Economia
Bolsonaro é o 2º presidente que mais trocou ministros no período democrático
É o que mostra levantamento feito pelo InvestNews, que considerou todos os presidentes desde a redemocratização do Brasil.
O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), é o segundo mandatário do país que mais fez trocas de ministros desde a redemocratização do Brasil. É o que aponta levantamento feito pelo InvestNews, a partir de dados disponibilizados pela Biblioteca da Presidência da República.
Como Bolsonaro concluiu 2 anos e 3 meses de governo até o momento, foi levado em consideração, para o cálculo, este mesmo intervalo de tempo que cada presidente comandou o país. Além disso, ministros interinos não fizeram parte do cálculo.
Segundo o resultado obtido, Bolsonaro perde somente para Michel Temer em quantidade de troca de ministros. O ex-presidente fez 26 mudanças em seu governo. Na sequência após Bolsonaro, os presidentes que mais fizeram alterações ministeriais foram Dilma Rousseff, com 16 trocas; Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor e Itamar Franco, com 7 mudanças; Luiz Inácio Lula da Silva fez 6 e José Sarney, 5. Confira:
Motivos das trocas ministeriais
O pós-doutor em ciência política Carlos Pereira explica que as trocas ministeriais são uma das formas pelas quais o presidente faz ajustes na gerência de sua coalizão no Congresso, especialmente quando o governo é acometido por choques ou crises políticas. Segundo ele, em regimes presidencialistas multipartidários como o brasileiro, raramente o partido do presidente consegue sair das urnas com a maioria de cadeiras do Parlamento. “Para governar, é preciso montar coalizões pós-eleitorais. Ministérios são moedas de troca fundamentais nesse jogo. Trocas constantes é um sinal de má gerência da coalizão de governo”, diz.
Já o doutor em ciência política e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Sérgio Praça, acrescenta que as mudanças ministeriais, além de serem motivadas por rearranjos da coalização com os partidos políticos, também são influenciadas pela avaliação de desempenho do ministro. Além disso, ele aponta que, com frequência, as trocas são necessárias quando o ministro já não tem mais autoridade, cria desentendimentos e o andamento do ministério não segue bem.
Praça comenta também que a troca ministerial sempre implica em mudança de prioridades, o que pode causar cenários complicados, afetando a continuidade de políticas públicas que, até então, eram implementadas.
O cientista político lembra ainda que o Brasil é uma das nações com os maiores índices de fragmentação partidária, o que, na avaliação dele, favorece as trocas ministeriais e é um fator relevante para pensar os ministérios.
Para Pereira, o aumento da fragmentação partidária é um elemento importante para o maior fluxo de mudanças de ministros em Brasília. “Como as coalizões tendem a ter um grande número de parceiros/partidos, às vezes é necessário fazer ajustes para acomodar os interesses dos parceiros”, afirma.
Trocas do governo Bolsonaro
Bolsonaro assumiu o comando do país em janeiro de 2019. De lá até 1º de abril de 2021, foram 24 trocas em meio aos seus 22 ministérios, segundo levantamento feito pelo InvestNews.
As pastas que mais passaram por modificações foram Educação, com 4 trocas, e Saúde e Secretaria-Geral da Presidência da República, com 3 trocas cada.
Recentemente, em 29 de março, Bolsonaro fez uma reforma ministerial com troca de seis ministros. As mudanças aconteceram na Casa Civil, Relações Exteriores, Advocacia-Geral da União, Justiça, Defesa e Secretaria de Governo.
Para Praça, Bolsonaro ignora os partidos políticos em suas decisões, diferentemente dos ex-presidentes Michel Temer e Dilma Rousseff, que, na avaliação do cientista político, colocaram os partidos como cruciais no processo de governo.
Pereira aponta que Bolsonaro decidiu governar a despeito dos partidos políticos. Essa estratégia, segundo o pós-doutor em Ciência Política, se revelou desastrosa para o governo. Ele avalia que as acomodações recentes feitas pelo governo Bolsonaro visam, fundamentalmente, premiar os partidos do Centrão e que se deve esperar novas mudanças ministeriais quanto mais vulnerabilidade política e eleitoral o governo venha a apresentar nos próximos meses.
“No início de 2020, o governo foi obrigado a fazer uma grande inflexão e buscar apoio dos partidos do chamado Centrão. Mas a coalizão com o Centrão ainda é minoritária e os termos e propósitos da coalizão ainda não estão claros. Até o momento, serve apenas para proteger o governo de iniciativas legislativas interpretadas como não bem-vindas. Ou seja, Bolsonaro tem a minoria, o que não é suficiente para governar”, afirma Pereira.
No governo de Bolsonaro, diversas pastas acabaram sendo concentradas dentro de um mesmo ministério, como foi o caso do Ministério da Economia, que absorveu as funções e fundiu as seguintes pastas: Ministério do Trabalho, Ministério da Indústria e Comércio Exterior, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e Ministério da Fazenda.
Praça avalia que Bolsonaro criou um ministério sem condições de ser gerenciado, pois, segundo o cientista político, é uma quantidade de temas, problemas e questões que são inviáveis para qualquer ministro lidar sozinho. “Esse é um exemplo de fusão de ministérios que não está tendo bons frutos, na minha impressão”, relata.
O cientista político aponta que o que chama atenção no governo atual em relação aos demais é que as trocas de ministros se dão mais por pressão da sociedade, da opinião pública, como foi o caso de Abraham Weintraub, no Ministério da Educação, em vez de fatores mais corriqueiros e do jogo político, como o desejo de apoio de determinados partidos visando disputar as próximas eleições presidenciais.
“O governo Bolsonaro tem uma dinâmica diferente dos outros neste sentido, de levar o conflito até o limite. Muita gente já queria que, por exemplo, Abraham Weintraub e Eduardo Pazzuelo tivessem sido demitidos muito antes, mas foram segurados. E as trocas feitas não são nomes partidários, até para conseguir mais negociação política. Bolsonaro não seguiu isso. É diferente dos governos anteriores”, diz.
Trocas do governo Temer
O ex-presidente Michel Temer assumiu oficialmente a presidência do país em agosto de 2016 após o impeachment de Dilma Rousseff.
De acordo com a apuração do InvestNews, a partir dos dados da Biblioteca da Presidência da República, das 26 trocas realizadas por Temer durante dois anos e três meses de seu governo, a maior quantidade de mudanças aconteceu no Ministério do Trabalho. Foram três. Já as pastas da Cultura, Segurança e Turismo aparecem na sequência, com duas trocas cada.
Para Praça, Temer, muito provavelmente, fez diversas mudanças para agradar novos partidos que passaram a colaborar com seu governo.
“A gente acaba esquecendo também que o governo Temer foi bastante turbulento. O que tinha de gente chamando de golpe e protestando, e depois veio o caso da conversa com Joesley Batista. Foi um governo bastante conturbado”, lembra o cientista político.
Segundo ele, as pessoas esquecem disso por alguns motivos: o primeiro é que o cenário atual é muito pior. E o segundo, de acordo com o cientista político, é porque todas as crises pelas quais Temer passou, segundo ele, foram bem gerenciadas do ponto de vista político.
“Temer foi um presidente, mesmo com todas as crises, que não agiu de maneira acuada. Sempre conseguia resolver as tensões políticas, mesmo tendo uma popularidade baixíssima. É notável que ele, sob tanta pressão e até perigo de ser destituído, lidou bem com as crises porque era um ótimo negociador com os partidos. É um político que usou muito a troca de ministros para isso”, aponta Sá.
Pereira avalia que o governo Temer foi muito peculiar, pois desfrutava de grande apoio parlamentar, mas de baixíssima popularidade junto ao eleitorado.
Na análise do pós-doutor em Ciência Política, Temer foi muito efetivo na aprovação de reformas, como o teto de gastos e a reforma trabalhista, mas teve que enfrentar duas denúncias e pedidos de impeachment pela Procuradoria-Geral da República e terminou seu mandato sem colher os frutos políticos das reformas e da recuperação econômica. Por isso, segundo Pereira, o ex-presidente teve que fazer ajustes constantes em seu ministério.
Na lanterna
Pereira explica que do lado dos ex-presidentes que menos fizeram trocas, Sarney foi o primeiro governo pós-regime autoritário e fortemente impactado pelos compromissos que já haviam sido firmados com Tancredo Neves. Assim, os graus de liberdade de Sarney, portanto, eram baixos para fazer mudanças ministeriais.
“Já Lula, em que pese ter monopolizado os ministérios para o próprio PT, construiu um mecanismo paralelo de recompensas ilegais de parceiros que eram sub recompensados com as moedas legais. Esse mecanismo só foi desfeito com a descoberta do escândalo do Mensalão. A partir daí ocorreu um maior número de mudanças ministeriais”, diz Pereira.
O pós-doutor em ciência política explica ainda que se presidentes montarem coalizões com um menor número possível de parceiros, ideologicamente homogêneos, compartilhar proporcionalmente poder e recursos com os parceiros e a coalizão espelhar a preferência mediana do Congresso, deve-se esperar um menor número de trocas ministeriais.
Trocas ministeriais X mercado financeiro
O sócio-fundador da Fatorial Investimentos, Jansen Costa, afirma que as trocas de ministros, quando feitas de forma abrupta ou com motivo não aparente, criam insegurança e trazem volatilidade para a bolsa de valores.
Olhando para o passado, segundo o analista, as trocas de ministros tiveram pouco impacto no valor das ações, sendo uma questão mais pontual. “No longo prazo, o efeito pode estar relacionado ao cumprimento, ou não, de uma linha ou pensamento político e se vai afetar o lucro das companhias, ou de algum setor”, diz.
Já a cotação do dólar, explica Costa, é mais afetada em relação à percepção de risco político no país. “Quando a troca não é muito bem fundamentada, ou não é muito bem contextualizada, o investidor estrangeiro, na dúvida, acaba saindo do país”, explica.
Rossano Oltramari, sócio e estrategista da 051 Capital, destaca que o mercado sempre procura entender a lógica por trás das mudanças. Ele explica que o mercado tem que entender os objetivos das trocas. “Quando elas ocorrem por questões políticas, para melhorar a relação com o Congresso, são vistas como positivas. Por outro lado, mudanças que demonstram intervenções deixam o mercado mais receoso. Ele olha com racionalidade para esse tema”, aponta.
Oltramari avalia que as últimas trocas realizadas pelo presidente Jair Bolsonaro afetam pouco tanto a bolsa como o dólar. Segundo ele, o mercado financeiro encarou mais como uma minirreforma benéfica para o ambiente político.
“As mudanças buscaram aproximar mais o Executivo do Legislativo e, por isso, o mercado viu como positivo. Essa troca aproximou o governo do Centrão, proporcionando melhor diálogo entre Executivo e Legislativo. Foi clara nesse sentido, principalmente quando trocou ministros sem diálogo com senadores e deputados”, analisa Oltramari.
Costa acrescenta ainda que as narrativas das trocas de ministros sempre têm duas interpretações: a do governo e a do mercado, e que elas vão mudando ao longo do tempo. Ele cita o exemplo da saída de Roberto Castello Branco da presidência da Petrobras e a indicação do general Joaquim Silva e Luna.
“Em um primeiro momento, o mercado entendeu que era uma mudança forte do governo na política de preços. Já se passaram quase 40 dias e não houve nenhum tipo de mudança. A troca pelo general pode ser positiva, se ele mantiver a gestão de Itaipu”, relata.
Segundo Costa, o mercado pode dar viés negativo se a troca for mal interpretada, mas, no longo prazo, se as reformas acabarem acontecendo, pode ser positivo. “Precisamos sempre dar tempo para entender porque a troca foi feita, e não porque simplesmente entrou alguém no lugar do outro”, diz.
“A grande questão é que as trocas no atual governo são sempre conturbadas e isso gera ruídos políticos. Outra questão importante é as falas intempestivas fora do que o mercado espera. Acúmulo de incertezas gera o ambiente que estamos vivendo hoje. A comunicação deveria ser melhor trabalhada no governo”, diz o sócio-fundador da Fatorial Investimentos.
Investidores em meio às trocas ministeriais
Oltramari diz que é preciso tentar entender se a lógica das mudanças ministeriais é positiva para o avanço das reformas necessárias. Segundo ele, geralmente, os investidores ficam muito de olho nas substituições ligadas à economia, como no Ministério da Economia e Banco Central.
Costa diz que investidores que buscam sair do risco político devem focar em empresas com mais relação com o exterior. Segundo ele, ações cíclicas, domésticas, tendem a ser mais afetadas por essas trocas ministeriais.
“Se quiser ficar longe deste cenário, tem que focar em empresas com pouca influência do governo e do mercado local. Investidores com visão mais separada do mercado local procuram empresas, basicamente, exportadoras e ligadas a mercados fora do Brasil”, destaca Costa.
Impactos na economia
Já olhando para o cenário econômico, Oltramari aponta que trocas ministeriais trazem impactos. Segundo ele, as feitas recentemente por Bolsonaro, se ajudarem no avanço das reformas no Congresso e se significarem aproximação de fato, podem ser extremamente positivas. Por outro lado, elas podem ser negativas quando o presidente do Congresso ou Câmara estão em conflito com o governo, complementa.
Costa avalia que, se as trocas ajudarem na manutenção do teto de gastos e reformas que estão pautadas no Congresso, é positivo pois destrava investimentos. “A questão é: trocou o ministro e nada aconteceu no Congresso? Não terá impacto na economia”, conclui.