Economia
Crise do clima cobra ‘fatura’ do mundo
Além das perdas humanas, prejuízos econômicos estão acontecendo e mostrado que a conta do aquecimento global não para de subir.
Uma das piores secas já registradas no país e duas semanas consecutivas com geadas devastadoras. Enchentes que mataram mais de 200 pessoas na Alemanha e na Bélgica. Queimadas nos Estados Unidos e no Canadá. Seca também em Taiwan e chuvas na China.
São vários os desastres climáticos ocorrendo simultaneamente em diferentes partes do mundo. Além das perdas humanas, eles têm causado prejuízos econômicos e mostrado que a conta do aquecimento global não para de subir.
No Brasil, uma combinação de seca e geada reduziu as safras de milho, café e cana-de-açúcar, entre outras lavouras.
Nos EUA, o preço da madeira aumentou por causa das queimadas registradas na costa oeste. Na Alemanha, as indústrias química e siderúrgica tiveram prejuízos por não conseguirem escoar mercadorias pelo Rio Reno e, em Taiwan, a seca prejudicou a produção de semicondutores – cuja fabricação é intensiva em uso de água – e colaborou para que esses chips se tornasses escassos no mundo todo (veja abaixo).
Só a seca e a geada no Brasil devem reduzir a safrinha de milho deste ano de 110 milhões de toneladas – volume esperado inicialmente – para 80 milhões, uma queda de 27,3%.
Com o aumento acelerado da demanda global pela commodity e as perdas no país, que é o terceiro maior produtor de milho do mundo, o preço da saca aumentou 100% em um ano.
Prejuízo para 2022
A geada também reduziu as safras de cana-de-açúcar e café. No caso do café, a queda deve ser de pouco mais de 10%, de 48 milhões de sacas para 43 milhões. Essa redução fez o preço subir 20% em um mês, atingindo o recorde em sete anos no dia 28 de julho, quando a saca foi cotada a US$ 207,73.
Na cana, a redução decorrente apenas da geada deve ficar em 7%, de 570 milhões de toneladas esperadas para o Centro-Sul do País para 530 milhões. “O impacto não vai ser só nesta safra, vai se carregar para as próximas, porque parte da cana foi queimada e terá de ser cortada”, afirma o analista Rodrigo Almeida, do Santander.
Almeida destaca que o impacto dos eventos climáticos se estenderá à pecuária, pois o pasto, que já estava com qualidade ruim por causa da seca, também queimou nas geadas. Os produtores terão, portanto, de aumentar a participação da ração na alimentação dos animais.
O problema é que as rações costumam ser feitas com milho. “Com a queda na safra, será desafiador alimentar o boi com ração. O custo vai aumentar. E porcos e frangos também são alimentados com milho”, lembra o analista.
Geadas e secas que dizimam produções não são uma novidade, mas a sucessão de eventos climáticos extremos tem surpreendido até os especialistas da área. “A intensidade desses eventos também tem chamado atenção. Estamos assustados. A sensação do cientista do clima é que, mesmo quando se previa um cenário pessimista, ele ainda era suave comparado com a intensidade do que estamos tendo”, diz o professor Francisco Aquino, do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Aquino explica que a maior ocorrência de desastres climáticos cada vez mais intensos é consequência direta do aquecimento global, dado que uma atmosfera mais quente provoca circulação mais rápida de massas na atmosfera. Isso, por sua vez, gera esses eventos. O professor lembra que a temperatura média hoje é 1,2º C maior do que a de 1990.
Crise hídrica
Na avaliação do economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados, a seca no centro-sul do país e seus impactos econômicos são o principal indicador da gravidade da situação.
Ele destaca as perdas não só nas produções de milho e cana, mas também os impactos que a falta de água terá na economia. “Estamos correndo sérios riscos na produção de energia elétrica no fim do ano. Os reservatórios estão se esvaziando rapidamente e isso tem impacto na inflação. Precisa ser muito distraído para não perceber que tem uma questão climática mais sistemática que está afetando o mundo inteiro e nós também”, diz.
Para o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, porém, a alta atual no preço dos alimentos não decorre de problemas climáticos, mas da pandemia. Isso porque, com o coronavírus, alguns países importaram maiores volumes de commodities para se precaverem de uma eventual falta de alimentos, o que pressionou cotações.
O problema foi ainda agravado porque, antes do aparecimento do vírus, os estoques de grãos no mundo já estavam em um patamar baixo, acrescenta Rodrigues. “As questões climáticas sempre tiveram influência na demanda e na oferta (de commodities), de modo que sempre influenciaram os preços. Mas desta vez a pandemia interferiu muito mais”, diz.
Perdas e danos
Milho
Um dos produtos que mais tem sofrido com a seca, o milho chegou a ter a saca cotada a US$ 20, patamar inédito. O preço já vinha avançando com o crescimento da demanda global. Com a seca e as geadas no Brasil – o maior exportador da commodity -, a oferta global caiu.
“Não lembro de uma seca tão forte como essa”, diz o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho, Cesario Ramalho. O analista Rodrigo Almeida, do Santander, também afirma nunca ter visto um impacto tão significativo de uma geada como ocorreu no Paraná. “Dados indicam que só 6% da área cultivada no Estado estão em boas condições.”
Café
Desde o começo do ano, a saca do café passou de US$ 117 para US$ 190. Na moeda local, o aumento foi de cerca de R$ 600 para R$ 1.000. “R$ 200 foi por causa da seca e R$ 200, da geada”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Celírio Inácio. De acordo com a entidade, desde 1994 a produção da café do País não tinha perdas tão significativas como as do mês passado.
Madeira
Nos EUA, o preço da madeira vinha recuando após subir vertiginosamente por causa do aquecimento no setor imobiliário, impulsionado pelos incentivos econômicos do governo durante a pandemia e pelas mudanças de hábito na quarentena. Um incêndio no Oeste do país e do Canadá, no entanto, prejudicou a oferta do produto. Indústrias do setor tiveram de parar também devido a dificuldades logísticas provocadas pelo fogo. Em apenas quatro dias, o preço do produto subiu 12%. A queda na demanda, porém, estabilizou a cotação.
Indústria
As chuvas na Alemanha paralisaram parte da navegação no Rio Reno, um importante canal de escoamento para a indústria química e siderúrgica da Europa. O preço do transporte de mercadorias acabou subindo na região.
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