Finanças
Como investir em títulos públicos americanos
Essa é a forma mais segura de manter uma reserva em moeda forte. Veja como aproveitar a onda de juros altos no “tesouro direto” deles.
Ainda há quem faça poupança em dólar ao estilo Pablo Escobar: estocando notas verdes em casa. Péssimo negócio. US$ 100 de hoje equivalem a US$ 82 de 2020. Pois é. Nos Estados Unidos, você precisa hoje de uma nota de US$ 100 para comprar as mesmas coisas que US$ 82 compravam há meros quatro anos.
Tudo bem que a inflação do dólar tem sido atípica – e é justamente por isso que os juros nos EUA estão igualmente excêntricos. O ponto é que isso abre uma janela de oportunidade para quem é a fim de fazer poupança em dólar do jeito certo: comprando títulos do governo de lá.
Note bem a palavra “poupança”. Dolarizar investimentos é ridiculamente fácil. Abra o homebroker, compre um ETF que acompanha o S&P 500 (caso do IVVB11), e pronto. Seus reais vão flutuar com o dólar. O problema aí é que o dinheiro estará em ações. E renda variável não é poupança. Renda fixa, sim.
Renda fixa em dólar
Investir nos títulos públicos dos EUA, os Treasuries, até que é fácil, ainda que não ridiculamente fácil. O primeiro passo é abrir conta numa corretora que dê acesso direto ao mercado americano – como a Avenue ou o serviço “Conta Global”, da XP.
O caminho dentro dos apps não é tão intuitivo quanto poderia, então vale deixar registrado aqui – deixe para ler depois, se precisar:
Como encontrar Treasuries na Avenue
Você clica em “Investimentos/Renda Fixa” . Depois em “Bonds Americanos”. Vai aparecer uma lista de debêntures por ordem alfabética. Esqueça. Vá até o campo de busca e procure por “Treasury”. Aí aparece a lista de títulos.
Como encontrar Treasuries na XP
Na tela da Conta Global, clique em “Tesouro – Títulos soberanos de renda fixa”. Vão aparecer títulos públicos em dólar emitidos por outros países também (Brasil incluído), mas vamos nos ater aqui aos dos EUA. Os títulos americanos são, naturalmente, os que surgem na lista com o nome deles: “US Treasuries”.
O spread das corretoras
O juro que você vai conseguir no seu título não será o mesmo que sai no noticiário. O que sai é o preço no mercado secundário dos EUA, no qual instituições financeiras compram e vendem Treasuries entre si.
Eles entram no mercado quando o governo põe à venda (cidadãos americanos podem comprar pelo Treasury Direct – sim, o Tesouro Direto deles). Esse é o mercado primário. Daí em diante, os papeis vão trocando de mãos no mercado secundário, a uma taxa que muda todo dia. Se o preço dos títulos cai no mercado, o juro que ele paga aumenta. E vice-versa: se o preço sobe, o juro cai.
Pausa para explicar essa mecânica: um Treasury é, grosso modo, um “vale de US$ 1 mil” que vira dinheiro de verdade na data de vencimento.
Se você paga US$ 962 por esse vale e ele vence em um ano, significa que você vai embolsar 4% de juro. Se você pagar US$ 953, o que temos é um juro de 5% – pois os US$ 1 mil que você recebe lá na frente permanecem constantes (os títulos com prazo de dois anos para cima pagam a maior parte de seus juros na forma de depósitos semestrais até a data de vencimento, o que complica um pouco mais as contas – mas a essência é o que você viu neste parágrafo).
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Bom, as corretoras cobram um pouco mais caro pelos títulos que compram no mercado para vender aos clientes, pois não trabalham de graça. Aí é aquilo. Sobe o preço do papel, cai o juro que ele paga.
No dia 1º de julho, os Treasuries com vencimento em 10 anos (os mais populares) eram negociados a uma taxa de 4,48% anuais no mercado secundário dos EUA. Na Avenue, esse mesmo título pagava 4,09% a.a.
Na XP, não havia título de 10 anos no menu de ativos disponíveis. Os mais parecidos eram um com vencimento em junho de 2025, na Avenue, e um com vencimento em outubro de 2025, na XP. Nesse dia, a taxa para os títulos de um ano no mercado secundário estava em 5,12%. O da Avenue pagava 4,41%. O da XP, 4,61%. Ou seja: o spread desta última era menor.
Por outro lado, o cardápio na Avenue era mais amplo: permitia escolher entre dez títulos com taxas de vencimento distintas; o da XP mostrava apenas cinco.
Como os Treasuries funcionam
Os treasuries são títulos prefixados. No Brasil, os prefixados têm uma demanda relativamente baixa. Primeiro porque a desconfiança histórica com a inflação por aqui torna o investimento em prefixados uma aventura – é simplesmente mais seguro ir para os títulos IPCA+, que pagam a inflação (seja ela qual for) mais um juro predeterminado; ou comprar Tesouro Selic, que paga a Selic e pronto.
Os EUA têm o “IPCA+” deles, e também títulos com juros flutuantes (estilo Tesouro Selic), que seguem de perto a taxa básica da economia – são os TIPS e as FRNs. Mas o padrão por lá são mesmo os prefixados, já que a cultura americana de poupança foi forjada num ambiente de inflação baixa e juros igualmente nanicos.
Neste momento, porém, os juros do banco central americano estão no maior patamar desde 2001 – para combater uma inflação que, no pico recente, chegou ao maior nível desde 1981.
É impossível cravar quando o Fed vai tirar seus juros da estratosfera. Mas é extremamente improvável que não o façam no futuro próximo – a própria diretoria do BC americano projeta que, em 2026, a taxa básica por lá estará próxima de 3%, ante os 5,5% de hoje.
Com a “Selic” deles nesse patamar, os Treasuries de 10 anos apresentam taxas consistentemente acima de 4% – o dobro do que era em meados de 2019, por exemplo, antes de a pandemia ter bagunçado o coreto.
Ou seja: há a possibilidade de “travar” juros fora da curva por uma década, ou mais.
Os tipos de Treasuries
Os prefixados dos EUA recebem nomes específicos, de acordo com prazo de vencimento – se ele é curto, médio ou longo. Faz todo o sentido, já que vencimentos diferentes dão origem a investimentos bem distintos. Entenda porque.
Treasury Bills
São os títulos mais curtos. Curtos mesmo: de um mês a um ano. Como o vencimento é sempre logo ali, eles são a coisa mais próxima a deixar dinheiro debaixo do colchão. Por vencer rápido, eles também são os que pagam juros mais próximos da taxa do Fed.
Em 1º de julho, o de um mês pagava 5,37% aa.
Treasury Notes
Os de médio prazo: 2, 3, 5, 7 ou 10 anos. A partir desses, o grosso dos juros entra na forma de juros semestrais. Não é exatamente uma vantagem: os pagamentos quebram as pernas do juros compostos. “Quem comprou um título com cupons que pagam 4% ao ano, por exemplo, vai receber 2% no meio do ano e o restante em dezembro”, diz Jefferson Laatus, estrategista-chefe da Laatus. Os pagamentos são depósitos feitos direto na conta.
Em 1º de julho, o de 2 anos pagava 4,76% aa no mercado secundário dos EUA. O de 7, 4,43%.
Treasury Bonds
Vencem em 20 ou 30 anos. Também pagam juros via cupons.
Em 1º de julho, o de 20 anos pagava 4,73%. O de 30 anos, 4,62%.
Imposto de renda
Até o ano passado, quem vendia até R$ 35 mil em ativos no exterior no mês, ficava isento do recolhimento de IR. A partir desse valor, o tributo variava de acordo com o ganho de capital (diferença entre o preço de compra e venda de um título). Até R$ 5 milhões, a alíquota era de 15%. Para ganhos entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, o imposto era de 17,5%.
Mas desde o início deste ano, com a aprovação da Lei 14.754/23, a exigência mudou. Agora, a Receita cobra uma alíquota anual de 15% sobre rendimentos, independentemente do valor.
Na prática, o investidor vai sentir essa mudança a partir do ano que vem, já que os ganhos obtidos com investimentos no exterior este ano só serão informados ao leão em 2025.
Cristina Teixeira, CEO da Astride, fintech de contabilidade internacional, lembra que a alíquota deve ser paga no momento da entrega da declaração de ajuste anual, quando será gerado o Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF). “Saberemos exatamente como funcionará apenas quando a Receita Federal liberar o novo sistema para o ano-calendário de 2024”, diz.
Por último. Sim, o dólar está em alta. Mas o futuro do câmbio segue onde sempre esteve: no território da imprevisibilidade. Fazer poupança em dólar, para quem não gasta em dólar, é um jogo de risco. Uma desvalorização da moeda americana daqui até o vencimento dos seus títulos pode limar seus ganhos.
Por outro lado, a história joga a favor da moeda americana. Nos 30 anos do real, a inflação acumulada da nossa moeda é de 708%. A do dólar, bem mais modestos 112%.
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