Economia
China celebra Ano do Dragão com desafios econômicos à altura da figura mitológica
Festival da Primavera pode lançar luz sobre desaceleração da atividade e deflação no país.
Ao contrário dos mercados no Brasil, que voltaram a operar após a folia do Carnaval, a China saiu de cena na última sexta-feira (9) para celebrar o Ano Novo Lunar e só retorna na semana que vem. Até lá, os chineses comemoram a chegada do Ano do Dragão, mas que começa em meio a desafios de desaceleração da segunda maior economia do mundo.
Nas histórias fantásticas do Ocidente, quase sempre o dragão é o vilão a ser enfrentado por heróis, para conquistar princesas e restabelecer a paz entre reinos. Especificamente no Brasil, o dragão também é vinculado à inflação, com a figura mitológica tornando-se símbolo da hiper alta dos preços durante a década de 1980.
Porém, o dragão chinês é bem diferente do ocidental. Além de ser uma mistura de vários animais, com olhos de tigre, bigode de carpa, corpo de serpente, patas de águia – com quatro dedos para frente e um para trás – o dragão da mitologia chinesa não cospe fogo e também pode ser de água, entre outros quatro elementos básicos da natureza.
Este animal que simboliza riqueza e poder na cultura chinesa é o único do zodíaco chinês que é mítico. Todos os outros 11 existem no mundo real: rato, boi, coelho, tigre, serpente, cavalo, cabra, macaco, cachorro, galo e porco. O ano 4722, equivalente a 2024 no calendário gregoriano, é regido pelo dragão de madeira, que sucede ao coelho de água.
O calendário chinês é lunissolar, ou seja, se orienta pelo sol e também pela lua. Tido como a quinta grande invenção chinesa – ao lado da impressão, do papel, da pólvora e da bússola – o calendário surgiu ainda nas primeiras dinastias da China Antiga, há mais de mil anos antes da era comum, e tem cerca de 350 dias, dividido em 12 ciclos.
E os mercados com isso?
Diante da importância da China no cenário mundial, tanto na esfera econômica quanto geopolítica, essa longa pausa do país deve ser monitorada pelos mercados – e não apenas vista como um fator de risco a menos para os investidores.
Isso porque o Festival da Primavera, que marca as celebrações do Ano Novo chinês, é um termômetro para a economia chinesa. Trata-se do feriado mais importante da China, também conhecido pela maior migração humana do planeta. Aliás, a previsão do governo chinês é de quebrar recordes, registrando nove bilhões de viagens dentro e fora do país.
Afinal, é a primeira vez que os chineses celebram a data deixando para trás as medidas de restrições contra a covid-19 – aliás, vistas no Ocidente como draconianas (olha o dragão aí). Em 2023, quando os chineses comemoraram o Ano Novo em 22 de janeiro, a política de combate à doença conhecida como Covid Zero havia chegado ao fim dias antes.
Apenas em 8 de janeiro do ano passado, o país abandonou a última medida de controle contra o coronavírus, reabrindo suas fronteiras com o restante do mundo. Sem muito tempo para programar viagens, principalmente internacionais, a China registrou pouco mais de 1,5 bilhão de deslocamentos. Em 2019, antes da pandemia, foram 2,98 bilhões.
Com milhões de trabalhadores migrantes retornando às suas cidades de origem, geralmente no interior, ou aproveitando o período de “férias” para viajar pela China ou outros países, a data pode lançar luz sobre os mais recentes dado que apontaram perda de tração da atividade industrial e de serviços, bem como deflação no atacado e no varejo.
“Os preços ao consumidor chinês diminuíram ainda mais em janeiro, uma vez que a demanda interna permanece fraca, ao mesmo tempo em que a China se esforça para expandir sua capacidade de produção, o que leva à queda dos preços”
Sophie Altermatt, economista do Julius Baer
Antes de sair de cena, a China divulgou dados de janeiro sobre a atividade, que vieram em linha com o esperado, mas mostraram um encolhimento da indústria pelo quarto mês seguido. Já o índice de preços ao consumidor chinês (CPI) registrou a maior queda em mais de 14 anos e a quarta leitura negativa consecutiva, enquanto o índice de preços ao produtor do país (PPI) caiu pelo décimo sexto mês.
Para a economista do banco suíço, as festividades de Ano Novo também podem ter contribuído para a queda mais acentuada dos preços, em meio às distorções provocadas pelo efeito calendário, uma vez que o Ano Novo Lunar em 2023 foi celebrado em janeiro. “Além destes efeitos especiais, a fraca demanda interna também pesa”, emenda Sophie.
Xadrez chinês
Por isso, os números sugerem que o governo chinês deve manter o apoio à economia ao longo do ano do dragão, que acaba em 28 de janeiro de 2025. Aliás, o esforço de Pequim para estabilizar os mercados locais, contendo as vendas a descoberto e direcionando as compras de fundos estatais, surtiu efeito. A Bolsa de Xangai cravou três altas seguidas antes do feriadão chinês.
Ainda assim, em 2023, os mercados acionários chineses tiveram o pior desempenho entre os principais mercados globais, caindo mais de 40% desde o pico em fevereiro de 2021. Daí porque ficou a sensação de que as autoridades chinesas estavam apenas tentando acalmar as condições do mercado financeiro antes do Ano Novo Lunar.
“Ao chegar ao final do ano do coelho, o mercado chinês finalmente registrou uma recuperação, recuperando algum terreno após uma semana brutal e uma queda prolongada”
Magdalene Teo, analista de renda fixa para Ásia do Julius Baer
Por isso, a especialista avalia que existe um limite até onde essas medidas de apoio podem chegar, ainda mais se o pessimismo entre as empresas do setor privado e dos consumidores permanecer elevado. Assim, novos estímulos na China devem ser direcionados ao lado da produção, e não diretamente ao consumo.
É aí que se tem uma boa notícia, direto da China para o mundo, em especial para os Estados Unidos. Por ser a maior economia industrial do mundo, responsável por 20% das exportações, a dinâmica de preços mais baixos ao produtor e ao consumidor chinês deve contribuir para a desinflação global neste ano.
Trata-se de um fator que deve beneficiar os ativos de risco, ainda mais após os números “salgados” da inflação ao consumidor nos EUA (CPI), adiar o início dos cortes nos juros para junho – e olhe lá. Assim, a China pode ser a força externa a ajudar o Federal Reserve na luta contra a inflação. Neste caso, o dragão pode não ter tão ruim.
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