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Natura: calibrando as perspectivas sobre a transformação da holding

Em 5 anos, Natura abriu novos canais de vendas e acelerou expansão internacional. Entenda como a companhia pode calibrar a velocidade dessa transformação e simplificar modelo de negócio.

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Existe uma frase atribuída ao Steve Jobs que diz que a simplicidade gera clareza. A estratégia das empresas, no entanto, parece ficar cada vez mais complexa.

No caso da Natura (NTCO3), há uma intensa aceleração da transformação das suas estratégias. Em apenas cinco anos, a empresa abriu novos canais de vendas, incluindo e-commerce, mobile apps e lojas físicas, enquanto acelerava sua expansão internacional com a aquisição da marca australiana Aesop, em 2013, seguida pela The Body Shop, da L’Oréal, por 1 bilhão de euros, em 2017, e da Avon por 2 bilhões de dólares, em 2019.

Todas essas ações resultaram no lançamento de uma nova marca corporativa chamada Natura &Co, marcando a criação de um grupo de cosméticos global, multicanal e multimarcas.

Entre 2014 e 2018, a Natura teve resultados abaixo do esperado em função dos desafios da transição multicanal e do início de seu processo de transformação digital. Mais tarde, em 2019, os seus negócios voltaram a crescer porque a empresa alinhou com sucesso os novos canais digitais com sua operação porta a porta (vendas diretas).

No Brasil, a Natura conquistou novamente a liderança de mercado em cosméticos, fragrâncias e produtos de higiene pessoal, com o valor de sua participação de mercado passando de cerca de 10%, em 2016, para 12% no início de 2019. O preço das suas ações cresceu mais de 150% entre 2014 e de 2020, provando ao mercado sua capacidade de executar a transformação. Além disso, enquanto implementava várias inovações para o consumidor, estava atenta às suas consultoras.

Em 2020, por exemplo, sua gestão entendeu que era hora de apoiar a inclusão financeira das consultoras, fornecendo uma plataforma digital de serviços financeiros chamada &Co Pay, que oferece soluções personalizadas para as necessidades e perfis específicos na sua rede, com mais de 1 milhão de consultoras.

Executivos da Natura também esperavam que isso aumentasse a lealdade, o engajamento e a produtividade das consultoras. Segundo comunicado da empresa, “o &Co Pay permitiria à Natura &Co atender às principais necessidades de negócios das consultoras de beleza e trazer grande capacidade de inclusão financeira e digital dessa base, na qual 40% das consultoras não possuíam conta bancária.”

Na minha experiência, é importante observar que esse tipo de projeto pode ser um elemento central para o processo de transformação digital da empresa, incluindo a criação de seu ecossistema digital.

Por falar em ecossistema digital, por volta de 2020, a marca revelou publicamente sua intenção de ir além dos produtos para criar um ecossistema que também inclui canais e serviços, o que resultaria em um mercado endereçável que só na América Latina é seis vezes maior que a venda direta.

Além da plataforma própria de serviços financeiros, a Natura adquiriu o aplicativo brasileiro Singu para oferecer um marketplace a fim de conectar clientes com profissionais da indústria da beleza que oferecem serviços de manicure, pedicure, depilação, entre outros, marcando a ideia de caminhar com negócios em tecnologia e serviços, muito além da fabricação e venda de produtos de beleza.

Isso é algo que fabricantes como a Ambev também vêm tentando fazer, com iniciativas como o Zé Delivery. Aliás, em uma transformação rumo ao desenvolvimento do ecossistema digital, é natural a estratégia da empresa transitar entre negócios que ela irá comprar para outros em que irá promover parcerias ou desenvolver a solução própria. Empresas como Magazine Luiza, Centauro, Americanas e Arezzo também têm usado essas alavancas.

Simplificando os movimentos da Natura 

De maneira generalizada, as empresas que estão em transição de negócios estabelecidos para negócios digitais precisam perceber que os investimentos podem fazer com que sua lucratividade caia em território negativo, a exemplo do prejuízo líquido de R$ 766 milhões anunciado pela Natura no segundo trimestre de 2022.

Isso ocorre porque, durante a transição de um negócio 100% tradicional, como era a Natura quando operava somente com as vendas diretas porta a porta, para um negócio predominantemente digital, você está operando dois negócios ainda ineficientes com dois conjuntos de estruturas de custos ao mesmo tempo.

As organizações que fazem este tipo de transição costumam passar por momentos sensíveis e precisam controlar a narrativa com os stakeholders. 

Como exemplo, na transição de vários anos do The New York Times de um jornal apenas físico para um jornal predominantemente digital, seu CEO, Mark Thompson, teve que investir em novos ativos digitais, como servidores, softwares e repórteres experientes em mídia social, enquanto também capacitava as equipes do negócio tradicional físico. 

No entanto, assim como ele, nenhum gestor consegue apertar um botão mágico e instantaneamente se desfazer ou transacionar os ativos tradicionais e as raízes do negócio. As empresas acabam por ter que desenvolver novas competências e atender uma variação muito grande no perfil de clientes. Isso se acentua no caso da Natura, uma vez que precisa atender a mercados heterogêneos e equilibrar interesses dos consumidores e das consultoras de vendas.

Então, o que fazer? Empresas neste estágio precisam continuar atendendo muito bem aos clientes tradicionais, enquanto os novos clientes digitais levam tempo para entrar e serem rentáveis. Se a velocidade de transição é bem gerenciada, os gestores conseguirão manter e converter os clientes “antigos”, ao mesmo tempo em que adquirem os “novos” clientes digitais.

Por outro lado, se for muito devagar, ficará no território da perda por muito tempo e esse é um risco. Mas vá rápido demais e, quando você sair da transição, pode perder clientes para os concorrentes e sua empresa se tornar menor do que era originalmente.

Além disso, engajar seus stakeholders, compostos por colaboradores, investidores, fornecedores e canais de vendas em uma cultura digital não é tarefa fácil, mas é necessária diante das mudanças nos comportamentos dos consumidores e crescente adoção de tecnologias.

Os 3 pontos que devem estar no radar dos investidores:

1. A Natura conseguirá executar uma estrutura mais leve e filtrar precisamente as oportunidades de negócio para ter foco na gestão?

2. A velocidade de transição na transformação da Natura está bem calibrada para o curto e longo prazo? 

3. A empresa vai equilibrar os negócios em diferentes mercados e marcas, gerenciando as expectativas de vários stakeholders, incluindo investidores?

A Natura tem a oportunidade de acelerar e simplificar sua transição, mas, para isso, precisa criar regras que tornem as decisões mais restritivas. A empresa deverá ter mais foco e, ao mesmo tempo, otimizar a narrativa com seus stakeholders.

De acordo com o novo CEO do grupo Natura &Co, Fabio Barbosa, na divulgação do relatório de investidores do segundo trimestre de 2022, “os resultados do segundo trimestre de Natura &Co refletem o ambiente difícil em que estamos operando, marcado pela inflação alta que vem pressionando os gastos dos consumidores, interrupções na cadeia de suprimentos e a contínua incerteza macroeconômica e geopolítica. Mas os resultados também refletem questões estruturais de nosso grupo, as quais identificamos claramente e já começamos a endereçar.”

A empresa parece ter sobriedade do seu momento, inclusive, divulgou que as margens permanecerão pressionadas no curto prazo. Isso mostra transparência na narrativa e pode ajudar a equilibrar expectativas enquanto gerencia a velocidade das transformações e integrações no seu negócio.

A Natura tem uma imensa amplitude de atuação que foi adicionada ao seu portfólio de produtos e serviços, e isso tem seu lado positivo. Contudo, a empresa também tende a encontrar uma complexidade de atuação. Por isso, é preciso selecionar cuidadosamente as oportunidades que receberão recursos de tempo e dinheiro.

Esse desafio está acentuado e pode ter consequências no destrave de valor no curto prazo, mas isso não deve ofuscar o grande potencial de ousadia que a Natura tem mostrado no processo de transformação e que pode gerar resultados extraordinários no futuro. Isso seria um grande motivo de orgulho por se tratar de uma empresa brasileira.

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