Finanças
Marco temporal deixa agronegócio em observação e freia investimentos no setor
Senado quebra insegurança jurídica criada pelo STF, mas incerteza continua.
O marco temporal para reconhecimento de terras indígenas divide os Três Poderes em Brasília e traz incertezas ao agronegócio. Mas não são apenas empresários e produtores rurais que estão receosos, os investidores de produtos financeiros do setor também acompanham com atenção o impasse sobre a demarcação de reservas.
Afinal, a indústria de ativos e derivativos ligado às formas de financiamento da atividade agropecuária tem muitas opções de investimento. Dentre as alternativas existentes no mercado brasileiro, estão os títulos de renda fixa conhecidos pelas letras CRA e LCA, além dos fundos Fiagros.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o patrimônio líquido apenas dos fundos de investimento em cadeia agroindustriais continuou subindo nos últimos meses e, ao final de agosto, chegou a R$ 15,8 bilhões. Ao todo, o número de Fiagros no ano é de 68, com mais de 500 mil cotistas.
Queda de braço
Portanto, o embate entre o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Executivo traz insegurança a uma parcela significativa do mercado. Isso porque o Projeto de Lei (PL) 2.903/2023 foi aprovado nesta quarta-feira (27) pelo Senado, com amplo apoio da bancada ruralista, cerca de uma semana depois de ter sido rejeitado pelo STF.
A proposta agora segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já avisou aos senadores governistas que irá vetar a tese que passou no Congresso. No entanto, ainda não se sabe se a íntegra do texto aprovado no Legislativo será vetada ou se a proposta será parcialmente aceita.
“O marco temporal só causa insegurança jurídica para o setor porque essa questão já estava pacificada, com a decisão de que as áreas indígenas tinham que estar definidas até 1988 na Constituição”, avalia o diretor de agronegócio do Grupo Suno, Octaciano Neto. Por isso, para ele, a decisão do STF foi “equivocada” e é “muito ruim” para o setor.
Pelo projeto aprovado no Senado, os povos indígenas só podem reivindicar a posse de áreas que ocupavam de forma permanente em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Ou seja, as comunidades que não comprovarem que estavam nas terras nesta data podem ser expulsas. Porém, o STF definiu a tese como ilegal.
A votação no Senado foi relâmpago. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o texto no início da tarde de quarta-feira (27). Em seguida, o projeto foi o primeiro a ser analisado com pedido de urgência para, então, ser colocado na pauta do plenário. Tudo isso devido à pressão da Frente Parlamentar Agropecuária, que obstruiu a agenda da Casa.
Modo observação
O risco, agora, é de haver uma judicialização do tema, em meio à queda de braço entre parlamentares e ministros da Corte Suprema, sendo que um eventual veto de Lula também será apreciado pelo Congresso. Diante disso, o impacto no agronegócio se dá mais pela espera por uma definição do imbróglio do que pelo risco em si de prejuízo ao setor.
“Esse impasse atrapalha mais no sentido de atrair novos investimentos, de o próprio produtor comprar mais terra. Então, atrapalha o ritmo da modernização do agronegócio nacional”
diretor de agronegócio do Grupo Suno, Octaciano Neto
Para Octaciano Neto, o produtor rural e o empresário do setor devem ficar em stand-by para a tomada de decisão de novos investimentos. “O investidor fica no modo observação para ver o que está acontecendo”, afirma.
Neto acrescenta que o impacto deve ser localizado, em áreas específicas de determinadas culturas, pois depende do processo decisório da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) sobre demarcação de territórios indígenas.
Além do dividend yield
Com isso, o impacto na indústria de produtos financeiros é pequeno. Isso porque quase todas as operações dos Fiagros, LCAs e CRAs são ligados à oferta de crédito para o investimento na produção, que não deve ser interrompida. Da mesma forma, tampouco há risco de aumento da inadimplência no curto prazo.
Com isso, não deve haver impacto nos preços, seja das commodities agrícolas nem na valorização dos ativos. “Ninguém vai deixar de plantar soja ou milho; não é isso. Os produtores começam a observar mais sobre construir novas unidades industriais, abrir frentes de plantio, converter novas áreas”, explica o executivo.
Para ele, enquanto isso, o Congresso deve colocar em curso uma proposta que prevê o marco temporal na própria Constituição, com o aval do governo federal. “Isso deve se resolver ainda neste ano. O final dessa história acaba antes de acontecer qualquer impacto maior”, prevê Neto.
Uma das possibilidades avaliadas pelos congressistas aliados do agro é aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabeleça a tese, que, então, não poderia ser derrubada pelo STF. Porém, aprovar uma PEC requer três quintos dos votos nas duas Casas Legislativas.
Até lá, Neto indica que os investidores devem buscar proteção nos papéis do setor, optando por ativos híbridos que trazem segurança aos investidores, e não olhando apenas o dividend yield, como é conhecido o rendimento do dividendo, que é o valor do dividendo por ativo. “Yield alto pode ter risco elevado, sendo que quanto maior o yield, maior o risco”, conclui o gestor.
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