Recompra de dívidas por empresas triplica e traz desafio para investidor da renda fixa

O problema: você pode ter de trocar um investimento que paga bem por outro nem tão generoso

Já ouviu falar em recompra? Quem investe em ações tem boa chance de já ter se deparado com o termo. E provavelmente, se participou de alguma, achou bom. Mas e quem aplica em renda fixa? Vai ter de se acostumar cada vez mais com esse tipo de operação. Isso porque o pagamento antecipado de debêntures, que são os principais títulos de dívidas emitidas por empresas no mercado de capitais, triplicou em 2024 e deve continuar no mesmo ritmo em 2025.

Várias empresas anunciaram no ano passado operações de recompra de debêntures. A lista inclui C&A, CCR, Cogna, Cosan, EZTec, Minerva, Natura, Rumo, Suzano, Vitru e Vix Logística. "As empresas estão falando: deixa eu aproveitar o momento para alongar os prazos de vencimentos das dívidas e reduzir o custo", diz o gestor de fundos de crédito privado da AZ Quest, Daniel Borini.

Para o investidor, diferentemente da recompra de ações, que pode ajudar a valorizar os papéis na bolsa, o resgate de títulos de dívida acaba virando uma dor de cabeça. Isso porque ele terá o trabalho de buscar novas opções para reinvestir o dinheiro recebido. E isso em um cenário onde os prêmios estão bem menores do que quando aplicou os recursos. Essa lógica, é bom lembrar, vale tanto para debêntures quanto para os bonds, que são os títulos de dívida emitidos no mercado internacional.

Por exemplo: imagine que três anos atrás você adquiriu uma debênture com prazo de 10 anos de uma companhia com ótimo perfil de crédito que pagava CDI mais um "spread" de 3%. Mas o contrato previa que, após esses três anos, a emissora poderia resgatar antecipadamente os papéis.

Se a empresa decidiu acionar a cláusula, você vai receber o dinheiro corrigido segundo as condições acertadas. Além disso, em geral, o investidor ainda recebe um prêmio extra para compensar a oferta não solicitada. Esse bônus vai variar de acordo com o momento de mercado.

Até aí tudo bem. Mas o problema vem em seguida. Isso porque se quiser manter o dinheiro aplicado nas mesmas condições, o ambiente atual não vai ajudar. Os spreads – a taxa que as debêntures pagam acima do CDI ou de um título público de prazo equivalente – caíram pela metade em relação ao fim de 2023. E olha que, naquele ano, esses spreads já haviam caído.

As debêntures de companhias classificadas como "high grade", com o melhor perfil de crédito, têm sido emitidas com um spread de menos de 1% ao ano desde o terceiro trimestre de 2024. Ou seja, aquela sua aplicação antiga que teria pagado ainda mais sete anos de CDI + 3% vai ter de ser substituída por outra de CDI + 1%, se quiser manter o mesmo nível de risco.

Além disso, em grande parte dos casos, as recompras são obrigatórias. Ou seja, o debenturista não tem escolha: ele vai ter que vender o papel. Há, porém, os resgates facultativos, quando o detentor do título pode optar por manter a debênture. Nesse tipo de operação, as empresas já se dão por satisfeitas se conseguirem pagar antecipadamente uma fatia significativa da dívida, de 50% ou 60%.

Quem comprou o título no mercado secundário pode ainda enfrentar outro tipo de risco. Nesse caso, se o valor de aquisição do título foi mais alto do que o preço oferecido no resgate antecipado, esse investidor vai ter alguma perda.

Empresas se antecipam a cenário mais difícil

O que explica essa onda de recompras de dívidas? É que, com o juro se aproximando do maior nível em 10 anos, ganhou força o movimento de as empresas buscarem mais fôlego na gestão de endividamento.

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Um levantamento feito para o InvestNews pela butique digital bamboo DCM, especializada em mercado de capitais, mostra um crescimento de 197,37% no volume de recompras de debêntures em 2024, comparado a um ano antes. O montante atingiu R$ 113 bilhões frente a apenas R$ 38 bilhões em 2023. A quantidade de operações de resgate também mais que dobrou de 140 para 314 no período.

Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram ainda que janeiro de 2025 segue toada semelhante. O volume de recursos utilizados para quitar dívidas, o que inclui as recompras de títulos, cresceu mais de dez vezes comparado ao mesmo mês de 2024. Há um ano as companhias utilizaram R$ 457 milhões para esse fim. No início de 2025, foram R$ 4,7 bilhões.

A principal fórmula de rendimento que os papéis de crédito emitidos por companhias, como as debêntures, têm usado atualmente é conhecida no mercado como CDI+. Nesse formato, o título paga ao investidor o retorno do certificado de depósito interfinanceiro mais um juro extra, que é o spread ou prêmio.

Como a renda fixa virou a incontestável rainha do baile dos investimentos, o aumento da demanda pelos títulos de crédito privado, como as debêntures, tem derrubado os spreads. As empresas têm aproveitado o momento de redução para trocar as dívidas por novas emissões com custo menor e prazo mais longo. Desse modo, conseguem mais fôlego para atravessar um cenário onde a taxa básica Selic, que baliza o CDI, alcança 13,25% ao ano e, segundo sinalização do próprio Banco Central, vai subir para 14,25% em março.

Spreads em queda

Urian Inhauser, executivo-chefe de operações (COO) da bamboo, explica que o spread médio das debêntures emitidas em 2024 recuou para menos da metade do negociado um ano antes. Isso tanto para os papéis indexados pelo CDI, que representam 70% de todas as emissões, quanto aqueles referenciados no índice de inflação oficial, o IPCA.

O levantamento mostra que no último trimestre do ano passado o prêmio negociado nas captações em CDI+ comparado ao título do Tesouro de prazo semelhante variou em uma faixa de -0,03% a 0,9%. No começo de 2024, o prêmio médio do CDI+ atingia 3,4%.

O spread negativo indicado no piso da faixa significa que houve emissões que chegaram a pagar menos do que os papéis públicos equivalentes. Foi o caso de uma operação da Vale de R$ 6 bilhões feita em outubro do ano passado. A debênture de infraestrutura com prazo de 10 anos foi negociada com um decréscimo de 0,3 ponto percentual em relação ao título Tesouro IPCA+ 2035.

Em 2024, o volume de emissões de debêntures dobrou comparado ao ano anterior. Os dados da Anbima mostram um crescimento de 100,2%. As companhias brasileiras captaram R$ 472,7 bilhões no ano passado ante R$ 236,6 bilhões em 2023.

Em janeiro de 2025, o volume de emissões foi 3,5 vezes maior na comparação com o mesmo mês de 2024. Foram emitidos R$ 28,5 bilhões só no primeiro mês do ano contra R$ 8,3 bilhões no período anterior.

Custos menores para as empresas

A redução dos spreads parece ter atingido um piso. Ao longo dos próximos meses, o mercado não espera mais quedas. Apesar disso, os prêmios devem permanecer nos níveis baixos atuais. "Estou esperando estabilidade de spread, diferentemente de 2024, quando teve um fechamento muito expressivo", afirma o executivo-chefe de investimentos (CIO) em renda fixa da Genial, Rafael Zlot. "Tem ainda um volume considerável de papéis para chegar ao mercado."

A própria recompra gera mais demanda por novos papéis. Isso porque o detentor do debênture resgatada tem de procurar títulos para realocar o dinheiro recebido. "Os fundos de crédito, por exemplo têm de se reposicionar, com isso o risco da recompra para o investidor é ter de mudar o perfil de rendimento e de prazos, ou seja, aceitar um retorno abaixo do que tinha no papel recomprado". diz Inhauser, da bamboo.

De qualquer modo, ainda que possam reduzir o custo da dívida, o ciclo de alta dos juros pode ofuscar essa melhora. A pesquisa Focus do BC mostra que o mercado já vislumbra uma Selic de 15% no fim de 2025.

Um spread de 1% ao ano representaria um custo de 16% da dívida da companhia. A redução do prêmio, como se vê, é mais um alívio temporário. O verdadeiro teste de resiliência ainda está por vir.

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