Economia
4 gráficos que explicam a trajetória da economia brasileira
Como a condução da política econômica de cada presidente, desde a criação do Plano Real, levou ao ambiente de negócios como conhecemos hoje.
Alguns atribuem o funcionamento do mercado financeiro ao mero acaso. O fato é que, por trás do sucesso ou fracasso de uma economia e suas variáveis, há uma forte influência não só do contexto internacional, mas também do cenário político. Pensando nisso, o InvestNews preparou uma revisão da história da economia brasileira contada pelas lentes dos governos que conduziram o país.
MAIS: Saídas para a crise: a era do controle de gastos está perto do fim?
Analisamos indicadores econômicos, entrevistamos especialistas e montamos uma cronologia para explicar como o mundo dos investimentos foi constantemente tocado pela esfera de influência dos principais atores políticos e econômicos da nossa sociedade. Vamos lá?
Plano Real como ponto de partida
Por onde começar a contar essa história? Para colocar o enfoque mais próximo do leitor, vamos iniciar por um momento que marcou a vida dos brasileiros, quase que usual das análises econômicas: a criação do Plano Real, em 1994.
“Evidentemente, o Plano Real foi um importante marco neste processo, uma vez que propiciou a estabilidade de preços”, argumenta o professor Carlos Pinkusfeld Monteiro Bastos, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atuante no tema da política econômica.
Foi essa estabilidade, e um salto sem tamanho no desenvolvimento tecnológico, que propiciou o crescimento do mercado de capitais a passos largos em direção aos investidores pessoas físicas (leia abaixo sobre a trajetória da Bolsa brasileira), e também pavimentou o caminho para os indicadores da economia como conhecemos hoje. Vamos a eles, os fios condutores da nossa análise.
A história pelos indicadores
1 – INFLAÇÃO
Considerando que o Plano Real é o resultado de uma sucessão de outros planos desastrosos para conter a hiperinflação, os medidores da inflação, como o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), estão entre as principais referências da nossa economia. Eles servem, em suma, para mostrar a variação dos preços dos principais bens e serviços consumidos pelo brasileiro.
Em 1994, antes da implementação completa do real como moeda, a série histórica do IPCA mostrava que a inflação anualizada alcançou 916,46%. Para desespero da nossa equipe de arte, que precisou fazer um gráfico com uma variação de 894,05 pontos, o mesmo índice no ano seguinte, 1995, desacelerou para 22,41%. A partir daí, as variações não são tão abruptas, o que indica a relativa “estabilidade” à qual o professor Contento ao se referiu. Veja o gráfico:
2 – TAXA DE JUROS
O segundo indicador relevante da nossa economia é como se fosse um complemento ao IPCA, só que uma referência sobre o custo do próprio dinheiro: a taxa básica de juros, mais conhecida como taxa Selic. Ela tem sido, nas últimas décadas, um dos principais instrumentos da política monetária para controlar a inflação.
No gráfico, foram usados os valores definidos na última reunião de política monetária do Banco Central de cada ano. Entre 1994 e 1995, não há tanta variação. Esse índice chegou a ultrapassar o patamar de 40% ao ano no início do Plano Real, até nos aproximarmos da história recente, com crises no sistema financeiro e um imperativo de liquidez (injeção de recursos na economia), rsultado em níveis mais baixos de taxa de juros.
3 – TAXA DE CÂMBIO
Ainda que o Brasil nunca tenha tido uma economia dolarizada como a da Argentina, por exemplo, o par real/dólar tem um forte impacto no bolso do brasileiro, do preço do pãozinho na padaria até a receita das empresas que exportam seus produtos. A variação da moeda americana frente à brasileira impacta diretamente as importações e as multinacionais brasileiras que contraem dívidas em dólar. Por isso, a taxa de câmbio não pode ficar de fora da nossa análise. Veja o gráfico:
4 – IBOVESPA
A evolução do mercado financeiro no Brasil se confunde com a jornada da bolsa brasileira. O professor Giuliano Contento de Oliveira, chefe do Departamento de Política e História Econômica (DPHE) do Instituto de Economia da Unicamp (IE/Unicamp), lembra que ela é antiga. A história da bolsa de valores teve início com a criação da bolsa livre, em 1890, que abriu o caminho para o surgimento da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
De lá para cá houve uma série de combinações e consolidações entre bolsas no território nacional, que o Centro de Memória da B3 guarda para os curiosos. Em 2017, houve a fusão entrev a BM&FBovespa e a Cetip (Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos Privados), dando origem à B3 S.A.
Mas décadas atrás, o mercado de títulos e ações não era nada popular. Foram precisos mais de 20 anos desde a implementação do home broker (em 1999), a queda nas taxas de juros e uma pandemia sem precedentes para criar condições de uma verdadeira “liquidação” na B3, para que o investidor pessoa física finalmente aumentasse sua participação no volume negociado.
Dados da B3 mostram que a participação de pessoas físicas na bolsa brasileira subiu para 27,9% em julho deste ano, comparada ao percentual de investidores institucionais que ficou em 22%. O número total de investidores da B3 hoje é de 2,9 milhões, um aumento de 81%.
E assim chegamos ao Ibovespa, principal índice de referência da bolsa brasileira. “O Ibovespa, como todo índice, reflete uma média, mas uma média com ponderação pela participação relativa das ações no total negociado”, explica Pinkusfeld.
É como se existisse uma carteira hipotética, teórica, composta de acordo com alguns critérios: dentre eles, o volume de negociações do ativo e seu preço. Sem movimentação, sem participação nesse volume, ou sem preço significativo, dizemos então que determinado ativo não tem peso sobre o Ibovespa.
Os pontos desse índice, então, podem ser interpretados como o valor em reais dessa carteira. Um ponto cheio equivale a R$ 1. A pontuação também leva em conta as expectativas do mercado com a economia, fator que vai ser discutido mais à frente quando relacionarmos economia e política.
A economia pela ótica dos governos
Governo Itamar Franco
Vice do renunciado Fernando Collor, Itamar Franco entrou na presidência no final de 1992, depois do, até então, primeiro processo de impeachment aberto em um país latino-americano. As divergências com a política econômica de Collor foram se somando, e quando empossado, Itamar partiu em direção a uma posição mais consensual. Pesou (e ainda pesa) na memória dos brasileiros o confisco da poupança durante o governo Collor, como tentativa de controlar a hiperinflação do período.
Mas foi só em 1994 que tudo se estabilizou, com a instituição da Unidade Real de Valor (URV). Sem medidas de choque como confiscos e congelamentos, a ideia era golpear a indexação da economia. É estranho dizer, mas economias fortes como a americana, além de diversas particularidades, não têm por exemplo, um índice oficial que reajusta os preços dos aluguéis, como faz o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) aqui no Brasil. Parece coisa do velho-oeste, mas nos EUA, a lei da oferta e procura prevalece.
Por isso, no Plano Real, os ajustes e reajustes de preços e valores passaram a ser anualizados, obedecendo as planilhas de custo de produção e tornando as mudanças mais suaves. Isso também contou com uma forte sinalização do governo para o mercado, de disciplina fiscal, fazendo reformas e contingenciamentos e privatizações.
Mas como andava nosso pequeno investidor à época? Para se ter ideia, além da hiperinflação que corroía os salários e as finanças dos trabalhadores, depois dela, o sistema bancário ainda teve que passar por uma adaptação ao Plano Real, o que fez com que a participação das instituições financeiras no Produto Interno Bruto (PIB) caísse de 12,37%, em 1994, para 6,94% em 1995. Assim como o número de bancos em funcionamento, que também caiu de 244 até 193 no final de 1999.
Governo Fernando Henrique Cardoso
Diversas personalidades do mundo político ganharam projeção nacional durante o Plano Real, como o ex-candidato à presidência, Ciro Gomes, que fazia parte do governo Itamar como ministro da Fazenda entre 1994 e 1995. Mas quem realmente ficou com os louros do plano foi o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, o que permitiu sua eleição para assumir o cargo em 1998.
O governo do “príncipe”, como alguns gostam de chamá-lo em referência ao livro de Maquiavel, que FHC traduziu e com o qual confessou se identificar no período em que conduziu o Brasil, acelerou as reformas e adequações da economia brasileira. Seu governo ficou marcado por mais privatizações, novas agências reguladoras, aberturas ao mercado externo e a consolidação do famigerado “Tripé Macroeconômico“.
Com a política de câmbio flutuante, as metas fiscais e de inflação, o país estava pronto e embalado para receber o capital estrangeiro e operar maiores volumes no mercado financeiro, traçando uma rota que nem mesmo a eleição da sua oposição poderia desviar.
Consultando a curva do Ibovespa, vemos o salto da Bolsa entre 1998 e 1999, ano em que o “Tripé” foi implementado. A variação em pontos chega a 10.308. Mas não se engane: quem viveu os mandatos de Fernando Henrique consegue se lembrar de diversas crises, desde de desvalorização do real, até eventos internacionais, como a crise asiática e a russa, em 1997 e 1998.
O ambiente de negócios mais consolidado veio acompanhado de uma transformação no mercado financeiro, com a implementação do home broker no Brasil. De abril a dezembro de 1999, a participação da ferramenta no volume de negociações da Bovespa passou de 0,01% para 0,77%.
Essa também foi a época de aceleração de outros esforços para ampliar a base do mercado acionário brasileiro, como os clubes de investimento. Essa prática antiga de juntar interesses pessoais para investir era algo incentivado pela Bolsa, e unida de outros empenhos para disseminar educação financeira, foi mais tarde normatizada. Entre 1999 e 2000 o patrimônio líquido dos clubes de investimento subiu quase R$ 1 bilhão, e entrou em um novo patamar.
Governo Luiz Inácio Lula da Silva
A campanha do partido dos trabalhadores na eleição de 2002 foi completamente diferente do que era comum para um partido de base operária. Os candidatos a deputados apareciam nos comercias de TV usando terno e gravata, enquanto um narrador exaltava seus currículos e formações acadêmicas.
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 gerou muitas incertezas, levando o dólar a uma nova máxima histórica em relação ao real. Mas Lula, que trazia como vice José Alencar, dono da Coteminas e ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), demonstrava que faria um governo de conciliação. As dúvidas só se esgotaram com o famoso documento “Carta aos brasileiros”, onde o presidente deixou seu atestado de fidelidade à estruturação econômica feita nos governos anteriores.
Abria-se assim uma etapa de governos de esquerda na América Latina, na qual sucedeu-se a eleição de Evo Morales na Bolívia, e Hugo Chaves, na Venezuela. Em comum, esses governos aceleraram as políticas desenvolvimentistas, e com especificidade, o capital estrangeiro pôde explorar a mão-de-obra local e o amplo mercado consumidor brasileiro.
Se olharmos para a curva da taxa de juros, percebemos uma inclinação negativa, chegando ao mínimo do período, concomitantemente, ao momento em que Lula faz sua sucessora em 2012, Dilma Rousseff. Era um impulso forte deste governo usar as bases estabelecidas nas décadas de 90 para ampliar a oferta de crédito e fazer do pobre um consumidor, inclusive de produtos financeiros.
A conciliação puxou uma “elite sindical” do partido para alavancar os fundos de pensão e a inclusão social via mercado garantiu pela primeira vez uma popularização de novos produtos além da poupança. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), o patrimônio líquido em operações compromissadas com títulos públicos federais saltaram de R$ 74,2 milhões no final de 2004, para R$ 296,5 milhões em 2010.
O crescimento do mercado financeiro só sofreu solavancos quando deu de encontro com uma nova crise. A bolha no mercado imobiliário americano revelada em 2008 lançou uma crise que deu a volta ao mundo, demorou mas corroeu todas as medidas econômicas orgulhosamente chamadas pela equipe econômica de “anti-cíclicas”. Primeiro, freando o crescimento da China, e consequentemente, seu apetite por commodities brasileiras. O desequilíbrio no comércio exterior foi a ponta do iceberg de uma crise econômica que tomaria formas políticas em 2013, já no mandato de Dilma.
Governo Dilma Rousseff
A escolhida de Dilma Rousseff como sucessora de Lula tinha um DNA desenvolvimentista, parecido com o seu, e que teria se demonstrado na gestão do sistema elétrico gaúcho, quando foi secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Lá, ela também mostrou a imagem de gestora que o partido cultivava desde a primeira eleição presidencial vitoriosa, juntando entes privados e públicos para equacionar os investimentos em energia no estado.
A primeira mulher presidente do Brasil passou seu primeiro mandato surfando na popularidade do antecessor e na inicial superação da crise, que logo havia de voltar para pedir a conta. Esse momento chegou quando as elites produtivas e financeiras ao redor do mundo enxergaram a saturação dos mercados emergentes, e fizeram uma marcha de retorno às políticas de arrocho orçamentário. Portugal, Grécia e Irlanda eram exemplos de países que tiveram de condicionar seus gastos para obter alguma ajuda com empréstimos.
Caminhando juntos com o desenrolar da crise estavam os insumos para torná-la uma crise política. Quem lembra de julho de 2013, com manifestações organizadas pelo Twitter e pelo Facebook, consegue fazer esse paralelo. Não só no Brasil, mas no mundo, assistia-se a insurgências surgirem e provarem de sua impotência ao mesmo tempo, como aconteceu com a Primavera Árabe.
Por aqui, 2014 viu o início de uma crise econômica e do debate sobre o desequilíbrio fiscal. Foi um período marcado por desonerações da folha de pagamentos sobre diversos setores e pela continuidade dos gastos sociais da era Lula. Olhando o gráfico do Ibovespa, entre 2012 e 2015, é fácil perceber que o mercado acionário deu mais um giro em falso, restabelecendo o patamar de 60 mil pontos de novo, apenas em 2016.
Governo Michel Temer
Muitas comparações são estabelecidas entre a passagem de Itamar a Collor, e Dilma a Temer, perguntando-se qual foi mais republicana que a outra. Mas o que ficou mais patente na segunda foi um documento direcionado expressamente ao mercado: “Ponte para o futuro”.
Lançada em 29 de outubro de 2015, a ponte foi divulgada pelo PMDB (hoje MDB) dois meses depois de Temer abandonar o posto de articulador político do governo, e oferecia ao mercado o que Dilma tinha se mostrado exitosa em fazer, mesmo com o nome agradável de Joaquim Levy sob o Ministério da Fazenda.
Temer assumiu depois do segundo impeachment visto por esta república e tocou, com a maestria de um ex-presidente da Câmara e forte articulador político, uma agenda econômica saída direto da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo rumo ao ajuste fiscal tão pedido pelo mercado.
Mesmo sem nenhuma popularidade, passou uma reforma trabalhista, marcada pela valorização da negociação individual e flexibilização dos contratos de trabalho. Com Henrique Meirelles à frente do Ministério da Fazenda, congelou os gastos públicos por 20 anos, no que se convencionou chamar de teto de gastos. Deixou uma grande parte da elaboração da reforma da Previdência, hoje já concluída pelo governo de Jair Bolsonaro, e ainda deixou uma folga para o Congresso pensar nas eleições de 2018.
O período em que Temer assumiu o cargo foi também o pico da crise política e sua sombra sobre o PIB. O crescimento baixo, sem pressão sobre a inflação, deixou espaço para a política monetária cortar mais o juros, aos poucos determinando o cenário em voga hoje, de alocações maiores na renda variável, como demonstra o Ibovespa.
Governo Jair Bolsonaro
O mercado acionário é muito sensível a expectativas e o governo de Jair Bolsonaro era carregado delas. A história ainda está para se contar. Por enquanto, o que todos do mercado se incomodam é a celeridade das reformas estruturais prometidas em campanha, principalmente quando comparada ao ritmo do impopular governo Temer.
A pandemia também comprometeu a realização dessas expectativas. Até agora, o governo conseguiu aprovar apenas a reforma da Previdência, mesmo que sem a capitalização sonhada pelo ministro Paulo Guedes. Ainda sim, só esse destravamento do mercado já fez a procura por fundos de previdência privada dispararem. Dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) mostram que mesmo antes da aprovação da reforma, as novas contribuições em previdência privada em agosto de 2019 somaram R$ 11,5 bilhões, valor 23,4% maior que o do mesmo período de 2018.
Quando falamos no início que algumas pessoas acreditam que o mercado financeiro é um acaso, você provavelmente achou que estávamos nos referindo àqueles que não têm conhecimento nenhum de causa. Mas a força natural da pandemia faz pensar que, ou até os mais experientes estão desprotegidos, ou que existe uma exceção que confirma uma regra.
Por exemplo, dos fundos de previdência que ganharam com a reforma, só aqueles cujos gestores se preveniram e perceberam o quanto antes que a epidemia chinesa tinha potencial para virar uma pandemia mundial, puderam se preparar para a tempestade, mostrando alguma recompensa para quem pensa as múltiplas determinações do cenário econômico.