Após dominar as atenções do mercado durante parte do ano passado, os precatórios (dívidas do governo reconhecidas pela Justiça) voltaram a ser discutido em Brasília. O governo Lula alega que quer evitar uma “explosão” dessa dívida, por isso, propõe a quitação por um crédito extraordinário. Especialistas, no entanto, apontam que há indícios de “contabilidade criativa”, e comparam a proposta às chamadas “pedaladas fiscais” do governo de Dilma Rousseff.
A Advocacia Geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar o limite do pagamento de precatórios criado durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O governo Lula quer quitar todo o passivo da dívida estimado em R$ 95 bilhões por meio de um crédito extraordinário a partir de 2024.
Somado ao pedido de inconstitucionalidade da PEC dos Precatórios, o governo federal também solicitou uma mudança de classificação dessas despesas, destacando o principal como despesa primária e os encargos, como despesas financeiras. Desta forma, os juros incidentes sobre as dívidas de precatórios seriam considerado um serviço da dívida e ficariam fora do limite de gastos do novo arcabouço fiscal.
Ainda não há definição sobre o tema, que segue em discussão em Brasília. Mas especialistas alertam que há riscos na medida.
O professor de economia do Ibmec RJ Haroldo Monteiro alerta que essa manobra pode ser considerada uma reedição da “pedalada fiscal“, já que o governo tira da despesa primária os juros e a correção monetária, e só deixa considerado o principal do pagamento dos precatórios.
“O governo alega que essa que essa dívida explodiria, até 2027 seriam cerca de R$ 250 bilhões, então ela faz isso desta forma para que se torne mais transparente. Mas, por outro lado, ele faz uma maquiagem desconsiderando o pagamento desses juros da despesa primária, ou seja, ele esconde uma parte do pagamento desses juros. É uma contabilidade criativa do governo: ele não deixa explodir, mas por outro lado ele tira isso do indicador de despesa primária.”
economista haroldo monteiro
Monteiro ressalta que, apesar dos juros e correção não impactarem diretamente a meta orçamentário de 2024, o pagamento do principal vai ocasionar uma demanda maior de captação de receita para pagar esses valores – e isso justamente em um momento em que o governo busca elevar a arrecadação para cumprir as metas do novo arcabouço fiscal.
“A ideia do governo é tentar estacionar a bola de neve que foi empurrada pela gestão anterior com a chamada PEC dos Precatórios – também chamada de PEC dos Calotes -, antecipando a liquidação do estoque represado que está estimado para esse ano em R$ 95 bilhões, mas que poderia chegar a R$ 250 bilhões até 2027.”
Advogada Jéssica Mota, diretora de Desenvolvimento de Negócios da Bloxs
Mas advogada Jéssica Mota também diz que, embora esse movimento possa ser visto com receio pelo mercado, o fato é que o governo injetará R$ 95 bilhões de recursos na economia e quitará precatórios que não seriam pagos esse ano.
“Além disso, ao quitar o estoque da dívida por meio de crédito extraordinário, parte destes gastos poderão ser utilizados para outros fins, permitindo, com isso, uma política ainda mais expansionista, impactando positivamente nas projeções de subida do PIB”, destaca ela.
Por sua vez, o advogado Cassiano Menke, coordenador da área de Direito Tributário do Silveiro Advogados, avalia a proposta como positiva, já que aumenta a confiança do atual governo.
“É positivo no que se refere ao aspecto de o governo começar a pagar agora, porque um Estado que não paga suas dívidas semeia descredibilidade e desconfiança, e é isso que temos que tentar banir do Brasil. Por outro lado, não acho correto o fato de dizer que os juros não são integrantes de despesas primárias para fins de limitação de gastos, para que sejam incluídos no limite de gastos que foi estabelecido pela legislação recentemente criada.”
advogado Cassiano Menke
PEC Precatórios
Em 2021, o governo do Bolsonaro propôs uma emenda constitucional (PEC) para que os precatórios não fossem pagos naquela época, que correspondia a cerca de R$ 80 bilhões, fossem prorrogados somente para 2027. De acordo com a antiga gestão, caso esse valor fosse pago na época, poderia desequilibrar as contas da União.
Com a aprovação da PEC, o governo abriu espaço de R$ 91,6 bilhões no Orçamento de 2022 para o pagamento do Auxílio Brasil e outros gastos durante o ano eleitoral.
Nova proposta de pagamento
Na última segunda-feira (25), o governo federal fez uma solicitação à AGU para mudança na PEC dos Precatórios. O objetivo do governo Lula é começar a pagar as dívidas com os passivos a partir do ano que vem.
Vale destacar que o governo não encaminhou uma proposta sobre os precatórios, mas um pedido nas Ações Diretas de Constitucionalidade (ADIs) 7047 e 7064, no qual visa que sejam declarados inconstitucionais parte dos dispositivos das emendas constitucionais 113 e 114, que são as emendas dos precatórios.
O pedido consiste em dois pontos, sendo o primeiro para que seja desfeita essa moratória que foi estabelecida pela emenda constitucional 114, em que o governo só voltaria a pagar os precatórios em 2027.
“O governo atual entende que isso é ruim, porque é uma rolagem de dívidas que vai acabar criando uma bola de neve no futuro”, afirmou Cassiano Menke.
Já o segundo ponto é que seja possível o pagamento em duas partes, uma sendo paga como despesa primária, que é a despesa obrigatória que entra no cômputo do arcabouço fiscal e do limite das despesas do Poder Público Federal, e a outra parte que é de juros incidentes sobre as dívidas de precatórios, que seria considerado um serviço da dívida e não seriam incluídos no limite do arcabouço fiscal.
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