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Por que as montadoras criam modelos baseados em produtos que já existem?
Cortes de custos e vontade de lucrar fazem marcas como Fiat e VW abusarem de estratégia que cria lançamentos com cara nova e base conhecida.
Quem tem mais de 30 anos provavelmente vai lembrar do “Senhor Cabeça de Batata”. O simpático boneco era quase uma tela em branco, na qual a criança podia encaixar olhos, nariz, orelhas e boca para formar um novo amigo.
Na indústria automotiva é quase assim: alguns projetos nascem da base de outros já existentes, especialmente em países como o Brasil. Existem vários motivos para tal decisão, mas a necessidade de lançar novos produtos com um orçamento nem sempre tão generoso justifica a maioria dos casos. E existe, claro, a vontade de lucrar mais.
De toda maneira, foi assim que alguns projetos recentes surgiram em nosso mercado. Veja o caso do Fiat Pulse, cujo lançamento aconteceu na última terça-feira (19).
Apesar de ser definido como um produto inédito, o modelo preserva alguns elementos do Argo. Dele vieram algumas peças, como as portas e elementos da cabine. Mesmo assim, a Fiat fez um bom trabalho no design, que tem personalidade própria. Frente e traseira são exclusivos, assim como alguns elementos importantes da cabine, como volante e saídas de ar-condicionado.
O primeiro SUV compacto da Fiat tem outras qualidades fora o design atraente. Uma das principais é o motor 1.0 turbo de três cilindros em linha, que faz sua estreia no carro em grande estilo. Com 130 cv quando abastecido com etanol, ele é o 1.0 turbinado mais potente do país.
Some tudo isso à acertada estratégia de preços no lançamento (o Pulse tem três versões e parte de R$ 79.990) e você estará diante de um futuro sucesso de vendas.
Strada e Nivus apostaram na fórmula e deram certo
Separei outros dois exemplos bem sucedidos de “parentesco oculto”. Um dos casos mais recentes (e bem sucedidos) é o da nova Fiat Strada.
De uma plataforma híbrida com elementos do subcompacto Mobi e do furgão Fiorino, a Stellantis desenvolveu um novo veículo. E ela não podia se dar ao luxo de errar a mão: afinal de contas, estamos falando de um dos maiores sucessos de vendas da marca italiana nas últimas duas décadas.
Olhares mais atentos vão notar alguns traços deste parentesco. Por fora, o para-brisa, as colunas “A” e as portas dianteiras são herdados do pequenino Mobi. Do lado de dentro, o quadro de instrumentos veio do Uno, enquanto os comandos do ar-condicionado são adotados em vários modelos da Fiat.
Mas, no geral, o resultado ficou muito satisfatório. O estilo moderno nitidamente inspirado na Toro e outras virtudes, como o bom motor 1.3 Firefly e a capacidade de carga acima dos 700 kg em algumas versões, fizeram com que a Strada mantivesse a soberania.
Outro caso de sucesso é o Volkswagen Nivus. Partindo do hatch Polo, a equipe de designers da marca alemã desenvolveu um produto bem distinto de sua base.
As diferenças são tão difíceis de serem notadas que o próprio chefe de design da VW, José Carlos Pavone, revelou que os alemães não perceberam quais peças tinham sido herdadas do Polo. Se você também não matou a charada, saiba que as portas dianteiras e o teto são os mesmos do compacto. O restante das chapas externas são exclusivas do Nivus.
Assim como na Strada, o resultado final parece ter agradado. O Nivus vende bem no Brasil, foi bastante elogiado pela imprensa especializada (inclusive no exterior) e conseguiu a façanha de ser aprovado para venda no exigente mercado europeu, onde ele se chama Taigo. Apesar de algumas alterações no estilo e conteúdo, o SUV cupê se manteve com poucas modificações – algo raro quando pensamos em projetos feitos para cá.
Tática nem sempre funciona
Só que às vezes o tiro sai pela culatra. Em 2017, a Honda apresentou o WR-V, que representaria a marca japonesa em um subsegmento dos SUVs compactos – ou seja, abaixo de onde a própria Honda está presente com o HR-V.
A ideia de aproveitar a base do Fit, um produto consagrado no Brasil, parecia boa. O problema é que a fabricante fez poucas alterações no design do novo modelo. Resultado: o WR-V foi duramente criticado pela falta de personalidade e nunca repetiu o sucesso do ‘irmão’ Fit. A marca corrigiu alguns deslizes na atualização feita em 2020, mas a fórmula dificilmente será repetida se o modelo tiver uma nova geração.
Quem também se deu mal foi a Peugeot com o 207. Em vez de nacionalizar a nova geração do hatch, a marca resolveu atualizar o design do antigo 206, que já tinha quase 10 anos nas costas. O problema é que os designers combinaram a frente de traços marcantes do 207 francês com a traseira do antigo 206, resultando em um carro com estilo pouco harmônico.
O mercado não perdoou e o 207 sequer chegou perto das vendas do 206, até hoje o modelo mais vendido da história da Peugeot no Brasil. Pelo menos a marca aprendeu a lição e investiu para trazer as gerações posteriores de seu hatch 208 nos anos seguintes.
Vitor Matsubara é jornalista automotivo e editor do Primeira Marcha. Tem passagens por Quatro Rodas, de 2008 a 2018, e UOL Carros, de 2018 a 2020. |
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