Colunistas
Investidores vão cobrar mais performance e menos crescimento das startups
Dinâmica de investimento em empresas mudou na esteira do cenário global adverso.
*ARTIGO
O recente revés nos fluxos de investimentos direcionados a equities, e também a startups, sinaliza que os investidores mudaram seus custos de oportunidade e mesmo métricas de avaliação. Eles tendem a cobrar cada vez mais performance e resultados, ao invés do crescimento, quase a qualquer custo, até então priorizado neste segmento. Essa dinâmica mais seletiva deverá impactar cada vez mais no desafio de captação de recursos para investimentos por parte das startups.
Se focarmos apenas nos acontecimentos mais recentes, a sensação é de que, após subir ao topo da montanha, as empresas emergentes agora enfrentarão momentos muito mais duros. Os unicórnios têm aplicado duras correções de rumo, com reduções expressivas de custos, incluindo demissões em massa. Muitas startups também reveem seus planos de negócios, adotando perspectivas de crescimento mais moderado.
Para dar números à reflexão, basta observar que o fluxo de recursos financeiros destinados por Venture Capitals (VCs) para o desenvolvimento de startups havia crescido 19 vezes de 2016 até 2021, um desempenho extremamente positivo. Somente em 2021, foi registrado um fluxo de investimentos igual à soma de todos os anos anteriores juntos, segundo o Brazil Digital Report, da consultoria McKinsey.
Ajuste de rota
Mas justamente quando a euforia alcançava patamares recordes vieram os eventos de 2022: cenário geopolítico agravado com a guerra na Ucrânia, resistência da pandemia, principalmente afetando exportações chinesas, inflação crescente/resistente, equilíbrio fiscal futuro comprometido por medidas de subsídios nos combustíveis, suportes sociais duradouros (Auxílio Brasil) e a classes especificas (caminhoneiros), combatidos com juros básicos em elevação contínua.
A taxa básica de juros (Selic) saiu de 2% para 13,25% ao ano no Brasil e permanece em tendência de alta. Nos EUA, o Federal Reserve (Fed), decidiu elevar a taxa de juros norte-americana em 0,75 ponto percentual para o intervalo entre 1,50% e 1,75% ao ano, o maior aumento desde 1994 e a contenção inflacionária exigirá aumentos ainda mais expressivos por lá.
Quem viveu momentos de juros americanos de 10 anos ao redor de 4% ao ano sabe o que isso representa em termos de impacto no fluxo de capitais para países emergentes. Todo este cenário leva a uma perspectiva de crescimento menor para o PIB futuro, e uma recessão não é improvável, nos EUA assim como no Brasil.
Vivenciamos importante revisão do mercado de capitais, decorrente do novo ciclo de atratividade da renda fixa, mas também da performance/lucro das empresas de tecnologia e novos setores que realizaram IPOs recentes, com impacto expressivo no preço das ações em bolsa e nos múltiplos praticados.
Queda nos investimentos
E os efeitos colaterais combinados se refletem em startups, conforme recente estudo do hub de inovação Distrito. A pesquisa revelou uma queda de 60% nos investimentos feitos por VCs em startups no Brasil em maio na comparação com o mesmo mês de 2021.
Quando observado o volume acumulado nos primeiros cinco meses, a queda foi de US$ 3,2 bilhões em 2021 para US$ 2,6 bilhões em 2022. Esses números foram alcançados com a realização de 350 rodadas de investimentos no ano passado, enquanto este ano aconteceram apenas 282.
Considerando a improvável mudança rápida da situação macroeconômica tanto nacional quanto global, é fato que, embora não seja motivo para desespero, as informações de 2022 indicam a necessidade de, no mínimo, um aperfeiçoamento das estratégias. Afinal, se o ambiente econômico não vai mudar, pressupõe-se que o comportamento dos VCs não deve se alterar em relação ao menor apetite por startups demonstrado neste primeiro semestre.
Há recursos relevantes disponíveis, mas as métricas de avaliação devem sugerir mais cautela, maior pulverização, implicando em tickets médios menores, atenção a startups que demandem menor cash burning, que sejam mais resilientes a cenários adversos, e certamente deverão olhar com muita atenção os impactos da inadimplência e da necessidade de capital para financiamento das fintechs.
E, na lateralidade e flexibilidade que deveriam ser sempre observados na disciplina de gestão de negócios, observamos a necessidade de as startups olharem cada vez mais as alternativas de financiamento, dando mais atenção a outros bolsos.
Vemos muitas startups que se dedicam exclusivamente aos VCs em suas agendas de captação, sem buscarem o olhar para empresas estruturadas nas quais essas startups poderiam ser importantes na solução de uma dor ou captura de oportunidade, e nessa esteira, fundos de long only podem ser um importante ponto de conexão.
Empresas mais maduras (as incumbentes) estão em busca de inovação, oportunidades para crescerem e aperfeiçoarem seus negócios, ao mesmo tempo que possuem a experiência da travessia de momentos mais críticos. E alguns atributos ganham força nas crises, e aqui não deveriam ser desprezados: resiliência, humildade, sinergia e, com destaque, complementariedade.
*Artigo avulso publicado com exclusividade pelo InvestNews.
*Claudio Brandão Silveira é sócio fundador da BeeCap. Economista formado na UFJF, possui especialização em Engenharia Econômica (Machado Sobrinho/FGV), MBA em Administração (Cândido Mendes) e MBA em Energia (Ibmec). Possui carreira de mais de três décadas na Energisa, onde foi responsável pelas áreas de tesouraria, planejamento financeiro, controladoria, mercado de capitais e M&A.
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