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Vale a Leitura: ‘A Regra é não ter Regras: Netflix e a Cultura da Reinvenção’

As empresas digitais da economia criativa estão mais para uma banda de jazz do que para uma orquestra sinfônica.

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As empresas digitais da economia criativa, em que a inovação, agilidade, flexibilidade e adaptabilidade são a chave para o sucesso, estão mais para uma banda de jazz do que para uma orquestra sinfônica.

Porém, se sua empresa administra uma fábrica ou gerencia um ambiente de necessidade crítica de segurança ou ainda se quiser que o mesmo produto seja fabricado identicamente e com grande confiabilidade, então escreva sua partitura e administre como uma orquestra sinfônica .

Essa é a síntese do livro que acabo de ler e recomendo a todos que ainda não o leram: “A Regra é não ter Regras: A Netflix e a Cultura da Reinvenção” escrito por Reed Hastings, CEO e fundador da Netflix ao lado da professora da INSEAD Erin Meye, autora do best-seller de The Culture Map e uma das principais pensadoras do mundo dos negócios.

Confesso o entusiasmo e fascínio pelo que acabo de ler e me faz lembrar Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

A descoberta das pistas

O que move a Netflix é o conceito de que você faz parte de um time esportivo de alto rendimento, não de uma família. E para entender esse mantra inspirador convido a todos a leitura desse livro nos mínimos detalhes desvendando as pistas como um verdadeiro Sherlock Holmes.

Ao fazermos a descoberta “das pistas” nos deparamos com o código da inovação da Netflix baseado em três pedras fundamentais, segundo os autores: densidade de talentos; sinceridade; redução e até eliminação de controles.

1 – O que significa densidade de talentos

Para fortalecer a densidade de talentos em sua força de trabalho contrate funcionários excepcionais para cada função criativa ao invés de dez ou mais colaboradores medianos.

Densidade de talentos significa que as pessoas talentosas tornam-se umas às outras mais eficientes. Simples assim! Talentos atraem talentos.

Quando cada integrante da equipe é excelente, o desempenho aumenta na medida que os funcionários aprendem e se motivam uns aos outros. “Um bom desempenho contagia os outros”, assinalam Reed e Meye.

Um ponto a mais em relação à densidade de talentos seria fazer o melhor naquilo que você faz.  “Uma equipe esportiva profissional é uma boa metáfora para a alta densidade de talentos, porque os atletas exigem excelência acreditando que o responsável pela equipe garantirá que todas as posições estejam sempre preenchidas pela melhor pessoa. Treinam para vencer, esperando receber feedback sincero e contínuo do técnico e dos colegas sobre como melhorar seu jogo”, diz trechos do livro.

Os funcionários sabem que apenas esforço não é suficiente.Se tiverem um desempenho nota oito apesar de terem se esforçado por um dez receberão um agradecimento e serão respeitosamente substituídos por outro jogador.

Somos um time

Um outro código importante que o livro nos traz: a Netflix não é uma família. Uma quebra de paradigma. Não somos uma família, mas um time. Se pretendemos ser um time campeão, queremos o melhor desempenho possível em todas as posições. Um pensamento antiquado prega que o funcionário precisa fazer algo errado ou ser inadequado para perder o emprego.

No entanto, em um time profissional ou olímpico, os jogadores entendem que o papel do técnico é elevar o nível, se necessário, trocando o bom pelo ótimo. A cada partida, os jogadores jogam para permanecer no time. Para as pessoas que valorizam mais a segurança no emprego do que a vitória nos campeonatos, a  Netflix não é a escolha certa, e a empresa tenta ser clara e não fazer nenhum tipo de julgamento de valor quanto a isso.

Mas porque a Netflix não é uma família?  Simples assim : “não somos tolerantes e não aguentamos manias e rabugices, porque estamos comprometidos em apoiar um ao outro em longo prazo. Quando as pessoas se comportam mal não rendem ou não conseguem cumprir com suas responsabilidades. Damos um jeito. Desempenho razoável resulta numa generosa demissão”, afirma Reed Hastings.

2. Maximize e estimule a sinceridade

Diga o que realmente você pensa com o intuito construtivo. Uma empresa movida a feedback.O ciclo de feedback cultiva uma cultura de sinceridade. Na Netflix, deixar de falar quando você discorda de um colega é não ter um feedback que poderia ser útil. Significaria ser desleal com a empresa. “Afinal, você poderia ajudar os negócios mas está optando por não fazer isso”, lembra Reed Hastings.

Netflix promove não apenas um feedback sincero como também um feedback frequente. Em minha experiência apenas aumenta as chances de você ouvir algo que o magoará. A maioria das pessoas tem dificuldade de ouvir.

Funcionários talentosos têm muito a aprender uns com os outros. Mas os protocolos de etiqueta vigentes geralmente os impedem de fornecer o feedback necessário para elevar o desempenho para outro nível. Quando integrantes talentosos da equipe adotam o hábito de fornecer feedback todos melhoram no que fazem, enquanto se tornam implicitamente responsáveis uns pelos outros.

O poder de um ciclo de feedbacks é catalisador de melhorias contínuas. É estressante e desagradável ouvir o que estamos fazendo de errado. No entanto, após o estresse inicial, o feedback de fato ajuda. A maioria das pessoas entende intuitivamente que um simples ciclo de feedback pode ajudá-las a melhorar seu trabalho.

Primeira técnica que os gestores da Netflix utilizam para fazer com que seus funcionários lhes dêem um feedback sincero é incluir regularmente o feedback na programação das reuniões individuais com os funcionários. Não apenas peça o feedback, mas informe.

3 – Reduza os controles e amplie a liberdade

A densidade de talentos e sinceridade preparam a empresa para de fato eliminar os excessos de controles, lembra o fundador da Netflix. Se criar uma empresa composta por colaboradores de alto desempenho você poderá eliminar a maioria dos controles. Quanto maior for a concentração de talentos, maior será a liberdade que você poderá oferecer a todos.

Mais tarde, à medida que o talento se tornar mais denso e o feedback, mais frequente e sincero, você poderá eliminar os processos de aprovação de toda a empresa ensinando aos seus gestores princípios como “Lidere com contexto em vez de com controle” ou até estimulá-los ao usarem diretrizes como “não tente agradar ao chefe”.

Quando você começa a retirada dos controles cria-se uma cultura de “Liberdade com Responsabilidade”. Mas, se o funcionário optar por abusar da liberdade que você lhe concedeu, você precisa demiti-lo e de forma explícita para que os outros entendam as implicações. Sem isso, a liberdade não funciona. Defina os contextos e fique de olho nos gastos.

O grande desafio na Netflix é encontrar o equilíbrio entre o controle de processos e a liberdade criativa. Eis a questão! Quais os limites da liberdade numa empresa movida à  inovação e criatividade?

De uma maneira geral as empresas estão organizadas em torno do paradigma industrial, que herdamos das fábricas, onde as decisões são extremamente ‘top down’  ou seja, de cima para baixo, com controle dos processos.

A proposta sugerida por Hastings e Erin Meye é colocar as pessoas acima dos processos, priorizando a inovação ao invés da eficiência.Os autores defendem que, dessa maneira, criam-se contextos decisionais, em vez de controlá-los. Na Netflix, você não tenta agradar ao chefe. Quando Hastings e sua equipe definiram esses princípios pouco convencionais ninguém sabia quais seriam as consequências.

Mas um alerta também nos traz os autores: O que pode e o que não pode. “Não acho que a cultura da Netflix deveria ser aplicada em companhias em que a segurança é um fator crítico, por exemplo. Companhias aéreas, hospitais, e até indústrias, que estão produzindo milhões de carros ou de remédios, eu não acho que deveriam ser geridas por esses princípios de empresas movidas pela criatividade e inovação”, assinalam.

Em um ambiente industrial de produtos tangíveis você tenta eliminar a variação e a maioria das abordagens de gerenciamento foi projetada levando isso em conta para minimizar falhas e erros críticos. 

Quando uma empresa consegue produzir um milhão de doses de penicilina ou dez mil automóveis idênticos sem erros isso é de fato um sinal de excelência. Talvez por isso, durante a era industrial, muitas das melhores empresas operassem como orquestras, tendo como objetivos a sincronicidade, a precisão e a perfeita coordenação. Em vez de partituras e um maestro, processos e políticas orientavam o trabalho.

Até hoje, se você estiver administrando uma fábrica, gerenciando um ambiente de necessidade crítica de segurança ou se quiser que o mesmo produto seja fabricado identicamente e com grande confiabilidade, uma orquestra de regras e processos é o caminho a ser seguido.

Netflix também usa processos de controle

“Até mesmo na Netflix temos partes na empresa onde a segurança e a prevenção de erros são nossos principais objetivos e, nesses casos, cercamos toda uma área para construir uma pequena sinfonia de regras e processos perfeita. Tome como exemplos estas duas questões: segurança no trabalho e assédio sexual. Quando se trata de proteger nossos funcionários de ferimentos e assédio investimos em prevenção de erros e linhas diretas de denúncia.Instauramos processos pesados para garantir que todas as alegações sejam adequadamente investigadas.

Cada exemplo, um modelo

Você trabalha em um setor no qual a saúde ou a segurança de funcionários ou clientes depende de tudo dar certo? Nesse caso, escolha regras e processos. Se você cometer um erro, isso acabará em desastre? Escolha regras e processos. Você está trabalhando em um ambiente industrial no qual precisa fabricar produtos consistentemente idênticos? Escolha regras e processos.

Se você está no comando da emergência de um hospital, testando aviões, gerenciando uma mina de carvão ou entregando medicamentos manipulados para cidadãos na terceira idade, o caminho a seguir é o de regras com processos. Esse tem sido por séculos o melhor modelo de coordenação para a maioria das empresas e, para algumas, continuará a ser a melhor escolha nos próximos anos.

 “Contudo, para aqueles que trabalham com economia criativa, em que inovação, velocidade e flexibilidade são a chave para o sucesso, vale a pena considerar dispensar a orquestra e se concentrar em produzir um tipo diferente de música como uma banda de jazz”, concluem Reed e Meye.

*Aloísio Sotero é professor de Finanças para Economia Digital e cofundador da BAEX, Escola Internacional para Executivos.

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