Economia
Por que as bolsas despencaram mesmo após a injeção de recursos do Fed?
Para economistas, mercado entendeu que crise é maior do que se imagina após ação surpresa do BC; o que está por trás do fato de estímulos monetários não surtirem efeito nas economias?
Os mercados reagiram com descrença ao anúncio surpresa de que o BC norte-americano (Fed) cortou os juros a quase zero e anunciou a compra de US$ 700 bilhões em títulos, na tentativa de combater os efeitos devastadores do coronavírus na economia. A medida, orquestrada junto a outros bancos centrais no mundo, também visava dar uma injeção de ânimo nos investidores, receosos com o cenário que se desenha. Por que, então, a reação não foi positiva?
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Nesta segunda-feira (16), as principais bolsas americanas alcançaram o limite de baixa e tiveram os negócios interrompidos. No Ibovespa não foi diferente: o quinto circuir breaker em seis pregões foi acionado nesta manhã após o índice despencar 12%.
Para economistas ouvidos pelo InvestNews, o Fed pode ter dado um passo maior que a própria perna. Ao antecipar a decisão da próxima reunião do Fomc na quarta-feira (17) e anunciar o “mega pacote” no final de semana – quando os mercados estavam fechados –, o órgão teria passado a mensagem de que o problema é bem mais grave do que parece. E, como se não bastasse, ao quase zerar os juros, teria usado “todos os cartuchos” de que dispunha para intervir na economia.
A professora de economia do Insper, Juliana Inhasz, diz que o momento não favorece medidas como as anunciadas pelo Fed. Em um cenário caótico e imprevisível como o atual, diz ela, aparentemente não há medida que consiga reduzir o impacto negativo da pandemia, cuja extensão ainda é bem desconhecida. “O mercado até esperava que o Fed agisse, mas a leitura é de que ele só está enxugando gelo”, diz Juliana.
BCs de mãos atadas
A percepção é de que os BCs estão de mãos atadas diante de uma crise que, ao contrário de 2008, não é de origem financeira, sugerindo que o remédio pode ser diferente do aplicado na última década. “É óbvio que o BC perdeu a munição, porém tem outras políticas que poderia acionar. O mundo está começando a entender que fechar fábricas, aeroportos e se trancar em casa é ruim, mas é menos pior do que chegar aonde chegamos”, diz Juliana.
Analistas do Bank of America Merryll Lynch disseram que uma resposta adequada à crise vai exigir uma ação coordenada de forte tanto da parte fiscal quando monetária. “Precisamos ver ainda uma ação do Tesouro para dar um suporte financeiro. Contudo, não acreditamos que isso vá frear o enfraquecimento da economia”, escreveram em relatório.
Efeito em cadeia nos mercados
Para a especialista em investimentos da gestora Trópico Investimentos, Glenda Ferreira, o anúncio de um corte em pleno domingo gerou mais pânico do que calma, justamente por ter sido tão rápido e ainda com os mercados fechados. “Passa a ideia de que os efeitos do coronavírus serão muito maiores do que estamos imaginando e que as economias globais não conseguirão crescer”, diz.
Em sua visão, a medida faz com que o mercado passe a se perguntar até onde os Bancos Centrais vão conseguir estimular as economias, já que as taxas de juros estão tão baixas e os efeitos de políticas monetárias realmente têm um limite. “O efeito surpresa muitas vezes pode causar mais desespero do que acalmar e, se uma autoridade passa esse recado, gera uma reação em cadeia nos mercados”.
Em relatório, o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, escreveu que o Fed “deu sinais exagerados de preocupação”. “Agora, com o uso de um “arsenal nuclear” para lidar com o problema, o Fed preconiza, por parte de uma autoridade com poder governamental, o temor de que estamos à beira de um apocalipse econômico”.
Recessão a caminho?
Segundo especialistas disseram ao InvestNews, já há temores de que o mundo volte a entrar em recessão, inclusive no primeiro semestre. Com um primeiro trimestre notoriamente comprometido pelos efeitos da epidemia sobre a economia chinesa, resta agora ver o desempenho da economia americana, que já apresenta seus primeiros sinais de insegurança.
O banco Goldman Sachs voltou a cortar as previsões de crescimento dos Estados Unidos por conta dos efeitos negativos da pandemia na atividade econômica. Para 2020, a estimativa de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) baixou de 1,2% para 0,4%.