Economia
Moeda única para comércio entre países do Brics ainda é ideia distante
Avaliação é de especialistas que apontam que diferenças econômicas e monetárias entre as nações devem dificultar o processo.
Entre as novas propostas de relações com o exterior sugeridas pelo atual governo do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem defendendo a criação de uma moeda única para o comércio entre os países membros do Banco Brics, para que as nações dependam menos do dólar. Por outro lado, especialistas apontam que a medida seria muito complexa e ainda distante de ser concretizada.
Durante sua viagem à Espanha em abril, Lula afirmou em discurso: “eu sou favorável que a gente crie nos Brics uma moeda de negociação entre os nossos países, como os europeus criaram o euro”. O grupo anunciou que irá debater o assunto.
Não foi a primeira vez que Lula lançou a ideia de uma moeda comum, tendo dito anteriormente em uma viagem à China que tal medida poderia ajudar os países em desenvolvimento a depender menos da moeda dos Estados Unidos.
No início deste ano, ele também havia sugerido que Brasil e Argentina poderiam estabelecer uma unidade compartilhada de valor para o comércio bilateral.
No entanto, especialistas ouvidos pelo InvestNews enxergam a ideia como algo distante de se concretizar. Eduardo Mekitarian, professor de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), explica que, no caso da proposta ir à frente, haverá grande dificuldade para desenvolver a moeda, visto que existem enormes disparidades entre as economias participantes do Banco Brics – como valores de Produto Interno Bruto (PIB), reservas internacionais, taxas de juros e outros.
Todavia, ele não descarta a possibilidade, mas alerta para um prazo mais distante.
“Essa questão de utilizar uma moeda única nas transações comerciais e financeiras não é uma decisão que se toma de um dia para o outro. Leva anos, inclusive, para implementar. A moeda única do euro [por exemplo] precisou de vários processos.”
Eduardo Mekitarian, professor de Economia da FAAP.
Na mesma linha, Josilmar Cordenonssi, professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, menciona que, além da complexidade de criação e de aplicação da moeda, ainda é muito difícil que o recurso possa competir com o dólar.
Como exemplo, ele cita que o euro – que é de um agrupamento de países que criaram uma moeda comum (e que tem uma certa força) – até hoje não têm todos os atributos necessários para competir com o dólar.
“Você não tem uma autoridade fiscal por trás, você tem vários países menores, então isso traz uma certa fragilidade… não tem a mesma solidez do dólar”, pontua o professor, acrescentando que seria o mesmo caso para essa nova moeda.
Relações comerciais com moedas locais
Ainda em busca do uso de uma moeda alternativa ao dólar nas relações comerciais entre os países do Banco Brics, Lula defende que, no caso da não criação de um novo câmbio, uma alternativa seria que as nações fizessem a troca de suas moedas locais.
“Hoje um país precisa correr atrás de dólar para poder exportar, quando ele poderia exportar na sua própria moeda. Os bancos centrais certamente poderiam cuidar disso”, disse Lula em sua viagem à China.
No final de março, Brasil e China fecharam um acordo para deixar de usar o dólar nas operações comerciais entre os dois países, passando a operar em real e yuan, um mecanismo em preparação que deve começar a valer em julho. É um movimento que a China tem tentado fazer com outros países, especialmente do Oriente Médio, na compra de petróleo.
O que esperar da troca de real e yuan?
Para Mekitarian, da FAAP, as relações comerciais com moedas locais trocadas pelo Brasil e China devem trazer dificuldades aos países quando eles forem realizar outras transações financeiras com o resto do mundo.
O fato é que o dólar é globalmente reconhecido como um câmbio seguro e de troca, seguido do euro. Então, se o Brasil e a China começarem a negociar em real e yuan, os países poderão ficar com reservas muito elevadas de suas moedas, o que pode ser prejudicial para as economias porque os recursos não têm a mesma aceitação internacional e liquidez.
Além disso, Cordenonssi, da Mackenzie, comenta que de qualquer forma o valor do yuan e o valor do real vão precisar ter uma referência do dólar. “O dólar vai ser usado como referência para avaliar o quanto você vai trocar de real e yuan”, explica.
Para ele, também é importante se preocupar com as moedas que vão ser alocadas nas reservas internacionais, visto que o ideal é que elas sejam fortes e de países com estruturas jurídicas organizadas.
“Os Estados Unidos são praticamente imbatíveis nesse aspecto porque eles têm uma [mesma] moeda desde sua criação… Então, existe uma força muito grande em relação à moeda. [O país] sempre honrou suas dívidas, nunca teve um histórico de calote”, comenta.
O professor ainda comenta que a decisão de que moeda vai utilizar é do exportador, as empresas brasileiras e chinesas não precisam aceitar isso, conforme diz o novo Marco Legal do Câmbio.
“Não acredito que isso vai dominar inclusive o nosso comércio com a China, acredito que vai ser minoritário. A não ser que traga menores custos.”
Josilmar Cordenonssi, professor de Economia Da Mackenzie.
Do mesmo modo, Arthur Longo Ferreira, sócio do Henneberg, Ferreira e Linard Advogados, acredita que esse processo pode provocar “dificuldades de liquidez, risco cambial e perda de poder da moeda, já que não se utilizaria o dólar, que é uma reserva de valor mundial”.
Mas ele acrescenta que isso seria benéfico para diminuir os custos de conversão das moedas (já que teria uma a menos, que seria a passagem pelo dólar), quando negociado com países que não utilizam o dólar como moeda corrente, além de haver uma facilitação do comércio.
*Com informações da Reuters.
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