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Homem x máquina: quem vai melhor nos investimentos?
Apesar de todas as imperfeições, o cérebro humano ainda é imbatível ao tomar decisões em meio à incerteza.
Há algumas décadas, desde as célebres partidas em que um computador, o Deep Blue, derrotou o campeão mundial Garry Kasparov, a inteligência artificial supera os humanos em uma área que antes parecia inatingível: jogar xadrez. O mesmo ocorre em outras atividades, mas uma seguiu intocada: fazer investimentos.
Não há razões muito claras. Ainda que algoritmos simples sejam comuns no mercado e que alguns fundos de investimento no exterior anunciem que usam machine learning, no qual a máquina aprende através da análise de dados, a imensa maioria da indústria do investimento continua dependendo essencialmente da decisão humana.
Não impede que, nos departamentos das faculdades, em um ritmo quase alucinante, pesquisas acadêmicas divulguem que, com bastante precisão, algoritmos têm sido capazes de acertar previsões sobre o comportamento de determinados ativos. Aplicados ao mundo real, poderiam, pelo menos em teoria, elevar o sucesso das estratégias de investimento dos investidores. No entanto, não é o que acontece.
Seria devido a resistências culturais entre os gestores, que não abririam mão de seu papel mesmo ao custo de uma rentabilidade menor nos investimentos ou a fatores práticos do mercado? Um estudo de três pesquisadores, Barbara Jacquelyn Sahakian, Fabio Cuzzolin e Wojtek Buczynski, publicado recentemente no International Journal of Data Science and Analytics, decidiu tirar a prova.
Eles analisaram 27 estudos, todos já revisados pelos seus pares e publicados entre o ano 2000 e 2018, com diferentes tipos de previsões para o mercado financeiro obtidas através de machine learning. A ideia era entender se os retornos seriam os mesmos caso aplicados em situações reais.
Uma primeira observação foi de que a maioria dos experimentos executou ao mesmo tempo diferentes versões (em casos extremos, centenas delas) do mesmo modelo. Os autores divulgaram os resultados em que o algoritmo mais acertou como se fossem os únicos, mas não, muito mais frequente, quando errou. O que inviabiliza que sejam aplicados na bolsa de valores ou outro mercado, onde não há múltiplas possibilidades, é perder ou ganhar.
Mas o pior é que o sucesso nem sempre compensa as perdas. Se o lucro obtido pela inteligência artificial era de 20%, mas também ocorria uma perda de 40% em outro experimento, apresentar apenas o resultado positivo escondia o verdadeiro retorno obtido. Além disso, ocultava o risco que um gestor ou investidor correria se resolvesse aplicar o algoritmo desconhecendo o que havia ocorrido em laboratório.
E mesmo que a média de acerto dos algoritmos em geral fosse impressionante (de 95%), os erros levaram a alguns resultados catastróficos, com quedas muito maiores do que os ganhos. Outra reclamação dos cientistas é de que não há transparência nos dados sobre como a inteligência artificial funciona. No mundo real, não são muitas as gestoras dispostas a adotar algoritmos que não sabem como operam.
E, por último, quase nunca são levados em conta os custos da transação, que, embora venham caindo nos últimos anos no mundo todo, não são zerados e podem fazer diferença para um lucro ou uma perda.
Mas será que humanos vão melhor? Nossos vieses de comportamento e hábitos, além de sermos mais suscetíveis do que máquinas a emoções como medo e euforia, não nos fariam errar mais? É o que o grupo verifica na segunda parte do estudo, comparando os retornos de fundos administrados por inteligência artificial e o S&P 500 e o FTSE 100, da bolsa de Londres. Mesmo sem citarem percentuais, os autores apontam que quase sempre o desempenho foi pior.
Apesar de todas as imperfeições, o cérebro humano ainda é imbatível ao tomar decisões em meio à incerteza. No futuro, pode ser que as máquinas se tornem melhores. Mas por enquanto a melhor estratégia não é optar entre inteligência artificial e investidores de carne e osso, mas uma combinação dos dois. E se tiver que optar por um, os humanos ainda estão em vantagem.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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