Economia
Brasil tem o pior retorno de impostos à sociedade, segundo estudo; veja ranking
Levantamento feito pelo IBPT considerou os 30 países com a maior carga tributária do mundo.
Em um ranking com os 30 países do mundo que têm a maior carga tributária, o Brasil aparece em último lugar com o pior retorno dos valores arrecadados para serviços de qualidade que venham a gerar bem-estar à população.
É o que mostra um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que considera a carga tributária de cada país (arrecadação em relação ao PIB), obtida junto aos dados mais recentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede o grau de desenvolvimento em relação a educação, saúde e renda em determinada região.
A partir destes dados, o instituto desenvolveu um índice chamado IRBES (Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade).
“O IRBES é a somatória do valor numérico relativo à carga tributária do país, com uma ponderação de 15%, com o valor do IDH, que recebeu uma ponderação de 85%, por entendermos que o IDH elevado é muito mais representativo e significante que o percentual da carga tributária. Quanto maior o valor do índice, melhor é o retorno da arrecadação dos tributos para a população”, explica o IBPT.
De acordo com o estudo, o Brasil possui o IRBES de 139,19, enquanto que o país que aparece como primeiro colocado, a Irlanda, tem o índice de 169,43. Confira o ranking completo:
Na sequência da Irlanda, aparecem Estados Unidos, Suíça, Austrália e Coreia do Sul como os países que melhor fazem aplicação dos tributos arrecadados, em termos de melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos.
Já o Brasil ocupa a última posição, ficando atrás de países da América Latina, como Uruguai e Argentina.
A Irlanda, segundo o levantamento, tem uma carga tributária pequena, de 22,30%, se comparada ao demais do estudo, mas tem um alto IDH, de 0,942, o que faz com que tenha atingido o maior valor referente ao IRBES.
O Brasil, por sua vez, tem uma carga tributária de 35,21% e IDH de 0,761, de acordo com levantamento do IBPT. Veja os demais países:
Segundo Flávio Sanches, especialista em Direito Tributário e sócio tributário do CSMV Advogados, o resultado do estudo reflete o mau emprego do produto da arrecadação tributária. “São políticas públicas equivocadas há décadas que levam a uma arrecadação elevada sem um retorno à altura para a sociedade”, defende.
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Para Sanches, o Brasil tem carga tributária total relativamente alinhada com muitos países do mundo. O que não tem paralelo, na avaliação dele, é a má destinação dos recursos. “Falta capacidade de gestão ao homem público brasileiro. O populismo dos políticos é algo que tende também a atrapalhar. Sem nem entrarmos no mérito da corrupção, mesmo quem tem boa intenção, não faz orçamentos controlados, ou, se faz, não os segue adequadamente”, afirma.
Já para o advogado Paulo Vieira da Rocha, professor de direito tributário e sócio do escritório VRBF Advogados, este tipo de estudo precisa ser visto com cuidado, pois não é desconhecido que o país tem uma elevada carga tributária e qualidade de serviços públicos muito ruim. Ele explica que, pelo fato de o IDH do Brasil ser muito baixo, é praticamente impossível o IRBES ser alto.
Ele aponta ainda que há alguns méritos do Brasil que não podem ser deixados de reconhecer, mas que, para a classe média, o Estado faz muito pouco. “Se você olhar para as classes mais pobres, os miseráveis, o Estado faz bastante. E alguém tem que pagar esta conta”, defende.
Ele aponta, no entanto, que o Brasil trouxe para os deveres do Estado uma quantidade de tarefas e de responsabilidades com poucos precedentes, como acrescentar uma grande parcela da população na Seguridade Social, por exemplo, sem ela ter contribuído. Ele explica que alguém tem que pagar esta conta e ela se banca por meio da carga tributária.
Outro ponto que ele destaca é que o país tem muito desperdício do dinheiro público como, por exemplo, tendo um dos parlamentos mais caros do mundo.
Rocha cita ainda que não adianta o país arrecadar muito imposto da classe mais favorecida se for gastar mais com ela. “A justiça tributária não se faz sem olhar para a despesa. Esse também é um problema das contas públicas no Brasil”, diz.
Países desenvolvidos x Brasil
De acordo com o levantamento do IBPT, a carga tributária brasileira sobre o PIB em 2018, ano com a mais recente atualização do dado pela OCDE, usado pelo instituto para o estudo, era de 35,21%, próxima da de países desenvolvidos. Alemanha, por exemplo, totalizava 38,20%. Reino Unido, 33,50%, mas o retorno à sociedade é oposto.
O especialista em Direito Tributário Flávio Sanches explica que chegar ao nível de países desenvolvidos é mais difícil, pois o Brasil gera menos riquezas e precisa aplicar muito em pesquisa e investimento, o que deixa o país com menos condições de competir nesta questão. Ele defende que seriedade e ética do setor público são as chaves para aumentar a satisfação do emprego dos recursos auferidos por meio da tributação.
Rocha também acredita que o retorno visto entre os países desenvolvidos não tem como acontecer no Brasil. “Estamos falando de sociedades, em geral, muito mais velhas, que passaram muito mais fatos históricos e, portanto, são mais maduras, inclusive politicamente”, destaca.
O que pode ser feito, segundo ele, é a melhora da qualidade do gasto público. Na avaliação de Rocha, a classe média no Brasil é muito negligenciada e essa classe tem a sensação muito forte de ser deixada de lado. “Talvez esse retorno passe a ficar no mesmo nível para o brasileiro quando a sua classe média puder voltar a enxergar de alguma forma a atenção do Estado com ela, além dele precisar fechar a torneira do desperdício. O gasto público precisa ter muitas torneiras fechadas”, destaca.
Para Sanches, esse problema no Brasil do mau retorno à sociedade é estrutural e relacionado à cultura. Segundo ele, independentemente do governo, a falta de preparo e a conduta populista de governantes são sempre presentes.
Rocha também defende que se trata de um problema estrutural do país. De acordo com ele, é muito difícil que este cenário mude em 10 anos quando se tem um Estado que ainda carrega características fortes do patrimonialismo.
“O Estado brasileiro é visto como um ativo do qual uma parcela da sociedade pode se apropriar. O Estado é apropriável na nossa cultura. Em algumas pessoas, a máquina estatal tem que servir ao seu grupo político e é por isso que essa situação não vai mudar. Nossa classe política é um reflexo da cultura que a gente tem dentro da nossa sociedade”, ressalta.
Tributos elevados no Brasil
Sanches defende que a carga tributária em si do Brasil não é fora da curva em níveis mundiais. Ainda assim, destaca ele, o Estado é grande e ineficiente e, em um país populoso e muito grande, faz-se necessário arrecadar muito tributo. “E, como não se tem um Estado que economiza, sempre na dificuldade cria-se ou aumenta tributos”, explica.
Já o professor de Direito Tributário Paulo Rocha explica que o Estado brasileiro tem muita despesa e que, embora haja uma parcela de gastos legítima, também há desperdícios imensuráveis, além dos desvios e da corrupção. Assim, segundo ele, a conta fica alta para pagar e essa conta se chama tributos.
Rocha, que avalia que os impostos no Brasil são injustos e a arrecadação brasileira é muito defeituosa, diz que existem três bases para tributação: renda, propriedade e consumo. E e que o ideal, segundo ele, é que o Estado se valha delas para tributação e concentre sua força na renda.
“A renda é o melhor índice para medir a capacidade econômica do contribuinte. O problema é que ela é a mais difícil de se medir. Então, tributar muito a renda torna o sistema tributário em geral muito mais complexo. A tributação mais fácil é a do consumo, só que ela tende ser a mais injusta, pois é a mais regressiva. Quem pode menos, paga mais. E quem pode mais, paga menos”, diz.
Ele acrescenta que essa concentração forte de tributação sobre o consumo é uma característica de países subdesenvolvidos. A tributação no consumo promove nível de arrecadação enorme, é mais fácil, mas, também, mais invisível”, diz o professor.
Para ajustar os problemas mais graves do modelo brasileiro de tributação, Sanches tem opinião contrária. Segundo ele, é necessário incentivar a atividade produtiva, tornar as indústrias mais leves e tributar o consumo, que, segundo ele, resolve também a questão de origem e destino, pois cada centro acaba recebendo proporcionalmente ao consumo de sua base territorial. De outro lado, explica o advogado, simplificar com a redução da quantidade de tributos ajuda muito os negócios.
Retorno adequado à carga tributária
Para o IBPT, se existisse uma melhor aplicação das receitas públicas oriundas dos tributos, isso se refletiria em um bem-estar social muito mais elevado ao Brasil.
Para o sócio tributário do CSMV Advogados, Flávio Sanches, quando o Estado assumir compromissos iguais aos das pessoas físicas, ou seja, na proporção das possibilidades, com responsabilidade, será possível observar um retorno mais justo à sociedade.
Já Rocha defende que a população só terá a impressão de um retorno mais adequado quando conseguir enxergar, de fato, a tributação. “Ela vai ter uma análise mais crítica da arrecadação e, principalmente, da despesa. Só que a política fiscal é feita para ser invisível. As camadas mais baixas precisam ser conscientizadas”, defende.
Impactos
Rocha diz que a carga tributária alta no país não consegue se aliar ao clima de insegurança jurídica. “Com isso, o que se tem são margens das empresas altas para compensar. Essa margem vira lucro das empresas, vira juros dos bancos”, diz.
Segundo ele, se tem uma carga tributária muito alta, são esperados retornos do Estado condizentes e eles não são.
O professor explica ainda que o impacto também acontece no bolso da população, que tem que pagar por planos de saúde ou educação particular, por exemplo, para ter serviços melhores.
“Uma reforma tributária é absolutamente necessária. É preciso fazer, pois o sistema não funciona. Ela precisa ser profunda, alterar a Constituição, pois ela amarra muito o sistema tributário. Mas sou cético. A chance de isso acontecer é muito baixa, pois contraria interesses dos grupos políticos locais. Com reforma, tem menos poder político, eles perdem poder de barganha”, finaliza Rocha.