Economia

Seca e crise de energia na China devem gerar queda do PIB global em 2023

O país já vinha tentando se recuperar dos impactos da rígida política de ‘covid zero’ e de uma forte crise imobiliária.

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A China sofreu nos últimos meses com a pior onda de calor registrada em sua história recente, resultando em uma seca recorde que afetou as produções locais, especialmente de milho e arroz. As atividades da indústria também foram afetadas. Especialistas ouvidos pelo InvestNews acreditam que o quadro deve gerar um aumento das exportações brasileiras destes produtos para o país mas, em contrapartida, deve causar uma redução do PIB global em 2023.

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Em 23 de agosto, o vice-primeiro-ministro Hu Chunhua emitiu um alerta pedindo maiores esforços para combater a seca e garantir uma boa colheita de arroz e outros grãos de outono. De acordo com o governo chinês, o país intensificou investimentos para garantir a colheita e chegou a alocar 10 bilhões de yuans para o alívio do quadro e para a produção de grãos. 

“A produção de grãos de outono da China representa cerca de 75% da produção anual de grãos, e o país pretende atingir uma produção de grãos de mais de 650 bilhões de quilos este ano”, diz o governo em publicação em seu site oficial.

O rio Yangtzé, o maior rio da China e terceiro maior do mundo, que abastece um terço do país, chegou a níveis baixíssimos devido às altas temperaturas. 

Desde agosto, as fortes ondas de calor diminuíram, mas geraram impactos à agricultura e à eletricidade da China, além de provocar incêndios florestais. Sichuan foi um dos locais mais afetados.

Em razão da diminuição do fluxo de água, a energia hidrelétrica do país também foi prejudicada, o que levou à interrupção das operações de grandes empresas chinesas.

O país já vinha tentando se recuperar dos impactos da rígida política de “covid zero” e de uma forte crise imobiliária.

Como a seca na China impacta o Brasil

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Até maio deste ano, a China foi o principal destino das exportações do Brasil, representando 28,7% dos embarques ao exterior. O total de compras foi de US$ 37,7 bilhões.

O principal produto exportado foi a soja, seguida por óleos brutos de petróleo e minério de ferro.

Segundo Henrique Reis, gerente de Relações Internacionais no Grupo China Trade Center, com o prejuízo na produção dos grãos, a China terá que aumentar a demanda por importações, e visto que o Brasil é um grande parceiro econômico do país e já exporta grãos e outras commodities para o território, ele é um forte candidato. 

“De certa forma, num período curto, talvez seja um parceiro viável para suprir essa necessidade”, afirma Henrique.

“Se olharmos outros aspectos que também afetam o Brasil, é porque outros mercados que são parceiros da China, como os próprios EUA ou a Ucrânia, onde está ocorrendo conflito militar, e alguns outros mercados ali no Hemisfério Norte, eles também estão passando por uma situação de seca”, completa. 

Na Europa, as ondas de calor estão causando a pior seca na região em 500 anos. Já nos EUA, segundo a AFBF, quase 60% das planícies oeste, sul e central estão passando por secas severas em 2022.

A produção de milho dos EUA acabou sendo afetada, e a da Ucrânia, devido à guerra, também. Segundo Henrique, diante do cenário, a China passou a autorizar e a querer comprar o milho brasileiro, algo que estava na pauta há anos, mas só foi autorizado este ano, o que também representa uma oportunidade para o agro brasileiro.

“A China é principalmente compradora de produtos globais. Ela importa grãos do mundo todo, então essa seca vai aumentar a demanda global, naturalmente, e consequentemente, aumentar os preços internacionais, principalmente de milho e arroz, porque as áreas que foram mais afetadas na China foram as desses grãos”, afirma Fábio Silveira, sócio-diretor da Macrosector.

Ainda segundo Fábio, isso é bom para o Brasil até certo ponto, porque vai levá-lo a exportar mais milho apenas no ano que vem, já que a safra deste ano, que é colhida aqui no 1º semestre, já foi praticamente toda comercializada com os chineses, com o mercado doméstico e outros. 

Segundo ele, o plantio aqui tende a se intensificar e estimular a produção e a colheita do ano que vem, bem como as exportações de 2023, e é importante chamar a atenção para isso, mas significa que o preço da proteína animal também deve aumentar.

Fábio explica que o milho é uma cultura que tem uma importância fundamental. “Com ele, você faz a ração, que alimenta a proteína animal, frango e suíno, principalmente. Então a própria proteína animal deve ter um movimento de valorização nos próximos meses, o que é bom para o Brasil por conta das exportações”, esclarece.

“Por outro lado, deve gerar alguma pressão inflacionária no final desse ano e começo do ano que vem”, pondera.                                                  

O milho responde por uma parcela significativa do custo de produção de frango e do custo de produção de suínos, observa Silveira. “Então, a produção chinesa de suínos vai ser afetada de maneira considerável. Sem falar em outras culturas, como do arroz, que a produção foi afetada, só que não pegou toda a economia chinesa, mas alguns produtos importantes”, diz Fábio.                      

O Brasil e o mundo importam uma série de bens de consumo duráveis e semiduráveis da China. Bens de consumo não duráveis são os alimentos. Já os semiduráveis são os produtos têxteis.

Fábio acredita que isso, de alguma maneira, vai inibir ou limitar a importação dos têxteis e até encarecer um pouco mais o preço desses produtos por causa da alta de preço de algodão também.

“Você tem importações brasileiras de produtos têxteis proveniente da China, então isso deve ter uma certa contenção, e de componentes eletroeletrônicos”, afirma. 

Crise energética                    

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As altas temperaturas na China também causaram um aumento na demanda por energia e um maior uso de ar-condicionado pela população. Com isso, foi determinada a suspensão da produção das indústrias, levando grandes empresas que possuem unidades no território, como Toyota (TMCO34) e CATL, a interromperem suas atividades.

Henrique aponta que não há como a questão energética não preocupar o mundo, apesar de os especialistas acharem que a situação é de curto prazo, até o final do verão, visto que fábricas fechadas acabam gerando uma falta de abastecimento, principalmente nas regiões que dependem mais de energia hidrelétrica, como a região de Sichuan, que está sendo muito afetada pela crise, assim como outras regiões à margem do rio Yangtzé. 

“É complicado, porque a região de Sichuan, por exemplo, é forte na produção de lítio, que é um produto usado na fabricação de produtos como baterias. 20% do total produzido pela China vem dessa região. Então isso pode causar um impacto no setor de eletrônicos em algum aspecto”, continua.

De acordo com Henrique, especialistas chineses que avaliaram a situação só acham que não pode ser algo tão preocupante como foi no ano anterior, porque que o mundo inteiro, incluindo a China, já vinha de uma situação mais complicada da pandemia.

Ele explica que a matriz energética do país ainda é o carvão, mas que o governo está com um compromisso de descarbonizar a economia chinesa e buscar uma menor emissão de carbono até 2050, entretanto, com a volta da atividade econômica, as indústrias também voltaram de uma maneira mais veloz, não havendo um aumento na produção do carvão.

“Por isso as empresas tiveram essa dificuldade de não ter o carvão necessário e acabaram tendo que fazer o racionamento, mas é um problema pontual, causado mesmo pela seca”, esclarece.

“Está faltando água, as hidrelétricas não estão atuando com todo o seu potencial e eles precisam cortar energia, mas é algo que vai durar até o final do verão, e com as coisas normalizando, a produção já volta com toda a sua força”, finaliza.

Setores afetados pela seca chinesa

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Segundo Silveira, da Macrosector, a cadeia de abastecimento global em alguma medida é afetada porque não tem energia elétrica, mas em algumas áreas pode haver a substituição da energia elétrica pelo carvão.

Ele alega que, sem dúvida, terá uma desaceleração do crescimento no 3º trimestre do PIB na China. No caso do Brasil, num primeiro momento, não vai atrapalhar os embarques de milho para o mercado chinês, porque não é a época do grão.

“Vai ter algum impacto, mas do ponto de vista do abastecimento agrícola no ano que vem, quando os chineses terão que comprar do Brasil, da Argentina e da América Latina como um todo”, diz.

Além do agrícola, Fábio pontua que um dos setores mais afetados pelo quadro da China será a siderurgia e a mineração, por causa das exportações. Segundo ele, o minério de ferro pode ser inibido pela escassez de energia e pela paralisação e desaceleração do crescimento da economia chinesa.

“Ele pode se ressentir dela. O embarque de minério do Brasil para a China pode ser afetado, mas é muito difícil ter uma dimensão dessa redução das exportações, digamos agora no 4º trimestre, de setembro para outubro”, diz.

A China é uma grande compradora de matérias primas e produtos intermediários no mundo todo. O especialista pontua que, de maneira geral, a grande compradora de matérias primas e produtos intermediários no mundo todo vai desacelerar seu crescimento e suas compras.

Impacto para a economia global

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O sócio-diretor da Macrosector comenta que a inflação global subiu muito com a pandemia, com a guerra na Ucrânia e uma série de fatores que levaram à alta de preços de commodities agrícolas, que, no ano passado e no começo deste ano, estavam em queda, mas que agora, principalmente no caso do milho e do arroz, deve ocorrer uma interrupção deste movimento.

“O que tende a ocorrer é uma persistência ou, pelo menos, uma retomada do movimento de alta do preço do milho no mercado internacional, o que é bom para as exportações brasileiras, mas não necessariamente é bom para a inflação”, pontua.

Fábio argumenta que a inflação brasileira, que estava começando a diminuir por conta de queda do preço destes e outros produtos no mercado internacional, agora deve ter essa interrupção, sobretudo no caso do milho, que é um grão muito produzido e comercializado em escala global e agora com a seca, tende a se manter em movimento de alta ao longo do 2º semestre. 

O mundo já estava desacelerando um pouco por causa da alta do juros dos EUA e, consequentemente, no mundo todo. Com essa seca, Fábio acredita que o PIB mundial do 2º semestre de 2022 e do 1º semestre de 2023 será afetado. 

“Quando se tem uma crise muito forte, muito dramática como essa seca histórica, a economia global é afetada de 6 meses a 1 ano, e a própria China, evidentemente, também terá uma desaceleração nesse período”, afirma.

“As últimas projeções apontavam um crescimento para um PIB global de 3,4% em 2023, mas esse crescimento vai encolher 4%, mais ou menos, até menos. Nós vamos ficar numa desaceleração para 4%. E a economia chinesa em 2023, que deveria crescer 4.9%, deve ter um avanço mais modesto. Pode jogar o ano que vem para 3,5% de crescimento. Vai ser um um crescimento acanhado”, finaliza.

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