Mercado financeiro passa por teste de estresse com a crise no Oriente Médio

Sim, o ouro subiu e as ações caíram, mas não houve pânico generalizado. O mercado estaria otimista demais?

Por

É bem o ponto de tensão geopolítico que, em outros tempos, poderia ter provocado um colapso total nos mercados: aviões de guerra israelenses atacaram instalações nucleares iranianas, Teerã prometeu vingança – e cumpriu. O petróleo disparou.

Ainda assim, em um ano marcado por crises sucessivas, os traders de Londres a Nova York preferiram prender a respiração a fugir em massa.

Sim, o ouro subiu e as ações caíram, mas não houve pânico generalizado. O S&P 500 terminou a semana com uma queda modesta e segue a menos de 3% de sua máxima histórica. O petróleo devolveu parte dos ganhos iniciais.

LEIA MAIS: Mercado de petróleo, calejado com os riscos de guerra, enfrenta um de seus finais de semana mais tensos

Essa relativa calma – por enquanto – seguiu um roteiro já conhecido: os mercados se chocam, os preços recuam, e os compradores de oportunidade voltam às compras. Um padrão que se consolidou após meses de crises que nunca se materializaram totalmente. Esse comportamento ganhou novo impulso esta semana, quando os dados de inflação e de confiança do consumidor vieram melhores do que o esperado.

Os ataques aéreos mexeram com esse padrão de negociação na sexta-feira, mas sem quebrá-lo. No final, outro fenômeno típico de Wall Street também foi fundamental para salvar a semana: o momentum.

Desde os prêmios de risco em títulos corporativos até as criptomoedas e a amplitude do mercado de ações, as tendências continuam amplamente positivas – sinal de que os gestores de recursos seguem mais preocupados em perder as recuperações de mercado do que em sucumbir a uma nova queda.

Agora, o foco se volta para o fim de semana. Com a escalada em andamento, os mercados aguardam sinais do Oriente Médio e de Washington que podem definir o tom da próxima semana – e testar o quanto o reflexo de compra nas quedas ainda é durável.

“Este tem sido um ano em que ignorar as más notícias foi recompensador, e o tema do FOMO (medo de ficar de fora) tem ganhado força”, disse Max Gokhman, vice-diretor de investimentos da Franklin Templeton Investment Solutions. “Quando esse momentum vira euforia cega, os otimistas podem bater de frente com um muro a toda velocidade, mas ainda não chegamos lá.”

Naturalmente, a ansiedade continua, como tem sido ao longo deste ano turbulento. Israel alertou que seus ataques podem durar semanas, enquanto o Irã prometeu uma resposta enérgica.

As compras de investidores individuais também estão diminuindo, o dinheiro está migrando para caixa e ouro, e os títulos pouco ofereceram de proteção: o rendimento dos Treasuries de 10 anos terminou em alta na sexta-feira, um lembrete de que nem os ativos tradicionais de proteção são garantia num cenário de incerteza fiscal.

E um agravante: o presidente Donald Trump prometeu impor tarifas abrangentes dentro de duas semanas, um potencial choque no lado da oferta que pode se somar a um mercado de petróleo já em alerta.

“Se o mercado de ações conseguir resistir a isso, só vai aumentar o FOMO. Pode gerar a percepção de que o rali é à prova de bala”, disse Michael Purves, fundador e CEO da Tallbacken Capital Advisors. “Isso aumenta o risco de queda lá na frente.”

No fechamento da sexta-feira, as commodities acabaram sentindo mais a pressão do conflito em curso, com o petróleo subindo cerca de 8% e o ouro testando uma máxima histórica. O S&P 500 terminou a semana com queda de apenas 0,4%, enquanto os Treasuries de 10 anos recuaram cerca de 10 pontos-base. O índice de volatilidade VIX fechou a semana pouco acima de 20, enquanto os indicadores de volatilidade de títulos e moedas encerraram em queda.

Um fator que pode explicar a resiliência relativa dos mercados é o volume de choques que os investidores já absorveram em 2025 – de inflação e oscilações nos títulos a tarifas e geopolítica. Embora cada evento tenha provocado quedas pontuais, as recuperações foram rápidas o suficiente para reforçar, e não enfraquecer, o impulso de momentum entre os investidores.

Um índice do Société Générale que acompanha o momentum entre diferentes classes de ativos registrou neste mês uma das reversões mais acentuadas da história, com nove dos 11 componentes emitindo sinais de alta. As tendências em renda fixa, ações e moedas estavam todas positivas quando o conflito começou. Movimentos como esse são difíceis de ignorar para os traders de risco de Wall Street, segundo Manish Kabra, do SocGen.

“Quando olhamos para os índices VIX e MOVE, eles mostram um certo grau de complacência, o que é um pouco surpreendente considerando todos esses eventos recentes”, disse Phillip Colmar, estrategista global da MRB Partners. “Se não tivéssemos passado pelo fiasco de abril, acho que o mercado estaria mais nervoso e negativo agora.”

De fato, o posicionamento otimista está tão extremo que até alguns céticos de Wall Street estão preocupados. O medo de ficar de fora tem levado a leituras extremas no universo dos ETFs, entre outros indicadores, com fundos de alto beta recebendo muito mais aportes do que os de baixo beta, segundo Athanasios Psarofagis, da Bloomberg Intelligence.

“Assim como houve uma reação exagerada na queda após as primeiras notícias sobre tarifas, a recuperação agora parece um pouco otimista demais, na nossa visão”, disse Nathan Thooft, da Manulife Investment Management, de Boston, que administra US$ 160 bilhões. “Ainda há várias incertezas que podem gerar maior volatilidade nos mercados nos próximos meses. Dito isso, acreditamos que os piores cenários envolvendo tarifas estão fora de cogitação.”

Construir o argumento de que a guerra comercial de Trump levará os EUA a uma recessão em breve ficou mais difícil, em meio a uma sequência de dados econômicos positivos. Dados desta semana mostraram que a inflação ao consumidor e ao produtor em maio veio abaixo das previsões. Na sexta-feira, a Universidade de Michigan informou que seu índice preliminar de confiança do consumidor subiu, superando todas as estimativas da pesquisa Bloomberg com economistas.

“Uma sequência constante de manchetes favoráveis, ou ao menos neutras, pode manter a festa de ‘comprar na baixa’ em andamento”, disse Michael Bailey, diretor de pesquisa da FBB Capital Partners. “O aumento quase imperceptível do VIX hoje sugere que os investidores veem o conflito Israel-Irã como um evento geopolítico relativamente contido, o que ajuda a manter o novo bull market vivo.”

Exit mobile version