As criptomoedas surgiram no início do século 21 em meio às incertezas econômicas desencadeadas pela crise financeira de 2008. No começo, enfrentaram ceticismo e fortes críticas. O Bitcoin (BTC), pioneiro e mais famoso entre elas, foi por anos taxado como “coisa de nerd“, esquema de pirâmide e até como ferramenta para lavagem de dinheiro.
Com o tempo, no entanto, essas percepções começaram a mudar. As criptomoedas deixaram para trás a imagem de tecnologia duvidosa e conquistaram espaço nos portfólios de investidores e nas mesas de reguladores e governantes. Tem até país que adotou um criptoativo como moeda oficial.
Neste guia, o InvestNews explica o que são as criptomoedas, como funcionam, quais as principais do mercado, como investir nelas com segurança e por que elas vêm ganhando tanta popularidade.
O que são criptomoedas?
As criptomoedas são uma espécie de dinheiro virtual que permite transferir valores sem a necessidade de intermediários, como bancos ou empresas de remessas internacionais, por exemplo. Essa definição foi dada por Satoshi Nakamoto, pseudônimo do criador do Bitcoin, no whitepaper (manual) do projeto, publicado em 31 de outubro de 2008.
Diferente das moedas fiduciárias, que são emitidas por um banco central, as criptomoedas são descentralizadas — ou seja, não são controladas por governos. Elas funcionam dentro de um sistema chamado blockchain e são protegidas por criptografia, um método de segurança. “Existem diversos mecanismos que asseguram uma série de fatores para prevenir fraudes e outras atividades maliciosas”, explica Sebastián Serrano, CEO e cofundador da Ripio, uma das maiores plataformas de criptoativos da América Latina.
O que é Blockchain?
A blockchain é uma espécie de banco de dados gigante semelhante a um livro contábil virtual. Ela registra a movimentação de criptomoedas dos usuários. Se a Maria, que mora no Brasil, envia um Bitcoin para João, no Canadá, essa transação fica registrada nesse sistema. As blockchains do Bitcoin e das principais criptomoedas do mercado são públicas — ou seja, qualquer um pode ver as transações, mas sem alterar.
Para visualizar esse sistema, imagine uma sala cheia de cofres transparentes, organizados lado a lado e ligados entre si. Todo mundo pode dar uma olhada no conteúdo de cada cofre, mas apenas o dono da chave tem acesso. O Bitcoin que a Maria enviou para o João fica em um desses cofres, chamados de blocos. Como não há governo ou empresa por trás, quem cuida das transferências são os “mineradores” — pense neles como supercomputadores trabalhando dia e noite sem parar. Existem milhares deles espalhados pelo mundo.
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Como as criptomoedas são criadas?
Sabe os mineradores do tópico acima? Como recompensa pelo trabalho, eles ganham novos bitcoins. O processo todo recebe o nome de mineração. Atualmente, por cada bloco com finalizado, eles recebem 3,125 unidades de Bitcoin (esse valor é reduzido a cada quatro anos, o que torna a cripto escassa). É esse pagamento que mantém a emissão de novas moedas digitais. Conforme as regras de Nakamoto, apenas 21 milhões unidades podem ser mineradas, algo que deve ocorrer lá por volta do ano 2.140.
Mas não pense que a mineração é algo simples. Os mineradores competem entre si, resolvendo cálculos matemáticos, para confirmar as transações no bloco. Quanto maior poder computacional, mais chances de acertar o resultado e levar as criptos. No início da história do Bitcoin, era possível participar da competição com um PC comum em casa. Hoje, no entanto, os mineradores têm fazendas maiores do que campos de futebol lotadas de equipamentos.
Com o surgimento de novas blockchains e criptomoedas, outras maneiras de criar ativos digitais também foram desenvolvidas — algumas extremamente simples. Há, por exemplo, sites que dão aos usuários a possibilidade de gerar novos tokens a partir de formulários que pedem nome da nova criptomoeda, ticker (como o de uma ação), suprimento e em qual blockchain vai rodar. Algumas das redes que permitem isso são Ethereum (ETH), Avalanche (AVAX), BNB Chain (BNB), Polygon (MATIC), entre outras.
Para que servem as criptomoedas
As criptomoedas servem para transferir valores diretamente para uma pessoa, assim como idealizou Nakamoto. No entanto, mais do que uma moeda de troca, os criptoativos também se transformaram em ativos de risco, presentes tanto na carteira de investidores institucionais como de varejo.
A EY-Parthenon, braço de consultoria global da Ernst & Young, realizou em 2023 uma pesquisa com mais de 250 instituições sobre ativos digitais. Do total, 93% disseram acreditar no valor de longo prazo das moedas virtuais e 35% afirmaram alocar entre 1% e 5% em criptomoedas ou em produtos relacionados ao setor.
O cenário entre os investidores de varejo é semelhante. Divulgada em abril de 2024, a 7ª edição do Raio X do Investidor Brasileiro, da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), mostrou que 4% dos brasileiros investiram em criptomoedas em 2023, ante 3% no ano anterior. “É possível notar uma mudança de comportamento da população em relação às moedas digitais, que avançaram pelo segundo ano seguido”, diz a pesquisa, que ouviu 5.814 pessoas, a partir de 16 anos.
Tipos de Criptomoedas
No geral, as criptomoedas podem ser enquadradas em três categorias, segundo órgãos regulatórios, consultorias globais e players do setor. Essa divisão, no entanto, não está escrita em pedra. É possível, ainda, que o mesmo ativo digital seja classificado em mais de um tipo.
Criptomoedas ou payment tokens: O principal objetivo delas é replicar as “funções de moeda, notadamente de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor”, de acordo com o parecer de orientação nº 40 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O Bitcoin se enquadra nesta categoria.
Utility tokens ou ou tokens de utilidade: São criptoativos que fornecem aos usuários acesso a determinados produtos ou serviços. Os fan tokens (criptomoedas emitidas por times de futebol) são exemplos desta categoria. Eles funcionam como programas de sócio-torcedor e dão aos detentores uma espécie de cartão fidelidade virtual para participar de decisões dos clubes, promoções e outras ações.
Tokens referenciados em ativos ou security tokens: Representam um ou mais ativos. As stablecoins, que são criptomoedas pareadas em outros ativos, como dólar e ouro, são um exemplo. Aqui também entram os “security tokens” (criptoativos que podem ser considerados valores mobiliários) e também os tokens não fungíveis (NFTs).
Quais as principais criptomoedas?
O Bitcoin é a principal criptomoeda no mercado, mas não é a única. Outras altcoins (termo usado para identificar qualquer criptoativo diferente do Bitcoin) foram criadas nos últimos anos e também conquistaram espaço. Veja quais são as moedas digitais mais importantes.
Bitcoin: Criada em 2008 por Satoshi Nakamoto, cuja identidade permanece um mistério, o Bitcoin é a criptomoeda com maior valor de mercado. Apesar de ter sido concebido como uma forma de dinheiro digital que permitiria transações diretas entre pessoas, sem intermediários, evoluiu ao longo do tempo também para um ativo de risco.
Ethereum: É a segunda criptomoeda mais valiosa do mundo, atrás apenas do Bitcoin. Foi idealizada pelo programador russo-canadense Vitalik Buterin, em 2013, mas só foi lançada em 2015. Sua blockchain foi pioneira ao permitir que outros desenvolvedores pudessem criar aplicações — como plataformas de empréstimos, sites de compras online e outras criptomoedas — por meio de smart contracts (espécie de contrato programável com códigos).
Tether: Lançada em 2014, o Tether é a primeira stablecoin do mercado. Cada cripto é projetada para manter paridade com a moeda dos Estados Unidos, sugerindo que existe um dólar em reserva para cada token emitido. Nos últimos anos, o projeto foi alvo de críticas por causa da falta de transparência sobre a quantidade real de reservas em dólares. A stablecoin foi criada pelo empreendedor americano e ex-ator mirim Brock Pierce.
BNB Chain: É o token da Binance, a maior exchange de criptomoedas do mercado. Foi lançado em 2017 e passou por reformulações em 2019, ganhando uma roupagem semelhante a do Ethereum. Sua blockchain também permite que desenvolvedores criem aplicativos em cima dela, como plataformas de empréstimos e novos ativos digitais.
Solana: Foi projetada pelo cientista da computação Anatoly Yakovenko em 2017, mas sua entrada no mercado aconteceu apenas em 2020. A plataforma inclui funcionalidades compatíveis com o Ethereum, permitindo o desenvolvimento de contratos inteligentes e aplicativos. Por ter uma infraestrutura que possibilita grande volume de transações por segundo, atraiu muitos desenvolvedores.
Dogecoin: É a primeira memecoin (criptomoeda inspirada em memes ou piadas) do mercado. Foi criada como um brincadeira no final de 2013, pelos programadores Billy Markus e Jackson Palmer, para criticar o frenesi em torno das moedas digitais. No entanto, a Dogecoin atraiu uma enorme base de fãs — incluindo o CEO da Tesla e SpaceX Elon Musk — e se tornou uma das maiores criptomoedas do mercado.
Como investir em criptomoedas?
Há três principais maneiras de comprar em criptomoedas. Via exchanges (semelhantes a corretoras de valores); na bolsa de valores, por meio de ETFs (fundos de índice) com exposição ao Bitcoin e outras criptos; e diretamente de outros usuários, em negociações peer-to-peer (P2P), ou ponto a ponto, na tradução para o português.
Exchanges: Nas corretoras, basta fazer um cadastro e abrir uma conta. Elas normalmente pedem alguns dados, como CPF, data de nascimento e e-mail. Na sequência, basta transferir dinheiro do banco e escolher as criptos. Normalmente, as contas nas exchanges não têm custos de manutenção e custódia. No entanto, elas cobram taxas para negociações. É a maneira mais popular para investir em criptomoedas.
ETFs: São fundos de investimento negociados na bolsa de valores. Na B3, há tanto ETFs locais com exposição ao Bitcoin e outras criptomoedas como BDRs (títulos emitidos no Brasil, mas com lastro em papéis de empresas negociadas no exterior) de ETFs dos EUA. Esses produtos normalmente cobram taxas de administração. Além disso, como são negociados em bolsa, há taxas de corretagem e de custódia.
P2P: É uma forma de negociar criptomoedas diretamente entre duas pessoas, sem intermediários, como bancos ou exchanges. Os termos da negociação e os preços são decididos pelos interessados. Por isso, a transação pode ser mais barata quando comparada a exchanges. Nos primeiros anos do mercado, compradores e vendedores de criptomoedas se conheciam em redes sociais ou grupos, o que deixava esse tipo de negociação arriscada, visto que não havia garantia de transferência. Mais recentemente, no entanto, plataformas que conectam interessados em compras e vendas foram criadas. Algumas oferecem retenção das criptos negociadas até a finalização da transação.
É seguro investir em criptomoedas?
Um estudo publicado no início de 2024 pelo CoinGecko, um dos principais agregadores de dados sobre criptos do mundo, revelou que 50% dos cerca de 24 mil tokens listados em sua plataforma desapareceram, seja porque eram golpes disfarçados de ativos digitais ou porque não conseguiram prosperar diante da concorrência.
Por causa da facilidade na criação de criptomoedas e do número de criptos que não conseguem se firmar, especialistas recomendam que, antes de investir em qualquer ativo, a pessoa conheça bem a moeda digital, como ela funciona, qual seu propósito, por qual motivo tem seu valor e qual a idoneidade das empresas e pessoas por trás do projeto. “É preciso fazer um filtro da criptomoeda. Não garante sucesso, mas elimina chances de riscos e golpes”, diz Felippe Percigo, professor de MBA em Finanças Digitais e cofundador da Liqi Digital Assets.
Além da pesquisa, os investidores também devem levar em consideração outros riscos, a começar pela volatilidade, segundo especialistas. Estudo publicado pela Fidelity Digital Assets mostra que, entre o início de 2020 e o começo de 2024, o Bitcoin foi de três a quase quatro vezes mais volátil do que vários índices de ações, como S&P 500, índice de small caps dos EUA, entre outros. Para não ser injusto, a mesma pesquisa mostrou que a volatilidade da cripto se assemelha a algumas big techs, como Tesla e Nvidia — em alguns casos, é até menor.
“As criptomoedas são conhecidas por sua alta volatilidade. Por isso, é importante investir apenas o que está disposto a perder e diversificar suas opções em diferentes moedas e projetos. Vale considerar também investir de forma gradual para mitigar riscos de preço”, disse Fernando Pereira, analista da exchange de criptomoedas Bitget.
O que impacta o preço das criptomoedas?
Existem diversos fatores que podem influenciar a variação de preços das criptomoedas, segundo Serrano, da Ripio. “Assim como em outros mercados, a balança entre oferta e demanda é sempre muito relevante para determinação do preço de um ativo. Por exemplo, no caso do Bitcoin, existe um mecanismo chamado halving”.
O halving é um evento programado na rede do Bitcoin que, a cada quatro anos, diminui pela metade a quantidade de novas moedas emitidas como recompensa para os mineradores. “A cada halving, a oferta de novos bitcoins é reduzida, o que invariavelmente torna o ativo mais escasso e, por tanto, mais valorizado. Quando há muitos investidores buscando por um ativo e pouca oferta de venda, naturalmente o preço tende a subir”, fala Serrano.
Assim como no mercado tradicional de capitais, novas tecnologias e desenvolvimentos também podem influenciar o preço de uma criptomoeda, segundo Serrano. “Notícias sobre novos acontecimentos, sejam elas positivas ou negativas, também podem impactar diretamente na precificação de um ativo. Novas regulamentações governamentais, alteração da taxa de juros de um determinado país, crescimento da adoção cripto pelo consumidor final, toda e qualquer nova informação é relevante para indicar o crescimento ou a redução do preço de um ativo”.
Por que as criptomoedas são tão populares?
As criptomoedas ficaram populares porque saíram do mundo digital para o real, inclusive na mesa de governantes. Em 2021, El Salvador transformou o Bitcoin em moeda oficial, ao lado do dólar. A medida não foi muito bem vista por órgãos internacionais nem pela população, mas a moeda mantém o posto de oficial até hoje.
Gigantes do mercado financeiro, que antes criticavam as criptomoedas, também se renderam à tecnologia. A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, lançou seu próprio ETF de Bitcoin no início de 2024, atraindo tanto investidores do varejo como institucionais. O IBIT, seu fundo de índice, é um dos maiores detentores de criptomoedas do planeta.
Além disso, nas eleições americanas de 2024 as criptomoedas também viraram tema de campanha política, o que as aproximou ainda mais do público. O republicano Donald Trump, também um antigo crítico do setor, abraçou definitivamente a indústria cripto e disse que gostaria de “transformar os Estados Unidos em uma superpotência de Bitcoin”.
As criptomoedas são reguladas?
Por causa da popularização das criptomoedas, diversos países criaram regulamentações próprias para o setor. No Brasil, a lei que regulamenta as moedas digitais é a 14.478/22, conhecida como o Marco Legal das Criptomoedas. Conforme essa legislação, o Banco Central é o regulador do segmento. A CVM também pode agir, mas só tem competência regulatória se o ativo digital for considerado um valor mobiliário, como um contrato de investimento coletivo ou um certificado de recebível tokenizado (um título de renda fixa transformado em token).