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Aéreas: combustível verde esbarra na falta de oferta – e na demanda por subsídios

O SAF, menos poluente, é até quatro vezes mais caro que o querosene de aviação. Veja como as empresas buscam desatar esse nó

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Um voo único São Paulo-Londres emite algo próximo de 215 toneladas de CO2 na atmosfera. É o equivalente ao que um carro gasta em seis meses, rodando 20 km por dia, sete dias por semana. Adicione o voo de volta, e temos um ano das emissões de um carro a gasolina.

Por essas, as companhias aéreas têm um compromisso com a IATA (Associação Internacional de Transportes Aéreos) de neutralizar 100% de suas emissões de carbono até 2050. 

Até existem aviões elétricos, mas eles são minúsculos. Aeronaves comerciais que não queimem combustível ainda são uma utopia. A saída, então, é apostar em combustíveis mais limpos. No caso, o chamado SAF (Sustainable Aviation Fuel) – produzido a partir de fontes renováveis, como o etanol. “Sem o SAF, o setor não vai ser carbono zero de forma alguma”, diz Filipe Alvarez, gerente de sustentabilidade da Azul.

O problema: se o combustível fóssil usado hoje já representa um gargalo no orçamento das empresas aéreas, com o produto menos poluente a conta pode não fechar. Na Europa, onde o mercado está mais avançado, o SAF custa quatro vezes mais do que o querosene de aviação.

“Se você considerar que, no Brasil, o combustível já representa quase 50% do custo operacional de uma área, aumentar essa proporção inviabilizaria o setor”.

Filipe Alvarez, gerente de sustentabilidade da Azul.

Por aqui, as principais companhias áreas – Azul (AZUL4), Gol (GOLL4) e Latam – ainda não usam o SAF em seus aviões comerciais. Lá fora, o setor também anda a passos de tartaruga, mas há exemplos concretos. É caso da KLM. A companhia aérea holandesa adiciona 1% de SAF, feito de óleo de cozinha usado, no abastecimento de cada voo que sai do aeroporto de Schiphol, em Amsterdã.

O que explica a escassez de usuários do produto é um mercado ainda incipiente, com poucos fornecedores. Lígia Sato, gerente de sustentabilidade da Latam Brasil, explica que a produção hoje é suficiente apenas para 0,15% da demanda mundial. Com o preço no patamar atual, porém, há pouca demanda – e sem aumento de demanda não há crescimento na oferta.

“Para solucionar o problema é fundamental um marco regulatório da descarbonização da aviação, com regras claras e coerentes, segurança jurídica para investimentos, além de incentivos e tributação adequados”, diz.

Aeronaves da Gol, da TAM e da Azul, em aeroporto no Rio de Janeiro. 12/1/2017. REUTERS/Nacho Doce

Falta uma mãozinha?

O ponto central da frase de Ligia Sato é a palavra “incentivo”. Significa que, sem subsídios, o SAF não decola. Nos EUA, desde 2022 há um subsídio de até US$ 1,75 por galão para produtores e companhias que adicionarem o SAF ao querosene – dá 60% do preço de um galão de combustível fóssil, de modo a abrir alguma manga para que as empresas usem em parte o combustível verde, bem mais caro.  

No Brasil, ainda não existe nada claro sobre a mãozinha que o Estado pode dar.  O que se tem no momento é o projeto de lei “combustível do futuro”, aprovado pela Câmara dos Deputados, e que criou o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação, o ProBioQAV. 

O documento, que está em votação no Senado, diz que, a partir de janeiro de 2027, as empresas serão obrigadas a reduzir as emissões de gases do efeito estufa nos voos domésticos por meio do uso do SAF. As metas começam com 1% de redução e crescem gradativamente até atingir 10% em 2037. 

“O PL define algumas coisas, mas ainda não está discutindo a estrutura de precificação e tributação. Provavelmente isso vai ser discutido em regulações complementares, por decreto”, avalia Alvarez da Azul.

Para Eduardo Calderon, diretor do Centro de Centro de Controle Operacional (CCO) e engenharia da Gol, faria sentido adotar no Brasil um incentivo parecido ao aprovado nos EUA.

“Mas se for um mandato igual ao da Europa [sem subsídio], não tem jeito. Vai ter um incremento de custo e, obviamente, o produto final [que é a passagem aérea] pode acabar mais caro”, avalia Calderon.

Etanol pode salvar a lavoura?

A Raízen, maior produtora global de etanol da cana-de-açúcar, quer apostar no etanol de segunda geração (E2G) para produzir o SAF. 

O produto é resultado do reaproveitamento de resíduos gerados na produção do etanol comum e do açúcar, como bagaço de cana – ou seja, trata-se de um combustível ainda mais sustentável, já que é feito de materiais que acabariam descartados.

A estimativa da empresa é que a demanda global por SAF atinja aproximadamente 20 milhões de m³ em 2030.

“Se um quarto vier do etanol, serão 9 milhões de metros cúbicos a mais necessários para atingir a demanda mundial”, explica Paulo Côrte-Real Neves, vice-presidente de trading da Raízen. Isso representa cerca de 10% da produção global de etanol hoje.

A empresa pretende investir R$ 24 bilhões em 20 fábricas dedicadas a produção do etanol E2G, que aumenta em 50% a produtividade da companhia com a mesma área de cana plantada. Do total, 9 já foram anunciadas e outras 11 estão em definição.

Neves explica que a produção nacional pode ajudar a tornar o combustível verde bem mais acessível por aqui. “A logística é 70% mais cara se o SAF for produzido fora do Brasil”, diz o executivo. 

Calderon, da Gol, acredita que o SAF tem tudo para dar certo no Brasil, justamente pela potência do país na produção. “Acho que o Brasil pode ser o Oriente Médio do combustível alternativo. Se a gente fizer um negócio bem feito, temos tudo para ser um grande fornecedor desse tipo de combustível para o mundo”.

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