Economia
Não é só esporte: 80% da receita das bets vem de jogos de cassino virtual
Informação é da ANJL; regulação das apostas esportivas e jogos online deve ser votada na Câmara esta semana.
À primeira vista, as plataformas virtuais de apostas esportivas são só isso: sites e aplicativos em que os resultados de jogos dos mais diversos esportes podem fazer os apostadores ganharem ou perderem dinheiro. A realidade, no entanto, é que as bets funcionam mais como cassinos virtuais, com até 80% do faturamento advindo de jogos como o do “Tigrinho” ou do “Aviãozinho”. Nestes joguinhos, informação e estratégia não fazem diferença. É a sorte – ou o azar – que importam de verdade.
O debate sobre a regulamentação do segmento de apostas esquentou nos últimos meses. O projeto de lei 3.626/2023, que passou a ser conhecido como “PL das Bets“, é uma proposta do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que torna possível a cobrança de impostos das empresas que atuam no ramo e cujos números ainda são opacos. Faturamento, quantidade de apostadores, prêmios distribuídos, potencial arrecadatório e até o número de empresas atuando no setor são difíceis de mensurar.
“Muitas plataformas não usam sistemas de pagamento homologados pelo Banco Central. Como a gente vai saber o tamanho do mercado? Ninguém sabe”, questiona Wesley Cardia, presidente da recém-criada Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), que faz lobby pela regulamentação e diz manter interlocução estreita com o ministério da Fazenda por meio de José Francisco Manssur, assessor especial da Secretaria-Executiva da pasta.
Arrecadação perdida
Para o governo federal, o “PL das Bets” configura uma chance de aumentar a arrecadação pública. A meta de igualar receitas e despesas em 2024 segue defendida pelo ministro Fernando Haddad, que conta com alguns bilhões de reais – fala-se em até 12 deles – fruto de impostos a serem pagos pelo setor no ano que vem.
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Mas a última rodada de votação no Congresso frustrou o governo. Sob pressão de parlamentares conservadores e religiosos, o Senado retirou do texto vindo da Câmara a regulamentação dos jogos de cassino online e manteve somente as chamadas apostas de quota fixa, quando o apostador sabe o quanto vai ganhar caso acerte os palpites atrelados a partidas esportivas reais.
É do presidente da ANJL a informação de que só 20% a 30% do faturamento das bets vem dos jogos de quota fixa. “Se houver regulamentação apenas das apostas esportivas, o governo perde a maior parte da arrecadação pretendida”, pontua Cardia, para quem a oposição ao regramento do setor é fruto da “hipocrisia” de alguns parlamentares.
“Todos os jogos que existem no resto do mundo também existem no Brasil. Não regulamentar significa deixar que trabalhem na ilegalidade. Se [o parlamentar] é contra por um motivo moral, vamos controlar o setor”, sustenta. Cardia espera que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), arbitre a questão e restaure na Casa a regulamentação dos jogos de cassino online ainda nesta semana.
A expectativa de Cardia é também a do governo. À Reuters, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que “a ideia é incluir os cassinos, porque senão vai reduzir muito a arrecadação”.
Publicidade
Na semana em que o PL das Bets volta aos deputados, o São Paulo Futebol Clube anunciou que a Superbet será sua nova patrocinadora master. Ela pagará R$ 156 milhões para estampar sua marca pelos próximos três anos na camisa do time que tem a terceira maior torcida do Brasil. A empresa vai substituir outra bet, a Sportsbet.io, principal patrocinadora do tricolor paulista na temporada de 2023.
E o São Paulo não está sozinho. Dos 20 clubes de futebol que disputaram a primeira divisão do Campeonato Brasileiro, só o Cuiabá não teve um logotipo de casa de apostas na camisa.
Além da falta de regulamentação, a baixa barreira de entrada no mercado continua gerando uma multiplicação de bets. Na internet, é fácil encontrar quem já venda sites prontos, com os jogos em pleno funcionamento. A ANJL estima que existam mais de cinco mil sites de apostas atuando no Brasil. A associação mantém contato com 134 plataformas, mas até agora somente 12 estão filiadas.
As empresas, geralmente registradas em paraísos fiscais como Curaçao, Chipre e Malta investem pesado em publicidade. Veículos tradicionais como TV, rádio e banners em estádios estão cheios de anúncios das bets, assim como as redes sociais e os perfis de influenciadores digitais.
Dados da Kantar Ibope Media publicados pela revista Meio & Mensagem mostram que, no ano passado, 12 casas de apostas online ficaram na lista dos 300 maiores anunciantes do país. Em 2018, quando ocorreu a legalização dessas empresas, somente uma figurava na lista.
Promessas de ganhos irreais e propagandas que induzem ao erro também geram debates entre especialistas e clientes. O Fantástico, da TV Globo, veiculou reportagens nas duas últimas semanas sobre as relações pouco transparentes entre algumas das empresas de apostas e celebridades virtuais, o que acabou em bate-boca entre influenciadores nas redes e acusações contra a própria emissora.
Em 2022, a PixBet comprou uma das cotas de patrocínio para a transmissão da Copa do Mundo na Globo, cujo preço de tabela era de R$ 180 milhões. Anúncios de várias casas de apostas também são frequentes na programação da emissora há anos, especialmente nos intervalos dos programas esportivos.
Casas de apostas filiadas à Associação Nacional dos Jogos e Loterias (ANJL) |
GaleraBet/PlayTech |
Kaizen |
Betano |
Hebara |
F12 |
PagBet |
BetNacional |
Mr.Jack |
Primtemps |
BetFast |
Aposta Ganha |
Liderança Capitalização |
Regulamentação
Do centenário e onipresente jogo do bicho no Rio de Janeiro à tentativa de regulamentação dos cassinos online agora em 2023, passando pela proibição dos jogos de azar em 1946, o Brasil tem uma relação conturbada com a jogatina.
Mais recentemente, uma lei de 2018, no governo Michel Temer (MDB), abriu caminho para o crescimento das apostas online. O governo permitiu a operação das plataformas por empresas privadas, mas previu a regulamentação do setor em um prazo de até dois anos, o que não aconteceu.
Para a advogada Anna Florença Anastasia, do escritório GVM Advogados, a falta de regulamentação não atrapalhou a exploração comercial das apostas online e ainda gerou “um mercado ilegal consistente” de difícil repressão, dado que os domínios costumam ser registrados em outros países.
“O governo federal tem que desenvolver meios de fiscalização. Na internet, você consegue derrubar o site, mas ele volta. É preciso criar um meio de lidar com isso e tem que ser algo urgente”, defende.
Presidente da ANJL, Wesley Cardia defende que a regulação vai ajudar a separar as empresas sérias daquelas que se valem da ilegalidade para cometer abusos e praticar crimes. Questionado sobre as empresas não terem registro no Brasil, ele explica que isso só acontece pela falta de regramento no país.
“No momento em que houver regulamentação, toda empresa terá de ter uma sede brasileira e diretores nomeados no Brasil, para que sejam responsabilizados. O governo vai saber CNPJ, CPF e endereço de cada um”.
Wesley Cardia, Presidente da ANJL.
De volta à Câmara, o “PL das Bets” de fato obriga o registro das empresas no país e exige autorização do Ministério da Fazenda para o funcionamento dos serviços. Cada empresa ainda terá de pagar R$ 30 milhões ao governo para poder explorar as apostas.
A publicidade também é alvo do projeto, que estabelece a obrigatoriedade da veiculação de advertências sobre possíveis malefícios aos apostadores e avisos de desestímulo ao jogo, além de restrições para horários de exibição das propagandas.
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) também está trabalhando em um código para a publicidade do setor, em parceria com a ANJL.
“Lembro de um filme em que os executivos da indústria do tabaco negavam os malefícios e os riscos dos produtos”, comenta Cardia. “Já nós reconhecemos isso e criamos processos a serem implementados em que as pessoas com problemas podem simplesmente entrar no nosso site e dizer ‘tenho problema, me cancelem por 30 dias’. Aí todos os sites regulamentados com licença federal vão excluir esse jogador”, propõe.
O governo trabalha para votar o “PL das Bets” na Câmara e sancionar a lei antes do recesso de fim de ano, ou seja, ainda esta semana.
Perguntado sobre a expectativa para a inclusão do cassino online no projeto, o presidente da associação das bets preferiu não fazer sua aposta. “Recebo notícias conflitantes: um diz que será aprovada, outro que não vai passar. Ninguém sabe, talvez só o [Arthur] Lira”.
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