Economia
Brasileiros que moram na Argentina contam como vivem com peso desvalorizado
Brasileira diz que ‘dá pra viver bem’, mas sem luxo. Economista alerta para falsa sensação de riqueza.
A desvalorização do peso argentino provocada pela hiperinflação têm atraído milhares de turistas brasileiros ao país vizinho. Com o real valendo mais, aumenta a sensação de riqueza, devido ao alto poder de compra. Brasileiros que moram na Argentina, no entanto, relatam que a crise econômica e o câmbio instável pesam no custo de vida e exigem cautela.
O peso argentino desvalorizou 98,37% em relação ao dólar nos últimos 10 anos, sendo o país sul-americano que sofreu o maior deságio no período, de acordo com um levantamento da L4 Capital.
A brasileira Gabriela Gonçalves, de 31 anos, que reside em Buenos Aires há 1 ano e meio, conta que, apesar de sentir que está com maior poder aquisitivo, morar no país não é exatamente as mil maravilhas que se imagina.
“Viver aqui é muito diferente de ser turista. Quem fica aqui viajando algumas semanas consegue gastar bem, mas quem mora tem que ficar antenado na questão do câmbio, já que o peso desvaloriza muito rápido. Mas dá para viver bem. O importante é criar a consciência de que você não vai ter uma vida de luxo, mas vai ter mais qualidade de vida.”
gabriela gonçalves, BRASILEIRA QUE VIVE NA ARGENTINA.
Gabriela, que trabalha como produtora de conteúdo para uma empresa no Brasil e recebe em reais, se sente privilegiada por poder usufruir alguns benefícios, como uma alimentação mais em conta do que no Brasil.
Ela relata que com a desvalorização do peso, os estrangeiros costumam fazer transações em criptomoedas, Mercado Pago ou na Western Union para trocar com pesos, já que são taxas de câmbio melhores e não correm risco de receber dólares falsos do câmbio paralelo ou blue.
Paulistana da Zona Leste de São Paulo e apaixonada pela Argentina, Gabriela diz que apesar da crise econômica, a capital argentina é muito rica culturalmente e tem várias atrações gratuitas. Além disso, ela diz se sentir bem mais segura do que no Brasil, já que a violência é menor.
“Com R$ 100 você consegue curtir um sábado à noite usando o transporte público, indo em um cinema ou um show, e jantando fora. Mas tem que ter o cuidado para não cair no vício de achar que tudo é barato, porque se troca o dinheiro no início do mês e vai gastar no fim do mês, tudo já subiu”, alerta.
Aluguel pesa no bolso
O valor do aluguel é o que mais pesa no bolso do brasileiro. Normalmente, os proprietários dos imóveis fazem contratos de aluguel temporários e em dólar para os estrangeiros que não trabalham no país. Os reajustes costumam ser a cada três meses. Já para quem trabalha na Argentina, os contratos são de três anos e os reajustes são semestrais.
Nos bairros de Recoleta e Palermo, em Buenos Aires, o aluguel costuma ser mais caro e com preços semelhantes a de um apartamento básico em São Paulo. Em média, um casal paga cerca de R$ 3.000 por mês.
“A habitação é o que mais pesa no meu bolso porque eu também escolhi ter uma moradia mais confortável. Poderia ter um preço mais em conta se eu morasse perto do Centro, mas eu preferi ter qualidade de vida”, diz Gabriela.
O brasileiro Enio Nascimento, de 38 anos, que morou por 18 anos na Argentina e enfrentou diversas crises econômicas no país vizinho, também concorda que o aluguel é o que mais impacta o bolso dos brasileiros que lá residem. “É sempre cotado em dólares”, diz.
Durante a pandemia e com o trabalho remoto, ele voltou ao Brasil e vive com sua família no Paraná, de onde continua assessorando brasileiros que desejam estudar na Argentina. Mas pretende voltar a morar no país vizinho no início do próximo ano para terminar o curso de medicina.
No entanto, Enio alerta que, independentemente da desvalorização do peso, os preços são reajustados em dólar.
“O custo de vida de uma pessoa que ganha em reais para se manter na Argentina não muda porque há uma troca de moeda, uma dolarização por parte até da população que já está cotando tudo em dólar. Sempre teve essa influência, o argentino pensa em dólar.”
Enio Nascimento, brasileiro que morou 18 anos na Argentina.
Já a estudante de medicina Paula Garcia, de 23 anos, que trabalha em um restaurante no Caminito, região turística de Buenos Aires, e recebe em pesos, reclama da inflação e da moeda fraca. Para conseguir morar na capital argentina, ela conta que precisa rebolar para arcar com os gastos do quarto que divide com uma colega de faculdade.
“O custo de vida está muito caro, o que ganho não é reajustado com frequência e a desvalorização do peso aumenta meus gastos. Meu maior custo é com aluguel”, reclama.
Riqueza ilusória
Igor Cadilhac, economista do PicPay, alerta que a profunda crise econômica da Argentina vem despertando preocupações em todo o mundo.
“Ao longo dos anos, o país vizinho acumulou uma alta dívida externa, que foi se tornando um fardo significativo à medida que a falta de acesso a empréstimos internacionais a taxas favoráveis agravava a situação de renegociação da dívida. Hoje, os hermanos enfrentam uma inflação que registra 138,3% no ano e uma moeda que parece derreter nas mãos.”
O economista do PicPay diz que a população argentina é quem mais sofre com a situação econômica do país que provocou aumento do desemprego, pobreza generalizada e a deterioração do padrão de vida das famílias argentinas.
No entanto, ele ressalta que, por outro lado, tem quem veja esse momento como uma oportunidade. Ele diz que as notícias sobre instabilidade cambial têm atraído milhares de turistas que buscam um destino onde sua moeda está valorizada.
“A ilusão do câmbio pode levar o viajante a achar que tudo é uma maravilha, mas uma moeda estar mais valorizada que a outra não necessariamente garante um maior poder de compra. É importante entender que existe uma diferença de precificação entre os setores e que, em muitos casos, uma variedade monetária pode auxiliar na barganha”, explicou.
O economista afirma que a “sensação de riqueza dos brasileiros na Argentina por conta do câmbio é real, mas ilusória em parte”.
“Ilusória em parte porque a Argentina enfrenta uma inflação alta. Isso significa que os preços dos produtos e serviços estão subindo muito rapidamente. Portanto, embora os brasileiros possam comprar mais coisas na Argentina com seus reais, o poder de compra desses reais está diminuindo rapidamente”, disse.
Igor Cadilhac.
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