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Brasil já ‘arrecada muito’ e falta ‘remédio amargo’ para contas públicas

Avaliação é da economista Ariane Benedito, que vê meta de zerar déficit como positiva, mesmo que não considere factível.

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O potencial de arrecadação do governo com a taxação de fundos exclusivos e offshore foi reduzido após mudanças feitas pelo relator do projeto de lei na Câmara, mas ainda que a medida seja aprovada de forma que consiga elevar de alguma forma os ganhos dos cofres públicos, ainda falta o “remédio amargo” para que a situação das contas públicas seja, de fato, equalizada. E para Ariane Benedito, economista da ESH Capital, esse remédio é o corte de despesas. 

“A gente não tem um problema de arrecadação no Brasil, a gente arrecada muito. Se a gente olhar os números de arrecadação, mesmo com as isenções todos esses anos, a gente arrecada muito. A questão é que a gente tem uma desordem nas contas públicas e a gente tem impedimentos para que essas contas parem de crescer. Elas crescem muito a cada ano”, disse em entrevista ao InvestNews

A especialista comentou ainda que, assim como a maior parte do mercado, não espera que o governo consiga cumprir a meta de zerar o déficit fiscal ainda em 2024. Ainda assim, ela vê o direcionamento com bons olhos. “A gente não sabe como que o governo chegou nisso, mas trouxe algo bom, pelo menos uma meta a ser perseguida, uma vez que o arcabouço já flexibilizou demais a última regra, que foi o teto de gastos.”

Veja abaixo a entrevista: 

IN$: Como você avalia os esforços do governo para mudar as regras de tributação sobre offshore e sobre os fundos exclusivos?

Ariane Benedito: Esse esforço todo é para tentar cumprir a meta por ele mesmo estabelecida do déficit público para 2023 e para 2024. Claro que essas medidas vão impactar, obviamente, dentro de 2024 e já aceleram também para os próximos anos, uma previsão maior de arrecadação. Obviamente, essa medida ela só vai compor, entre outras que deverão ser tomadas, porque a previsão de arrecadação de R$ 7 bi para para 2024, mais R$ 6 bi para 2025 e por aí vai, ela não é suficiente para o tamanho da despesa que a gente vai acumular como previsto ali pelo próprio governo. Então, o problema da arrecadação continua, é mais uma uma tentativa do governo de compor com arrecadação para a resolutiva dessa questão, mas não é o suficiente. 

“Além disso, eu acho que é importante falar, sobre o projeto de lei 4173, que ele não tem só o objetivo de arrecadação, mas da criação de competitividade de fluxo para o Brasil, para que a gente não perca tanta base monetária assim para o exterior, que hoje é o que acontece.” 

Se R$ 1 trilhão que a gente tem fora do Brasil, que é o mapeado pelo governo brasileiro, se a gente considerar que é utilizado esses veículos para cumprimento de obrigações de investidores que têm empresas lá fora e tudo mais, por isenção e também por facilitação da utilização desse recurso lá fora, nem tudo é 100% mapeado. E essa tributação de declaração quando o investidor vai utilizar do recurso e que gera um rendimento em cima, com a tributação que pode chegar a 22,5% – que hoje é a base que a gente tem aqui no Brasil – o governo brasileiro diminui esse incentivo de manter o dinheiro lá fora. 

Então, se eu tenho um custo igual na ponta final, ou seja, na utilização do recurso (porque uma hora eu vou utilizar desse capital), então eu isento esse montante até certo ponto de uma taxação e eu crio um ambiente de competitividade, para que eu vou colocar o meu dinheiro lá fora, sendo que aqui no Brasil, no final, eu vou acabar tendo o mesmo? 

Obviamente que o investidor não vai desistir de levar o recurso para outras economias, para para outros lugares, mas o objetivo talvez vai ser diferente. Talvez uma questão de segurança por não ter todo o recurso aqui no Brasil, mas não propriamente pela facilitação de uma tributação ou um custo menor para você manter o seu recurso dentro de uma economia. Acho que essa é a grande isoladamente, não só pra pra base arrecadatória.

IN$: Os críticos das propostas do governo dizem que isso espanta investimentos, fazendo com que recursos fujam do país. Defensores da medida dizem que é uma questão, antes de tudo, de justiça tributária, porque não faz sentido uma pessoa se CLT ganha R$ 5 mil por mês pagar 22,5% de IR na fonte e uma pessoa que tem milhões e milhões de reais num fundo desse não ser alcançada por uma tributação ou pagar proporcionalmente muito menos. Como você avalia esses dois pontos?

Ariane Benedito: Eu fico na caixinha dos profissionais que acreditam que isso transforma o mercado de uma maneira mais justa. Pela tabela de tributação, então, quem tem menos e acaba tendo uma rentabilidade menor tem uma alíquota menor também, mas a partir do momento (que é o que a gente gostaria e faz com para investidor, tenta criar esse ambiente em que ele tenha cada vez mais rentabilidade) quando ele chegar na proporção de tributar mais de R$ 50 mil, ele vai se enquadrar, né conforme os outros investidores, que a alíquota máxima de 22,5%. Para ele chegar a tributar isso, é sinal que ele cresceu bem o patrimônio e que ele tem capacidade de geração de receita. Então eu não vejo de forma desigual o tratamento para nenhuma classe de investidor. Neste sentido, eu acho que a tabela regressiva atende bem.

IN$ – Qual a chance, na sua visão, de o governo conseguir cumprir a meta de zerar o déficit fiscal em 2024?

Ariane Benedito: Hoje, a conta não fecha. Esse é um grande consenso, tanto de mercado quanto da academia. Se a gente pegar projeções de grandes instituições, representativas, como a IFF, IPEA e outras, a gente tem essa mesma base. De fato, todo mundo tem um déficit alto projetado para 2024, ou seja, muito longe da dessa zeragem de déficit. Agora, qual é a importância da gente manter uma meta, seja ela qual for? É uma meta a ser perseguida em assim como vale para PIB, inflação e taxa de juros, o fiscal deve ter uma trajetória de meta, e cada vez menor. Mostra a busca pela estabilidade.

Então, se a gente tem uma meta de zerar o déficit, essa meta pelo menos é mantida, mesmo se a capacidade de ser entregue ou não for uma outra discussão. A gente tem o que cobrar. E quando a gente tem o que cobrar, a gente afasta a aversão a risco, porque a gente tem ferramentas hoje jurídicas que impedem também o crescimento dessa despesa para frente. Se caso o governo não entregar o déficit zero, a gente já tem uma trava de crescimento de despesa para frente. Então, por isso a importância de se manter a meta. 

“Agora, a discussão de entrega ou não já é outra. De fato, hoje a conta não fecha. As projeções variam de déficit de R$ 120 bilhões a R$ 168 bilhões, que é um valor altíssimo. E a gente tem algumas questões que parece que esquecemos, mas ainda existem. Vou citar uma aqui, que é a questão dos precatórios. “

Quando a gente começa a colocar o crescimento das contas mais essas essas questões que ainda não foram resolvidas, a gente não tem nem uma resolutiva em relação a isso, a gente não consegue chegar num denominador comum que estime 0% de déficit. A gente não sabe como que o governo chegou nisso, mas trouxe algo bom, pelo menos uma meta a ser perseguida, uma vez que o arcabouço já flexibilizou demais a última regra, que foi o teto de gastos.

IN$ – O que que é mais importante: bater a meta agora no primeiro ano ou, no caso de não bater a meta, fazer com que os gatilhos da regra do arcabouço fiscal de fato funcionem?

Ariane Benedito: Acredito que fazer os gatilhos funcionarem. E para isso a gente tem que ter aprovação total, 100%, do arcabouço, da reforma tributária e tudo que está no entorno do fiscal brasileiro. Essa agenda precisa andar. A gente obviamente tem essas ferramentas, PLOA, LDO, LOA, que realmente funcionam muito bem no Brasil, essa responsabilidade diante das contas públicas e que pode ser utilizada. Mas ela tem que ser cumprida. 

Eu acho que ter uma meta muito importante, entregar a meta é muito importante. Assim como entregar meta de inflação é muito importante: a gente não vem conseguindo entregar há muito tempo, mas a gente vem conseguindo resolver o problema inflacionário do Brasil. Assim deve ser com o fiscal também. A gente persegue a meta, a gente vai mirar, entregar o mais próximo dela. Se caso ela não for entregue, que os gatilhos sejam acionados e executados, e isso traz uma grande credibilidade para o Brasil. Tendo credibilidade, a gente tem retorno de investimento, tanto é especulativo quanto produtivo, que é o que faz o Brasil crescer. 

Então a gente tem uma conjuntura melhorada para o nosso país – que, diga-se de passagem, eu avalio como uma casa arrumada em comparação ao resto do mundo. E o fiscal é a única trava de valor que a gente tem hoje, até como barreira para segurar uma piora do externo, que é o que a gente está vivendo agora.

“Mas a conjuntura macroeconômica do Brasil, na minha opinião, ela está muito melhor do que o resto no mundo, pela antecipação desse cenário piorado que a gente fez lá atrás.”

É um mérito nosso, mas a gente tem essa trava do fiscal, que se pelo menos ela for aprovada e cumprida, a gente realmente vai ter esse destravamento de valor tanto para economia quanto para mercado. A gente vai muito bem se isso acontecer.

IN$: Quais os motivos que permitem essa análise mais otimista do cenário brasileiro?

Ariane Benedito: A primeira coisa que me torna mais otimista é a questão dos ciclos de cortes dos juros. Isso difere o Brasil do resto do mundo somente nesse ponto, porque se a gente olha para as outras variáveis como atividade, inflação, a gente está tendo um arrefecimento da inflação, mas ainda longe da nossa meta. Por isso que não dá para ter uma flexibilização tão grande da taxa de juros, mas ainda assim é um cenário de cortes. 

A atividade mais resiliente foi uma grande surpresa. Eu lembro que no início do ano eu comecei com 0,8% de expectativa para atividade, depois 1%, e hoje a gente já tem uma projeção final aí de 2,8%, com tendência altista para atividade. Se a gente for surpreendido nesses últimos meses do ano, acho que a gente pode chegar a até 3,3% para o PIB brasileiro. Para a situação que o mundo passa, é um crescimento importante. 

Outra questão que me faz um pouco mais otimista é a China. Todo mundo está esperando uma catástrofe na China. Eu não acho que isso vai acontecer. E para o fechamento do ano não vai dar tempo disso acontecer. Tudo bem que eu concordo com a lentidão da atuação do governo chinês, mas eu acredito que a China deve, sim, entregar um crescimento a 5%.

Navio porta-contêineres no Porto de Águas Profundas de Yangshan, em Xangai 24/04/2022 cnsphoto via REUTERS

Um parâmetro que eu olho muito para a China é a balança comercial. Não está importando tanto, isso cria também uma expectativa negativa para crescimento da China, mas olhando para para a exportação da China, que vem salvando a balança comercial, eu acho que a China está entregando um número importante e, se a gente tiver uma atuação um pouquinho mais assídua do governo nesses últimos meses, é capaz da gente ver a esse crescimento satisfatório da China. Eu não acho pouco 5% ou próximo disso. 

“Outro ponto é o arrefecimento da inflação: mesmo que a gente tenha inflação e que ela ainda fique longe do centro da meta, mas dentro da meta, mês após mês a gente vê essa inflação desacelerando. Então a gente tem desaceleração inflacionária. Isso é importante.” 

O que me preocupa, de fato, é o fiscal, porque mexe com a curva de juros, mexe com a expectativa, com a desancoragem da inflação. E, para fechar aqui o contexto como um todo, o câmbio. Como a gente tem um cenário de muita aversão a risco advindo principalmente do impacto do principal indicador, que é o risco-país, a gente não tem como segurar a depreciação do real frente ao dólar no momento em que o dólar se aprecia frente às principais moedas devido à conjuntura internacional.

IN$: É possível atingir a meta fiscal somente aumentando a arrecadação, sem cortar despesas?

Ariane Benedito: Na minha visão, como técnica, não. O corte de despesas é um remédio amargo. Tem que tomar o remédio amargo. A gente não tem um problema de arrecadação no Brasil, a gente arrecada muito. Se a gente olhar os números de arrecadação, mesmo com as isenções todos esses anos, a gente arrecada muito. A questão é que a gente tem uma desordem nas contas públicas e a gente tem impedimentos para que essas contas parem de crescer. Elas crescem muito a cada ano. 

E pra mudar esse cenário, a gente tem que usar a reforma estrutural, como foi feita a reforma da Previdência, como vai ser feita a reforma tributária e como é necessário ser feito a reforma administrativa, que agora ficou muito para frente – eu acho que nesse governo nem será discutido porque é um assunto extremamente sensível.

Vista aérea do Congresso, em Brasília 18/04/2013 REUTERS/Ueslei Marcelino

A questão é: como é que você tira algo, principalmente quando é dado pelo governo? Como é que você retira o benefício? É muito difícil para qualquer economia, não só a gente. Vamos colocar Estados Unidos, que investiu um Brasil para salvar a economia americana do pós-covid e agora está enfrentando essa mudança estrutural causada por esses estímulos, porque é muito difícil você tirar.

Para a gente mudar esse cenário (e depende de governo pra governo, a cada 4 anos é uma novidade aqui no Brasil, a gente não tem uma constância, uma solidificação de cenário) seria reforma estrutural para que a gente consiga barrar – pelo menos barrar – o crescimento, a evolução dessa dívida ao longo do tempo, porque ainda hoje a gente consegue ter recursos e mecanismos para movimentar para cumprir com ela.

“Ao longo do tempo, esses recursos via arrecadação não são sustentáveis para cumprir, dada a magnitude de crescimento que as despesas têm ano após ano.”

Então eu, se eu pudesse tomar decisão, seria de uma vez tomar o remédio amargo, ser um pouco menos populista e fazer o que tem que ser feito, para lá na frente, a população agradecer. Mas não é isso que está em jogo. Então a gente torce pelo menos pelo andamento do início. Porque reforma estrutural, a gente está só no início ainda, ela vai ter que ser muito debatida, discutida, até ser implementada.

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