Economia

Autonomia do BC segue em xeque, mas chance de mudança é vista como baixa

Apesar de o tema preocupar o mercado, avaliação de especialistas é de que o fim da autonomia teria alto custo político.

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“É a primeira vez que a autonomia está sendo testada.” A frase é do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, dita na segunda-feira (13) no programa Roda Viva. Apesar de a autonomia do BC seguir xeque e preocupar o mercado, economistas consultados pelo InvestNews afirmam que um processo para revogá-la pode não acontecer por ter alto custo político.

As falas de Campos Neto foram feitas depois de críticas feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele defendeu a autonomia do Banco Central, dizendo que a credibilidade da condução da política monetária é a melhor forma de ajudar o governo. Ele afirmou, no entanto, não saber o que o Congresso vai fazer sobre a reversão ou não da autonomia do Banco Central.

“É a primeira vez que a autonomia está sendo testada. E é importante não ter mudança de regra no meio do jogo nem para um lado e nem para outro”, disse Campos Neto na entrevista. 

Em meio às críticas recentes de Lula à autonomia do Banco Central, à meta de inflação brasileira, bem como à taxa Selic, o presidente da República chegou a dizer que poderá rever o modelo do Banco Central ao fim do mandato de Campos Neto, em dezembro de 2024.

Uma medida como essa, no entanto, precisaria ter aval do Congresso, por meio de um projeto de lei complementar, e não teria caminho fácil. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou na última semana que há uma maioria na Casa contrária a mudanças nas regras de independência do Banco Central.

“Eu tenho a escuta, a tendência do que a maioria do plenário pensa que seria, com relação à independência do Banco Central, esse assunto não retroagirá. O Banco Central independente ele é uma marca mundial, o Brasil precisa se inserir nesse contexto.”

BC pode perder sua autonomia?

Nesse cenário, de acordo com os economistas consultados pelo InvestNews, a reversão da autonomia do Banco Central pode acontecer, mas envolveria um custo político muito alto.

Bruno Mori, economista e sócio fundador da consultoria Sarfin, explica que o Banco Central brasileiro ganhou autonomia há pouco tempo e que esse processo passou por aprovação do Congresso. Segundo ele, uma mudança dependeria da capacidade do governo convencer deputados e senadores. 

Na mesma linha, Rodrigo Correa, estrategista chefe e sócio da BRA BS, também diz que existe essa possibilidade, mas que envolveria dificuldades políticas para ser realizada.

“Há, sim, chance de o Banco Central perder sua autonomia, se o governo criar um movimento contra isso. Ainda que haja essa possibilidade, creio que o custo político será alto para que isso aconteça e o governo pode desistir antes. Não cremos ser provável tal alteração, apesar de possível”, diz Correa.

Impactos de um eventual fim da autonomia do BC

Se o BC perdesse sua autonomia, um dos maiores riscos, segundo os economistas, seria a interferência de uma agenda política na condução da política monetária do país.

Um dos principais objetivos da autonomia do BC é justamente diminuir a interferência política, conferindo mais segurança para o sistema financeiro como um todo, assegurando que política monetária vise atingir a meta de inflação do país.

Gabriel Meira, sócio e economista da Valor Investimentos, explica que, com BC autônomo, o país fica em linha com as maiores economias do mundo, como Estados Unidos, Inglaterra, Japão, França e Alemanha, que contam com autoridade monetária autônoma, sinalizando que as decisões são essencialmente técnicas e não político partidárias.

“Quando você perde essa autonomia, você deixa muito claro que parte de um Banco Central que agora é aparelhagem política e que vai seguir uma agenda política. Isso mina a confiança dos investidores e, consequentemente, retira capital do país. Então, a gente aumenta nosso risco país, nossa dívida lá fora começa a ficar mais cara, deixa de ter dinheiro entrando no país”, diz o economista da Valor Investimentos. 

Outro impacto, segundo Rodrigo Correa, estrategista-chefe e sócio da BRA BS, está na automática leitura do mercado em relação a um BC mais leniente com inflação.

“Esse é um problema real e não apenas de palavras, pois, ao mexer com as expectativas de inflação futura, a própria inflação corrente será impactada. E o BC deverá ter que manter taxas de juros mais altas do que manteria caso não existisse essa contaminação de expectativas”, diz Correa.

O especialista da BRA alerta ainda que o mercado não é ideológico, mas trabalha sempre com expectativas e sabe fazer conta. “Uma tentativa de não endereçar o problema da inflação, tentando reduzir taxas de juros artificialmente, ou seja, sem estarem baixas porque as pressões inflacionarias estão domadas, é receita para o fracasso”, defende Correa.

Meira, da Valor Investimentos, explica que o papel de um Banco Central é manter a estabilidade da moeda, estabelecendo meta de inflação, gerenciando títulos públicos, promovendo a circulação da moeda entre outras.

“O perigo de não ter o BC autônomo é que se tem total interferência de uma agenda política partidária na condução da política monetária de um país. Política monetária é uma decisão absolutamente técnica. Meta de inflação, emissão de moedas são decisões que precisam ser técnicas, não tem que vir junto a uma agenda política partidária. Se o BC não é autônomo, precisa fazer o que o presidente pede”, diz Meira.

Entenda a autonomia do Banco Central

Banco Central. (Crédito: Adobe Stock)

O Banco Central brasileiro é uma autarquia de natureza especial, com autonomia técnica, operacional e administrativa. Essa autonomia foi estabelecida por lei sancionada em 2021 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro após aprovação do Congresso.

O objetivo foi garantir que a atuação do BC não seja ditada pelo governo. A intenção foi buscar a manutenção da estabilidade de preços e da eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.

A partir dessa lei, foi decidido que o Banco Central tem um presidente e oito diretores, todos indicados e nomeados pelo presidente da República. Porém, os mandatos são de 4 anos, não coincidentes com o do presidente do país, e têm início de forma alterada, ou seja, a cada dois anos. Assim, quando um novo presidente da República assume o cargo, durante os primeiros dois anos do mandato o BC é comandado por alguém escolhido no governo do presidente anterior.

A ideia é que, dessa forma, o presidente do Banco Central e os diretores poderão tomar decisões desvinculadas de motivos políticos. E eles só poderão ser demitidos em situações específicas e não por livre arbítrio do presidente da República. 

Um Banco Central autônomo, como é o caso do brasileiro, é diferente de um Banco Central independente. A maioria dos bancos centrais no mundo também adota a autonomia. Ou seja, o Banco Central controla, mas não define metas. Ele tem liberdade para determinar como vai atuar para atingir as metas. 

No caso das autoridades monetárias independentes, como acontece nos Estados Unidos, Inglaterra e Japão, é o próprio Banco Central que define e controla as metas de inflação, de desemprego e de flutuação econômica. 

No Brasil, por ter um Banco Central autônomo, a fixação para a meta de inflação é de responsabilidade do Conselho Monetário Nacional (CMN). Ele é formado por representantes do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Esse sistema de metas foi criado em 1999.

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