“Não é só futebol”, dizem. E não é mesmo. Nas novas arenas, os gramados servem tanto ao corre-corre dos 22 jogadores quanto aos milhares de fãs que transformam as quatro linhas em pista de dança. Em nenhuma cidade do Brasil isso é tão verdade quanto na capital paulista, onde as casas de Palmeiras, Corinthians e São Paulo – mais o Pacaembu – disputam shows internacionais, jogos de outros esportes, convenções corporativas…
Na parte corporativa, esses espaços concorrem ainda com estruturas como a São Paulo Expo, o Pavilhão Bienal e o Distrito Anhembi.
Como diferencial, oferecem o apelo futebolístico, a localização privilegiada – quando ela existe –, alguma vista especial e mesmo a possibilidade de hospedar eventos que funcionem de maneira integrada ao espetáculo que acontece no gramado.
Foi nesse terreno, em que emoção e negócios se misturam, que o Allianz Parque inaugurou um novo padrão em 2014. A arena erguida pela WTorre no terreno do antigo Parque Antarctica não só reposicionou o Palmeiras como redefiniu o que significa ter um estádio em São Paulo.
Segue o líder
O Allianz Parque foi um projeto ousado em um modelo até então inédito no Brasil. O Palmeiras, dono do espaço, topava ceder o terreno para que a construtora WTorre erguesse um estádio moderno. Em troca, o clube ficaria com parte da bilheteria dos jogos e repasses de camarotes, enquanto a empresa administraria eventos e áreas corporativas. A conta da obra girou em torno de R$ 660 milhões na época, o equivalente a R$ 1,2 bilhão em valores de hoje. O Palmeiras não colocou a mão no bolso para levantar a arena.
Dez anos depois, não dá para negar que a aposta deu certo: o Allianz virou o padrão-ouro das arenas brasileiras e já recebeu mais de 10 milhões de pessoas, somando mais de 300 jogos de futebol e 230 shows. A arquitetura pensada para a acústica e a logística de grandes produções permitiu que o estádio desbancasse o Morumbi, por décadas o palco preferencial das turnês internacionais em São Paulo. De Taylor Swift a Paul McCartney, todos passaram a ver o Allianz como primeira escolha.
A localização foi determinante. Cravado na Zona Oeste da cidade, com seus bairros de alto poder aquisitivo, e próximo ao eixo empresarial da Faria Lima, o Allianz tornou-se conveniente para quem está disposto a pagar caro por experiências VIP. Ali, um ingresso de pista premium pode custar mais de R$ 1.500, e camarotes corporativos transformam noites de show em jantares de negócios com vista para o palco.
Em 2024, o Allianz faturou R$ 241 milhões, alta de 20% em relação ao ano anterior. Do total, R$ 40,5 milhões foram repassados ao Palmeiras. O detalhe revelador é que o estádio recebeu apenas 30 jogos e 47 shows. O gramado vale mais quando vira pista.
Esse desempenho é fruto de uma engenharia de receitas que mistura tudo um pouco: o contrato de naming rights com a seguradora Allianz, avaliado em R$ 300 milhões por 20 anos; os aluguéis para shows e convenções; a venda de camarotes corporativos e cadeiras cativas; a exploração de bares, restaurantes e estacionamentos; e até mesmo a criação de espaços independentes, como o Base, um coworking de dois andares, e o Parque Mirante, um salão multiuso para eventos, casamentos, lançamentos de carros e festas corporativas. Até um leilão de bois está agendado para acontecer lá.
Desde o início, no entanto, houve conflito entre Palmeiras e a WTorre, que travaram uma disputa judicial encerrada só no fim do ano passado. O acordo incluiu o pagamento de R$ 117,1 milhões ao Palmeiras, retroativo a shows e cia que aconteceram no estádio, aumento da participação do clube nas receitas de eventos – de 25% para 30%, além de ampliar de 10% para 15% a fatia do Verdão com o que for faturado nos camarotes e nos naming rights (note bem: o dinheiro que a Allianz paga para dar nome ao estádio vai para a WTorre, não para o Palmeiras).
Com os novos acordos, de qualquer forma, o clube espera arrecadar mais de R$ 60 milhões anuais.
Mercado Livre Arena Pacaembu: o desafiante
Rebatizado de Mercado Livre Arena Pacaembu, o estádio municipal da década de 1940 se apresenta como a nova opção para eventos e jogos em São Paulo. O projeto apela para a memória afetiva dos paulistanos e para a localização privilegiada – a futura estação de metrô FAAP-Pacaembu, da Linha 6-Laranja, está prevista para 2027 e estará praticamente colada na Praça Charles Miller.
O Pacaembu sofreu com o esvaziamento depois que o Corinthians passou a mandar seus jogos na nova casa, a Neo Química Arena, a partir de 2014. Em 2020, a prefeitura decidiu concedê-lo à iniciativa privada por 35 anos. Venceu o consórcio liderado pela Allegra Pacaembu, comandada por Eduardo Barella.
O nome mudou para Mercado Livre Arena Pacaembu, após um contrato de naming rights avaliado em R$ 1 bilhão por 20 anos — o maior já fechado no país. A ideia é transformar o estádio em um complexo multiuso premium, sem perder a aura de espaço público.
“O Pacaembu é um ativo imobiliário que, por sinal, tem um campo lá dentro”, resume Barella.
As obras começaram em 2021 e a inauguração parcial aconteceu no começo deste ano. As arquibancadas têm capacidade para receber 25 mil pessoas. Em shows, com o gramado à disposição do público, a lotação é de 40 mil. Diferente do que acontece no Allianz, a aposta é no conceito de arena boutique, com pacotes de match day que podem incluir hospedagem em hotel dentro das dependências da arena e acesso a camarotes.
O modelo de negócios se sustenta em três pilares: atrair fluxo de pessoas, aumentar o tempo de permanência e manter os espaços sempre ocupados. Para isso, o complexo oferece 45 mil m² de novas áreas, incluindo um hotel temático da Universal Music com 87 quartos, escritórios, restaurantes e um centro de reabilitação esportiva administrado pelo Hospital Albert Einstein. Esses empreendimentos ainda estão em construção e ocupam a área do antigo Tobogã. A previsão é que sejam inaugurados no primeiro semestre de 2026.
Os eventos devem responder por cerca de 35% do faturamento, patrocínios e mídia por 30%, aluguéis fixos de lojas e escritórios por 15%, e o restante virá de estacionamento, alimentos, bebidas e merchandising. A expectativa é atingir R$ 290 milhões anuais de faturamento e recuperar o investimento — cerca de R$ 800 milhões em obras, além de R$ 111 milhões pela outorga — em até 12 anos.
Barella diz não temer a concorrência.
“Se você quiser comparar, a gente tem um Allianz ou um Morumbis no campo, mais um Espaço das Américas ‘enterrado’ e um Centro de Convenções Rebouças debaixo da arquibancada”, enumera, citando outros dois espaços de eventos bem requisitados da cidade. “São múltiplas formas de fazer receita e a localização é incrível, é como se o Maracanã ficasse no Leblon.”
O sonho da arena própria
Se Allianz e Pacaembu já estão no jogo, outros clubes e empreendedores tentam correr atrás. Mas construir ou reformar arenas não é tarefa simples. O fator determinante continua sendo a localização.
E ele pesa contra a Neo Química Arena. O estádio de Itaquera nasceu para a Copa de 2014 e levou consigo a promessa de transformar a Zona Leste em polo de entretenimento. O contrato de naming rights com a Hypera Pharma, de R$ 300 milhões por 20 anos, parecia garantir estabilidade. A casa do Timão é sede de jogos oficiais da NFL, principal liga de futebol americano – os ingressos não saem por menos de R$ 700 –, e já recebeu o não menos americano Monster Jam.
Mas a realidade mostrou-se mais dura: mesmo a poucos metros do metrô Corinthians-Itaquera, a arena não consegue atrair o público disposto a gastar em shows caros ou pacotes VIP. A distância de 25 quilômetros em relação ao centro econômico da cidade pesa. O perfil socioeconômico da região também, e a arena ainda não se consolidou como casa de grandes turnês.
O outro grande estádio da capital é Morumbis – que passou a ter como última sílaba o nome do chocolate da Lacta após um acordo de naming rights que começou em 2024: R$ 90 milhões por três anos. A casa do São Paulo F.C., construída nos anos 1950, é visto como ultrapassada. A inauguração da estação São Paulo-Morumbi, da Linha 4-Amarela, facilitou o acesso, mas ir do metrô ao estádio ainda significa uma desconfortável caminhada de mais de 20 minutos pelos 1.600 metros de calçadas estreitas que separam as duas estruturas.
Ainda pesam contra a casa do Tricolor a grande distância das arquibancadas para o gramado, o que prejudica a experiência, e a acústica que deixa a desejar. Um projeto de modernização com a WTorre promete transformar o Morumbis em uma arena moderna com 85 mil lugares em jogos e até 100 mil em shows, além de uma esplanada multiuso para receber feiras e eventos corporativos. O custo é estimado em R$ 1,5 bilhão. Mas, por ora, tudo não passa de projeto, inicialmente pensado para o centenário do Tricolor, a ser completado em 2030.
Em Santos, a Vila Belmiro é um pedaço da história do futebol brasileiro, mas suas instalações datadas de 1916 não dão conta da nova realidade. O clube tem planos de erguer a Nova Vila Belmiro, uma arena de 30 mil lugares ao custo de R$ 700 milhões – também em parceria com a WTorre.
Até a Portuguesa tenta ressurgir no mapa das arenas. O projeto do Novo Canindé, previsto para começar em 2026, promete capacidade de 46,5 mil torcedores em jogos e até 84,5 mil pessoas em shows, o que colocaria a casa da Lusa no mesmo patamar das maiores arenas do país.
A concorrência aumenta a oferta, melhora a infraestrutura e cria novos padrões de hospitalidade. Para as arenas, o verdadeiro jogo acontece na planilha de receitas, nas negociações de naming rights, na engenharia acústica, no urbanismo e na capacidade de dialogar com a cidade.
Se todos esses planos se realizarem, ou mesmo uma parte deles, São Paulo definirá o novo padrão brasileiro de arenas multiuso. Uma transformação que vai além do futebol e dialoga com a vocação da cidade como capital latino-americana de eventos corporativos e de entretenimento.
E a partida, como você viu, já começou.