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Falta de modelo ESG na gestão pública perpetua tragédias em temporada de chuvas
Solução está no próprio mercado e nas universidades públicas e privadas que contam com profissionais especializados na implantação de modelos de gestão.
Petrópolis, cidade serrana do Estado do Rio de Janeiro, não teve tempo de se recuperar da tragédia climática de fevereiro. No dia 20 de março, um temporal quase tão forte quanto o do mês anterior despejou sobre o município cerca de 210 mm de água em apenas 2 horas e meia. Alagamentos e novos desabamentos foram registrados e o número de mortos só não se repetiu porque muitas áreas já estavam interditadas. Conhecida como cidade imperial, Petrópolis não é a única localidade do país a sofrer com esse tipo de tragédia.
Trata-se de um problema comum e recorrente, tanto lá e quanto em tantos outros municípios brasileiros. Em janeiro as chuvas causaram enchentes e deslizamentos de terras em diversos lugares da Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Cidades do Norte e do Centro-Oeste também passaram por isso. É um fenômeno tão comum em território nacional como a falta de planejamento. Ou é um projeto que ignora pessoas e meio-ambiente, resultando em tragédias que custam caro ao erário.
Por esta razão, se faz urgente a implantação no setor público de um modelo de gestão com base nos conceitos ESG. Com um modelo baseado em critérios socioambientais, possivelmente não veríamos tantas avenidas construídas às margens de nossos rios, famílias erguendo suas casas em várzeas urbanizadas sem pudor algum da administração pública e, principalmente, gente muito pobre morando em barracos instalados em áreas perigosas como alto de morros e margem de córregos.
A enchente citada no início deste texto é só um ponto entre tantos outros para mostrar as consequências da falta de planejamento. Uma gestão responsável, cujos projetos urbanísticos, sociais e ambientais tivessem aval técnico de especialistas e fossem implementados de forma responsável e respeitando a capacidade financeira de municípios, estados e da União, evitaria que estas tragédias fossem tão frequentes e destrutivas.
E os custos para as administrações públicas também seriam infinitamente menores. Ainda usando as enchentes como exemplo. Na região metropolitana de São Paulo, governo e prefeituras gastam altas somas de seus recursos construindo piscinões na tentativa de reduzir as constantes inundações. O gasto não se limita à obra em si.
Antes, é preciso fazer um projeto e desapropriar áreas privadas, terrenos ou residências. Procedimentos que custam caro e demoram para serem concluídos. Em certas situações as desapropriações se transformam em precatórios que demoram a ser pagos, prejudicando o cidadão ou a empresa que sofreu a desapropriação, além de custos extras com possíveis processos e cobrança de juros sobre o valor devido. Para se ter ideia, somente o município de São Paulo reservou em seu orçamento de 2021 o montante de R$ 922 milhões para ações contra enchentes. E mesmo com o valor reservado, apenas R$ 538 milhões foram realmente gastos.
É possível que tais problemas não existissem se, antes de drenar aquela várzea que acompanha o córrego ou rio, o poder público se preocupasse em fazer um estudo de impacto ambiental para avaliar as reais consequências para pessoas e empresas que ali fossem se instalar, para o meio ambiente e para o caixa da própria administração municipal. Quando se fala em governança corporativa e práticas ESG, devemos ter em mente que não estamos nos referindo apenas ao setor privado. Essa preocupação deveria ser uma responsabilidade também do setor público. Aliás, principalmente dele, pois até a fiscalização das ações empresariais cabe ao Estado.
Quando existe preocupação com o meio ambiente, com o social e com a governança, os projetos são feitos para o bem de todas as partes envolvidas e para evitar custos futuros, como é o caso dos piscinões. Dinheiro que poderia ser usado para aprimorar a saúde, a educação e a segurança, mas que é alocado para a abertura de buracos que farão o mesmo serviço que a várzea fazia antes do local ser criminosamente urbanizado. A maior parte dos problemas fiscais que afligem o poder público brasileiro resulta dessa má gestão. De achar que basta construir um conjunto habitacional sem se ater ao local onde ele está sendo implantado ou de abrir uma grande avenida ignorando que é justamente ali que se acumularão as águas que transbordarão dos rios.
Como mudar esse modo arcaico de gestão pública?
Nem todos os gestores municipais, eleitos pelo voto da população, são conhecedores dessas boas práticas. Talvez a maioria absoluta, principalmente nos municípios localizados nos mais distantes rincões, não tenha nem ideia de como implantar um modelo de gestão profissional. O que fazer? A solução está no próprio mercado e nas universidades públicas e privadas que contam com profissionais especializados na implantação de modelos de gestão. A Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP), é um exemplo de instituição que, junto com parceiros do setor privado, está disponibilizando esse tipo de solução às prefeituras.
O Conselho Federal de Administração (CFA) também deu sua contribuição ao criar o índice de Governança Municipal (IGM), com o intuito de auxiliar gestores públicos a entender, através de dados consolidados, quais seriam as possíveis oportunidades de melhorias em seus municípios. O IGM considera áreas como saúde, educação, saneamento e meio ambiente, segurança pública, gestão fiscal, transparência, recursos humanos, planejamento, entre outras, e separa os municípios em categorias conforme a população e renda per capta.
A união de agentes públicos e privados especializados para a construção de uma agenda de fomento às melhores práticas de governança nos moldes ESG e também para a capacitação da alta gestão municipal é o melhor caminho para eliminarmos o amadorismo vigente em grande parte das cidades brasileiras. Além do que, é um conhecimento a mais que o gestor terá para toda sua vida, inclusive para usar caso concorra a outros cargos públicos. Educar nossos gestores não é um trabalho simples nem rápido, mas é preciso que comece o quanto antes. As gerações futuras serão beneficiadas e vão agradecer por isso.
*Marcos Rodrigues é sócio da BR Rating e da MRD Consulting. C-Level e membro de Conselhos nas áreas de tecnologia, serviços, indústria, saúde, varejo, educação e transporte no Brasil e exterior. |
As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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