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Por que a Cielo vale menos se é líder de mercado?

Estima-se que em 2021, as empresas do setor de meio de pagamentos perderam mais de 160 bilhões de reais em valor de mercado. Entenda as mudanças no setor de adquirência e o que ameaça os negócios da Cielo, Stone, PagSeguro e Getnet.

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A Cielo (CIEL3) apoiou a base do seu negócio confiando em regulações do mercado e no seu domínio tecnológico em meios de pagamento. Mas isso não foi suficiente para proteger a empresa de concorrentes como Stone e Pagseguro (PAGS34), hoje também de capital aberto, que entraram no mercado de adquirência e roubaram uma grande fatia que antes pertencia à Cielo e Redecard.

A raiz desse problema pode estar no fato de que não somente as tecnologias são importantes para os negócios. O elemento crítico para causar uma disrupção no mercado, na verdade, é a dinâmica do cliente.

Basta observar a redução da concentração na participação dos grandes bancos tradicionais no Brasil que, a propósito, têm muita tecnologia. Mas havia segmentos de clientes insatisfeitos com os bancos tradicionais, então, fintechs como o Nubank, viram a oportunidade, surgiram e cresceram rapidamente.

No setor, a satisfação dos clientes é medida com o NPS (Net Promoter Score).

Segundo análise do BTG Pactual, a partir de um levantamento feito pela SoluCX com mais de 8 mil usuários de sete bancos e fintechs, foi constatado que o Nubank (NUBR33) se saiu melhor, com 69,4% de NDP. O Itaú (ITUB4) ficou com 34,8% e o Banco do Brasil com apenas 13,2%.

E qual é a relação de tudo isso com a análise da Cielo?

Primeiro, o mercado apontava que por volta de 2013 as empresas tradicionais, como Cielo e Redecard, tinham um número considerável de clientes insatisfeitos. A Pagseguro e Stone foram hábeis ao identificar que a insatisfação era expressiva na carteira de clientes da Cielo, composta por empresas de pequeno e médio porte do setor de consumo e varejo. E então, elas focaram no nicho de pequenos e médios negócios.

Outro ponto é que, até então, não havia nenhuma tecnologia tão inovadora aplicada pela Stone e Pagseguro que a Cielo não poderia ter aplicado para melhorar a satisfação desses clientes, afinal, era uma ‘maquininha’ conectada.

Por fim, é importante ressaltar como a Cielo foi disruptada pelo próprio cliente, algo que pode ser observado na perda rápida e acentuada de participação de mercado, ou market share, seguindo o conceito apresentado no livro Unlocking the Customer Value Chain, do autor Thales Teixeira, ex professor associado na Harvard Business School.

Até 2010, a Cielo tinha exclusividade com a bandeira Visa, depois, várias barreiras regulatórias foram quebradas, abrindo espaço para concorrentes. Em 2016, a Cielo tinha cerca de 55% de participação de mercado. Pouco tempo depois, em 2020, houve uma queda acentuada e ela chegou a 37% de participação. Em 2021, houve momentos que a participação chegou a cerca de 27%.

Além de perder espaço para a Stone e Pagseguro, ela também sofreu com o crescimento da Getnet que, a partir de uma cisão do Grupo Santander, abriu capital em 2021. O mercado espera que a empresa ganhe maior flexibilidade para implementar sua estratégia de crescimento, mas a Getnet ainda está amarrada com os interesses do seu acionista controlador, o Grupo Santander.

A Cielo também é controlada por dois bancos tradicionais, o Banco do Brasil (BBAS3) e o Bradesco (BBDC4), e de certa forma tem algumas amarras também para executar estratégias de diversificação. Nesse cenário turbulento, a Cielo tenta reverter a causa raíz do seu problema focando em suas competências centrais para estar mais orientada às necessidades e desejos dos seus clientes. Ela tenta recuperar espaço no segmento de pequenas e médias empresas, reduzir custos e alavancar novas frentes de negócio. Ainda assim, parece um pouco lenta diante da rapidez principalmente da Pagseguro e Stone.

Em comum, todas essas empresas enfrentam ameaças ao negócio de adquirência vindas pela desintermediação bancária com o crescimento do Pix com pagamento instantâneo, que pode ser feito fora da ‘maquininha’, não gerando a receita de um percentual da transação para as empresas de adquirência.

Para complicar, o aumento de juros gera pressão de custo, por exemplo, na antecipação de recebíveis, e as margens tendem a ficar apertadas à medida que precisam também investir em retenção e gastos crescentes para adquirir clientes.

Essas pressões fazem com que a Pagseguro e Stone tenham que reinventar o negócio e irem além do negócio tradicional de “maquininhas de cartão”. A Pagseguro, por exemplo, lançou um aparelho que combina adquirência, banco via seu negócio do Pagbank e smartphone em um único dispositivo, para conveniência dos seus lojistas.

A Stone adquiriu a Linx, líder no mercado de software de gestão para o varejo, e passou a oferecer diversas soluções em múltiplas verticais para seus clientes varejistas.

Enquanto isso, a Cielo tem mostrado trimestre a trimestre o potencial de recuperar seus resultados. Mas, aparentemente, essas estratégias não serão suficientes para reverter sua posição competitiva e recuperar sua dominância, ou ainda para se defender das ameaças que o futuro do setor de adquirência reserva.

Portanto, ter resultados satisfatórios, apenas, não vai ser suficiente para mostrar ao mercado que a empresa está atacando a causa-raiz dos problemas e buscando aumentar satisfação de clientes, nem que está se preparando para a necessária diversificação de negócios nas empresas de adquirência.

Será um ataque de dois lados: na participação da Cielo e no potencial de volume total de pagamentos. Não à toa, em 2021, as empresas do setor perderam mais de 160 bilhões de reais em valor de mercado.

É preocupante ver empresas que perderam muita participação de mercado em pouco tempo. Exemplos não faltam: a Nokia que dominava o mercado de celular, a Sony que dominava o mercado de músicas portáteis com o walkman e o de TVs, mas perdeu share para Apple e Samsung e assim por diante.

Por isso é preciso muita atenção para quem investe em empresas do setor de meios de pagamentos. Enquanto a Cielo se esforça para preservar o lucro, talvez o mercado queira ver avanços mais rápidos de retomada do crescimento em share, satisfação de clientes e estratégias de defesa e inovação diante das ameaças ao tradicional modelo de adquirência no setor de meios de pagamentos.

Leandro Guissoni é Ph.D., professor de estratégia no Brasil e Estados Unidos, empresário, palestrante e autor de livros, artigos e casos de empresas por Harvard. Assessora grandes empresas em inovação digital e analytics. 

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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