Finanças

‘Trio 3G’ se manifesta sobre Americanas 11 dias após colapso da varejista

Acionistas de referência Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira disseram não ter conhecimento de ‘inconsistências contábeis’.

Publicado

em

Tempo médio de leitura: 10 min

Desde que o rombo contábil da Americanas (AMER3) foi descoberto e levado a público, seus acionistas de referência Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira – sócios do 3G Capital e donos de gigantes como AB InBev, Kraft Heinz e da rede de restaurantes Restaurants Brands International (dona da rede Burger King) – se mantiveram em silêncio.

Mas 11 dias depois do fatídico 11 de janeiro em que a varejista divulgou em fato relevante suas “inconsistências contábeis”, o trio de acionistas se manifestou pela primeira vez por meio de uma nota ao mercado. A abertura do texto divulgado no domingo (22) à noite se deu com a seguinte declaração:

“Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia. Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal. Isso foi determinante para a posição que alcançamos em toda uma vida dedicada ao empreendedorismo, gerando empregos, construindo negócios e contribuindo para o desenvolvimento do país”.

E a PwC?

Lemann, Telles e Sicupira disseram que contavam com a PwC – uma das maiores e mais bem conceituadas empresas de auditoria independente do mundo. “Ela, por sua vez, fez uso regular de cartas de circularização, utilizadas para confirmar as informações contábeis da Americanas com fontes externas, incluindo os bancos que mantinham operações com a empresa. Nem essas instituições financeiras nem a PwC jamais denunciaram qualquer irregularidade”.

O trio nega ter qualquer conhecimento do rombo denunciado por Sergio Rial, que foi CEO da varejista por apenas nove dias.

Mas, segundo os bilionários, todos os esforços vêm sendo feitos para que todos os fatos sejam esclarecidos e que trabalham pela recuperação da empresa com a maior “brevidade” possível.

Os empresários brasileiros Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann Telles. Foto: Divulgação.

Executivos sabiam do rombo?

As denúncias feitas pelo ex-presidente da Americanas Sérgio Rial a respeito das “inconsistências contábeis” nas contas da varejista, trouxeram à tona, além do escândalo, a desconfiança sobre a possível responsabilidade de integrantes do conselho de administração e dos altos executivos ligados à companhia ao longo dos últimos anos.

No dia seguinte ao pedido de recuperação judicial, a principal pergunta feita por interlocutores do mercado financeiro era se o alto escalão da empresa sabia do rombo bilionário e foi conivente com a situação, o que apontaria para um possível caso de fraude nos balanços da varejista.

Mas, afinal, era possível que os executivos e investidores de referência das Americanas, como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira – que lideram o fundo de investimentos 3G Capital –, soubessem do problema antes mesmo de ele ser denunciado por Rial?

Segundo apurou a “Agência Estado” com fontes do mercado financeiro, a desconfiança em relação aos executivos da Americanas acabou sendo agravada diante das notícias de que membros da diretoria da empresa teriam vendido quantias expressivas em ações pouco tempo antes de o caso ser divulgado por Rial. Para um executivo do setor, que pediu para não ser identificado, se a direção da Americanas não sabia, tinha “uma grande desconfiança” sobre o buraco no balanço.

Apesar de não serem taxativos em acusar os executivos de fraude, os especialistas em governança e nomes do mercado financeiro ouvidos pela reportagem concordam ao dizer que, dificilmente, um rombo dessa magnitude passaria despercebido pelos gestores ou pelas empresas de auditorias, ambos com livre acesso aos dados.

Na avaliação de Fernando Ferrer, analista da Empiricus Research, as inconsistências contábeis podem ter passado despercebidas pelos analistas que acompanham o desempenho da companhia, uma vez que os relatórios de desempenho enviados ao mercado não trazem todas as operações, mas sim um resumo das atividades financeiras. “Sem acesso a todos os números, para nós, os balanços apontavam apenas que a empresa queimava muito o seu caixa”, diz.

Como o rombo desapareceu do balanço?

Além dos questionamentos sobre se houve ou não omissão da companhia e da PwC – empresa que auditou os últimos balanços da varejista -, outra dúvida recorrente quando o assunto é o rombo que supera R$ 40 bilhões na Americanas é de como essas dívidas teriam sido omitidas dentro dos relatórios e passado despercebidas por inúmeros gestores.

O analista da Empiricus diz que, ao discriminar os seus passivos no balanço – termo utilizado para descrever itens como dívidas e operações de crédito -, a varejistas não estaria reportando o valor total da sua dívida envolvendo as operações de risco sacado, apenas o montante relativo aos juros.

“Simplificando muito, é como se a Americanas comprasse uma TV através do crédito de risco sacado, mas não colocasse o custo total desse ‘empréstimo’ na sua tabela de passivos, apenas o valor do juros, sem falar o preço pago pela TV”, diz. “Assim, o endividamento real da empresa não aparecia.”

Ferres acredita que o escândalo envolvendo as Americanas pode ter um “lado positivo” para os investidores porque, de agora em diante, as casas de análises cobrarão das companhias por mais transparência nas suas demonstrações de resultado.

“O mercado vai passar a exigir novas formas de reportar essas informações. Eu mesmo entrei em contato com todas as empresas que eu acompanho pedindo mais informações sobre possíveis operações de risco sacado feitas por elas”, afirma.

Se, de um lado, alguns analistas não descartam a possibilidade de fraudes contábeis, de outro, alguns investidores já apontam que o alto comando da companhia tinha conhecimento dos problemas antes mesmo de Sérgio Rial assumir o controle do negócio.

“Parece que o Rial entrou na empresa sabendo que havia um problema. A Americanas deve fazer a triangulação com o Santander. Talvez ele já soubesse e constatou o problema quando assumiu o cargo”, disse à agência Estado Marcello Marin, diretor financeiro da empresa de contabilidade e gestão Spot Finanças.

Há quem seja mais taxativo em relação à hipótese de fraude. É o caso do advogado Daniel Gerber, que representa um grupo de acionistas minoritários da Americanas. “Acreditar que foi desatenção é como acreditar em Papai Noel”, afirmou.

Segundo ele, o rombo nas finanças da varejista não foi um acidente, mas sim o que chamou de “uma ação orquestrada durante anos”. O advogado informou que os acionistas minoritários da Americanas querem responsabilizar criminalmente a consultoria PwC, que auditou o último balanço financeiro da varejista, além de pedir o afastamento dos três acionistas de referência da companhia e de qualquer empresa com capital aberto.

Americanas: recuperação é para recuperar caixa e manter operação

No sábado (21) – véspera da divulgação da carta do trio de acionistas – a Americanas postou em seu site um comunicado oficial aos seus clientes para dizer que segue normalmente em operação e não há riscos para as compras em todos os seus canais de atendimento. Segundo a companhia, nada mudou. Lojas, sites e apps vão continuar funcionando normalmente.

“Seguimos abertos e prontos para suas compras e entregas, nas lojas, no site e no app. Somando os esforços do nosso time e das melhores soluções tecnológicas, vamos continuar dando acesso ao maior número de brasileiros e brasileiras às melhores ofertas, produtos e serviços. Então, se tem uma coisa que nada muda é que, por aqui, seguimos pensando e trabalhando por você.”

No entanto, a companhia explica em comunicado que os últimos dias não foram fáceis e que foi preciso entrar com pedido de recuperação judicial, uma vez que, desde que foram descobertas inconsistências contábeis nos balanços, não foi possível encontrar uma solução rápida e funcional com os credores.

“Esgotadas as negociações com os credores, nos vimos obrigados a nos proteger com este pedido na Justiça”, indica o comunicado. “Sabemos que surgirão dúvidas sobre o nosso futuro. Por isso, é importante lembrar que a recuperação é apenas um recurso judicial utilizado para proteger nosso caixa para que possamos continuar em operação em nossas lojas, sites e app enquanto, em paralelo, seguimos em novas negociações com tais credores.”

No espaço de perguntas e respostas, há um questionamento pronto como: “a empresa vai falir?”, no qual responde: “Não. A recuperação judicial é uma forma de empresas viáveis economicamente seguirem com suas operações, com seu caixa preservado e negociando soluções com seus credores.”

A condição de funcionamento normal também se estende às marcas Submarino e Shoptime, da Americanas S.A., mas dentro das novas regras do regime de recuperação judicial.

Com relação ao programa AME, de chashback, a empresa afirma que o dinheiro que foi obtido por meio do programa e está nas contas digitais seguirá disponível normalmente, “podendo ser utilizado de diferentes formas, de acordo com a política vigente”.

Nota na íntegra

Conhecidos como os maiores empresários do Brasil, Lemann, Telles e Sicupira se uniram na década de 1970, no antigo banco Garantia, onde começaram a investir em companhias. A primeira empreitada foi com a Americanas. Veja abaixo nota pública na íntegra pelo trio 3G no domingo:

No dia 11 de janeiro de 2023, por meio de “fato relevante”, a Americanas S.A. tornou pública a existência de significativas inconsistências em sua contabilidade. Desde então, sempre com transparência e imediatismo, vários esforços vêm sendo feitos para o correto tratamento dos desafios que hoje se colocam à empresa.

Usamos dessa mesma clareza para esclarecer de modo categórico e a bem da verdade que:

1) Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia. Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal. Isso foi determinante para a posição que alcançamos em toda uma vida dedicada ao empreendedorismo, gerando empregos, construindo negócios e contribuindo para o desenvolvimento do país.

2) A Americanas é uma empresa centenária e nos últimos 20 anos foi administrada por executivos considerados qualificados e de reputação ilibada.

3) Contávamos com uma das maiores e mais conceituadas empresas de auditoria independente do mundo, a PwC. Ela, por sua vez, fez uso regular de cartas de circularização, utilizadas para confirmar as informações contábeis da Americanas com fontes externas, incluindo os bancos que mantinham operações com a empresa. Nem essas instituições financeiras nem a PwC jamais denunciaram qualquer irregularidade.

4) Portanto, assim como todos os demais acionistas, credores, clientes e empregados da companhia, acreditávamos firmemente que tudo estava absolutamente correto.

5) O comitê independente da companhia terá todas as condições de apurar os fatos que redundaram nas inconsistências contábeis, bem como de avaliar a eventual quebra de simetria no diálogo entre os auditores e as instituições financeiras.

6) Manifestamos mais uma vez nosso compromisso de integral transparência e de total colaboração em tudo que estiver ao nosso alcance para esclarecer todos os fatos e suas circunstâncias.

7) Lamentamos profundamente as perdas sofridas pelos investidores e credores, lembrando que, como acionistas, fomos alcançados por prejuízos.

8) Reafirmamos o nosso empenho em trabalhar pela recuperação da empresa, com a maior brevidade possível, focados em garantir um futuro promissor para a empresa, seus milhares de empregados, parceiros e investidores e em chegar a um bom entendimento com os credores.

Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira

Com agência Estado.

Mais Vistos