime, que levou primeiro a uma bolha no mercado, com muito mais gente comprando mesmo sem poder pagar. E depois do estouro, à queda de preços dos imóveis. Os mais pobres foram especialmente prejudicados pela crise, perdendo suas casas, justo o contrário do que o incentivo inicial buscava promover.
A liquidez atual nos mercados financeiros seria mais um efeito-cobra. Pelo menos é o alerta de alguns críticos das grandes injeções de dinheiro público nas economias desde meados do ano passado. Programas como a troca de títulos de ativos do governo americano e da União Europeia estabilizaram as bolsas mundiais. Mas teriam levado a um excesso de dinheiro circulando nos mercados, inflacionando artificialmente os preços.
Pacotes de ajuda
- Objetivo: Estabilizar mercados
- Incentivo: Mais liquidez
- Resultado: ?
Como diz Charles Munger, vice de Warren Buffett e nome lendário das finanças, os governos não são bons em perceber as sutilezas da economia. Se os pacotes de ajuda não foram precisos, fornecendo mais liquidez do que era necessária para estabilizar os preços dos ativos, em algum ponto as consequências vão seguir a lógica do efeito-cobra e podem ser piores do que a crise que as medidas iniciais queriam combater.
Gastos para aliviar os efeitos econômicos da covid – US$ 15 trilhões no mundo todo na última conta – incentivariam a inflação, aumentando o risco de subida dos juros nos títulos públicos, temor que derruba as bolsas de duas em duas semanas. Vai acontecer? Ninguém tem bola de cristal para saber. Mas certo é que o efeito-cobra vai continuar na economia e em qualquer área afetada por políticas públicas. Claro, só quando dão errado.
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*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |