Economia
Primeira-ministra do Reino Unido inicia gestão com inflação e crise energética
Liz Truss anunciou medidas como teto para contas de energia; especialistas apontam riscos.
Empossada como nova primeira-ministra do Reino Unido um dia antes da morte da rainha Elizabeth, Liz Truss, do Partido Conservador, tem um enorme desafio pela frente. Isso porque a região formada por Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte enfrenta um período de preços elevados e crise energética, com risco eminente de desabastecimento.
Ao tomar posse, Liz afirmou vai fazer o possível para reaquecer a economia inglesa e ajudar as famílias para que não sofram com a crise enérgica no inverno. Inclusive, já anunciou algumas medidas para tentar reverter o cenário, como estabelecer um valor teto na conta de energia paga por consumidores e empresas.
A iniciativa, porém, é considerada “desesperadora” e pode, inclusive, contribuir para a “elevação dos juros”, segundo especialistas.
Isso porque o pacote de Truss, financiado por empréstimos do governo, pode custar ao Reino Unido cerca de 150 bilhões de libras. Essa possibilidade, inclusive, contribuiu para a moeda atingir a cotação mínima desde 1985 perante o dólar.
Em contrapartida, para Régis Chinchila e Luis Novaes, analistas da Terra Investimentos, além do perfil mais maleável, a escolha de Liz Truss pelo Partido Conservador foi fundamentada na crença de que ela é o melhor nome para lidar com problemas atuais de forma rápida.
“O que a habilita para lidar com as pressões de uma oposição que se vê num momento conveniente, aos que muitos chamam de um dos piores desde que o partido chegou ao poder”, comenta a dupla.
Os problemas do Reino Unido
É fato que a pandemia da covid-19 e o conflito entre Rússia e Ucrânia afetaram o fornecimento de diferentes insumos. Os países do Ocidente adotaram sanções (penalidades) contra a Rússia, com objetivo de enfraquecer o país – dentre as mais recentes está a definição de um teto de preço para o gás russo.
O Reino Unido, por exemplo, vetou a exportação de tecnologia, além do combustível para avião. “Foram decisões tomadas no calor do momento, sendo que a Rússia não perdeu tanto como se imaginava”, avalia Pedro Brites, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
A situação causou um efeito reverso. A Rússia, por sua vez, que fornecia 40% do gás consumido pela Europa, cortou o envio do insumo. O país nega que seja uma retaliação e diz que as sanções Ocidentais é que acarretaram em problemas de fornecimento.
O gás escasso torna tudo mais caro. Não à toa, o índice de inflação do Reino Unido atingiu uma taxa anualizada de 10,1%, a maior em quatro décadas. E a previsão do Bank of England é que alcance 13,2% no fim do ano.
Para efeito de comparação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicado que mede a inflação do Brasil, atingiu 8,73% nos últimos 12 meses terminados em agosto, podendo chegar a 6,61% até o fim do ano, de acordo com o último Boletim Focus do Banco Central.
O quadro tem refletido no desempenho da moeda do Reino Unido. Na ultima semana, a libra esterlina britânica recuou para o seu nível mais baixo em relação ao dólar norte-americano desde 1985.
“Há um fluxo internacional de investimentos migrando de outras regiões do mundo para os Estados Unidos pela reserva de valor que o dólar tem, e a libra deixa de ser tornar tão importante nas negociações com outros países, além disso a inflação maior faz com que a moeda perca valor”, explica o professor da FGV.
Brites reiterou que a situação atual – de instabilidade no plano social – tem familiaridade com a enfrentada no início dos anos 1980, quando Margareth Thatcher se tornou primeira-ministra mulher do país.
Medidas anunciadas
Liz Truss afirmou ter três prioridades de curto prazo: estimular a economia a partir de corte de tributos, tomar uma decisão com relação às contas de energia e promover o serviço nacional de saúde.
Dentre as medidas já anunciadas está o teto para as contas de energia, que limitará os preços de energia para residências e empresas em 2,5 mil libras por ano, a partir de outubro, pelos próximos dois anos – valor abaixo do projetado de 3,5 mil libras.
De acordo com informações da agência Reuters, Truss disse ao parlamento que este é o “momento de ser ousado”.
“São medidas desesperadas para resolver questões mais profundas da crise energética. A Europa está próxima de enfrentar um inverno sem saber se vai dar conta”
Pedro Brites, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Para Brites, o Reino Unido precisa ampliar os apoios comerciais, com a própria Europa, além de outros países como China, Japão e a Índia e adotar um melhor gerenciamento da distribuição de energia no país.
“Faltam motoristas de caminhão para abastecer os postos de combustíveis, por exemplo, e é algo que só depende do próprio governo britânico mudar”.
Fabio Fares, especialista em análise macro da da Quantzed, avalia que embora seja um mal necessário, já que há 40 anos o Reino Unido não enfrentava uma inflação nos níveis atuais, o congelamento de preços pode onerar os cofres públicos do país no médio prazo.
“Principalmente porque não se sabe quanto tempo a guerra vai durar. E quanto mais ela durar, mais a energia ficará alta, e quanto mais tempo o governo arcar com essa diferença, maior vai ser essa conta lá na frente”, diz.
A primeira-ministra também mencionou a criação de um fundo de 40 bilhões de libras para fornecer liquidez as empresas de energia, para que custos não sejam totalmente repassados.
Liz Truss prometeu ainda estimular o setor de petróleo, ao manter alíquotas tributárias e permitir novas perfurações no Mar de Norte, indicando aumento de uso do petróleo como fonte geradora de energia.
Analistas da Terra Investimentos chamaram a atenção para os gastos que decorrerão das iniciativas anunciadas até agora. “Alguma centenas de bilhões serão necessárias para cobrir essas medidas, o que deve gerar impactos na taxa básica de juros e, por consequência, nos mercados e na libra“, avaliaram os analistas da Terra Investimentos.
Segundo Fares, da Quantzed, o banco central inglês deve subir os juros em mais 0,5% na próxima reunião, o que levaria o juros para 2,25% ao ano dos atuais 1,75%.
“Há um barulho sobre um possível aumento de 0,75% por causa da crise energética. Mas a maior chance mesmo é de aumento ser em 0,5% mesmo por já estarem na frente nesse processo de alta e os EUA já deixaram claro que vão dar um aumento de 0,75% na próxima reunião do Fed”.
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