Economia

Existe risco de faltar combustível no Brasil? Entenda em 7 pontos

Depois que a Petrobras reportou demanda maior que a capacidade de produção, distribuidoras falam em risco de desabastecimento.

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Novembro se iniciará com uma dúvida: vai ter diesel e gasolina suficientes para o mês no Brasil? Um alerta feito pela Petrobras (PETR3 e PETR4) em outubro informou que a demanda neste mês deve ser maior que a capacidade de oferta da empresa. Para especialistas ouvidos pelo InvestNews, a possibilidade de desabastecimento de combustível no Brasil é real, mas algumas medidas poderiam amenizar o risco. 

Nesta sexta-feira (29), a os estados aprovaram o congelamento do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado nas vendas de combustíveis por 90 dias para mitigar a alta dos preços ao consumidor final, na bomba dos postos de gasolina. A decisão foi tomada pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

A medida visa aliviar o aumento de preços para o bolso do consumidor, mas os receios em relação ao abastecimento permanecem. Entenda abaixo em 7 perguntas e respostas o risco de desabastecimento de combustível:

Por que existe o receio de desabastecimento de combustível?

Na segunda metade de outubro, a Petrobras afirmou em comunicado que recebeu uma “demanda atípica” de pedidos de fornecimento de combustíveis para novembro, muito acima dos meses anteriores e de sua capacidade de produção, e que apenas com muita antecedência conseguiria atendê-los.

O anúncio veio depois de as distribuidoras afirmarem que existe risco de desabastecimento de combustível no mercado porque a Petrobras teria feito “uma série de cortes unilaterais nos pedidos feitos para fornecimento de gasolina e óleo diesel para o mês de novembro”, conforme comunicado da Associação das Distribuidoras de Combustíveis (BRASILCOM). 

A petroleira, por sua vez, afirma que “segue atendendo os contratos com as distribuidoras, de acordo com os termos, prazos vigentes e sua capacidade”. 

A Petrobras recebeu demanda maior do que pode atender. Mas todo o combustível que o Brasil consome vem da Petrobras?

Não. Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), explica que “hoje, as refinarias da Petrobras conseguem abastecer 80% do mercado brasileiro, e 20% é importado”. “Você está importando uns 10% de gasolina e uns 25% de diesel. Então, as distribuidoras e importadores vão importar porque, se não importarem e a Petrobras também não importar, tem o risco de desabastecimento”, diz Pires. 

Então por que as distribuidoras simplesmente não importam todo o diesel e a gasolina que faltam para atender à demanda de novembro?

Porque, mesmo tendo subido com força para o consumidor, os preços da gasolina e do diesel no Brasil estão abaixo do que é praticado no mercado internacional. Assim, não faz sentido para o importador comprar combustível de fora para vendê-lo no Brasil por um preço inferior, já que ele teria prejuízo.

O preço médio do diesel nas refinarias do Brasil está 19% abaixo do valor no Golfo do México (EUA). Para a gasolina, a diferença está negativa em 21%. Os números foram calculados pelo CBIE em 18 de outubro.

Existe mesmo risco de desabastecimento?

Para representantes das distribuidoras e para os especialistas ouvidos pelo InvestNews, sim. 

A BRASILCOM, que representa as distribuidoras, diz que o país está “em situação de potencial desabastecimento” porque as empresas não conseguem compensar a lacuna de produção da Petrobras com importações, justamente pela diferença de preços. 

Pires, do CBIE, diz que “é óbvio que existe uma chance de desabastecimento, por menor que ela seja, porque está havendo uma incerteza”. A dúvida é se a Petrobras irá importar o volume faltante para abastecer o mercado e vender a preço mais baixo que as cotações internacionais. 

“As próprias distribuidoras e importadores, para que elas consigam abastecer o mercado, é preciso que elas realmente tenham a certeza de que volume a Petrobras tem hoje para abastecer o mercado e se realmente essa diferença a Petrobras não vai importar”, diz Pires. 

O economista Igor Macedo de Lucena, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs, também chama atenção para esse impasse e aponta diversos fatores que fazem com que “o desabastecimento se torne uma possível realidade”. Para ele, um dos principais é o “monopólio na prática” da Petrobras sobre o refino no Brasil “Porque, apesar de termos 34 empresas explorando petróleo bruto, a Petrobras é dona de 95% de todas as refinarias.” 

“A gente só poderia sair dessa operação quando tivesse regras pelas quais a Petrobras ficasse impossibilitada de vender abaixo de preços de mercado o petróleo refinado, gasolina, diesel. E que efetivamente houvesse incentivos para outros refinadores internacionais”, diz Lucena.

Por que o preço do combustível no Brasil não para de subir?

Apesar da forte alta da cotação do petróleo lá fora, especialistas ouvidos pelo InvestNews apontam que o avanço do dólar sobre o real é a vilã da vez para a alta dos preços nas bombas

A Petrobras reajusta os preços cobrados nas refinarias periodicamente, em uma política de preços que busca acompanhar as cotações no mercado internacional. Para isso, a empresa leva em consideração fatores como a cotação do petróleo no exterior e o câmbio. 

Em 2021 até agora, o preço da gasolina nas refinarias acumula alta de 73% e do diesel, de 65%. Já o barril do Brent, referência no mercado internacional, tem alta perto de 65% e o WTI, petróleo nos Estados Unidos, de quase 75%. O dólar, por sua vez, já subiu 7,41% sobre o real neste ano. 

“Se eu fosse te dizer hoje qual é o principal responsável pela gasolina, pelo diesel, pelo botijão de gás estarem tão caros, é muito mais câmbio do que preço do barril lá fora”, diz Pires. 

Lucena concorda. Ele afirma que, de fato, existe uma pressão dos preços do barril de petróleo, “mas o preço não está elevado para que nós estejamos pagando o que estamos pagando em reais”, com várias cidades registrando preço médio por litro de gasolina acima de R$ 7

“Não só quando o preço do barril de petróleo aumenta, mas quando a gente tem uma desvalorização do nosso câmbio, o custo desse petróleo em reais aumenta ainda mais”, diz Lucena. “O problema é que a gente não consegue resolver nossos problemas macroeconômicos. A gente não avança nas reformas, está fazendo uma política fiscal na base da gambiarra, e todos esses efeitos fazem com que o poder de compra do real seja desvalorizado.”

O preço da gasolina e do diesel vai cair?

Para os especialistas, é improvável que isso aconteça no curto ou médio prazo, já que não há sinais de alívio do câmbio por enquanto e ainda há defasagem entre as cotações internacionais e os preços praticados pela Petrobras aqui. 

Nesse cenário, o governo tem buscado mexer no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos estados, para tentar baixar o preço dos combustíveis nas bombas. Segundo a Petrobras, o ICMS responde por 27% da composição do preço da gasolina ao consumidor e 15% do diesel, aproximadamente.

Há duas semanas, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que torna fixo o ICMS incidente sobre os combustíveis, mudança defendida pelo pelo presidente Jair Bolsonaro, mas ainda não há sinais de avanço no Senado, em meio a reclamações de governadores por perda de arrecadação. 

De qualquer maneira, os especialistas não acreditam que a alteração do ICMS deve mudar a tendência de alta do preço da gasolina e do diesel, já que o dólar deve continuar pressionando.

“Se a gente tiver o preço do barril de petróleo caindo e continuar com a desvalorização cambial, o efeito (da queda do petróleo) vai ser nulo do ponto de vista da ponta do consumidor. É como essa mudança de ICMS. Se a gente tiver uma mudança de ICMS que baixe 10 centavos na bomba e tiver mais desvalorização cambial, na outra semana esse valor vai ser reajustado de novo”, diz Lucena, completando que a Petrobras ainda tem espaço para aumentar os preços ainda mais em busca da correção da defasagem.

Pires também não vê possibilidade de queda dos preços, embora não acredite que a Petrobras vá  subir muito mais os valores nas refinarias. “Não vejo tendência de o preço do petróleo cair e nem do câmbio diminuir a depreciação do real frente ao dólar. Vejo o contrário, trajetória de crescimento do barril de petróleo e trajetória de aumento da desvalorização do real frente ao dólar. Então, isso vai fazer com que as defasagens da Petrobras cresçam. O problema todo é o seguinte: ela não tem, digamos assim, condições políticas. Como a Petrobras vai anunciar hoje um aumento de 15% na gasolina e 18% no diesel? Não tem clima político para isso.”

Quais as possíveis soluções para não haver risco de desabastecimento de combustível?

Para Pires, uma saída seria a Petrobras comercializar sua produção de combustíveis refinados seguindo seus preços atuais sem importar nenhuma quantidade extra. Enquanto isso, apenas empresas privadas importariam o volume que faltasse para atender o mercado. 

As empresas privadas venderiam o combustível a um valor mais caro, já que teriam comprado pelo preço internacional. Mas, dessa forma, a composição do preço final médio nas bombas faria com que ele subisse menos para o consumidor final do que pode acontecer se a Petrobras alcançar a paridade internacional.

“Talvez uma solução enquanto essa volatilidade estiver muito grande seja essa que está acontecendo hoje no mercado: a Petrobras para de importar produto, vai assumir uma defasagem. De vez em quando, se der, ela vai aumentar um pouquinho, mas não vai conseguir zerar a defasagem. Deixa o importador privado comprar a diferença e aí o preço médio vai ser menor do que se ela zerasse a defasagem”, resume Pires. 

Já Lucena defende leilões de refinarias da Petrobras. “Se a gente tiver vendas de refinarias, é uma oportunidade porque a gente vai ter um mercado concorrencial. Mas, se a Petrobras não for impedida legalmente de realizar operações de dumping, ou seja, vender gasolina e diesel mais barato que o preço de custo, não vai ser efetivo, não vai ter ninguém nesses leilões para comprar refinaria. Então, a ANP tem que definir regras mais firmes”, diz o economista, referindo-se à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

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