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Bolsa esportiva: os bastidores do mercado de apostas que atrai traders no Brasil

Comunidade de traders esportivos ganha adeptos, mas riscos são bem parecidos aos do mercado de ações.

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No final de 2018, o presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.756/2018, que tornava lícita, em todo o território nacional, a atividade de apostas esportivas de cotas fixas. A justificativa do governo era arrecadar impostos a partir de um mercado que movimenta no Brasil cerca de R$ 4 bilhões por ano, de acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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A lei colocava sob atribuição do Ministério da Economia a regulamentação da atividade em no mínimo dois anos, prorrogáveis por mais dois. O tempo passou e o assunto não avançou na esfera política. Os apostadores permanecem em um limbo jurídico, enquanto as casas de apostas, mesmo sem ainda terem sede no Brasil, investem agressivamente no público nacional e driblam tecnicalidades para operarem com a moeda brasileira.

Para se ter uma noção, dos 20 clubes de futebol que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro, pelo menos 13 têm alguma parceria com casas de apostas. Antes da pandemia que paralisou os campeonatos de futebol, esse número era ainda maior, chegando a 16 equipes.

A fim de ter um retrato fiel do mercado de apostas esportivas, o InvestNews entrevistou personagens reais dessa história. Alguns deles, inclusive, vivem de estudar estatísticas e fazer predições dos jogos, os auto-denominados traders esportivos profissionais.

Iniciantes no mundo das apostas

Desempregado desde pouco antes da pandemia, o agora Youtuber e produtor de conteúdo (streamer) Marconi Negobom é exemplo do público que se interessa por fazer dinheiro com seu esporte favorito. Ele está há mais de 90 dias com um projeto para trazer conhecimento sobre trading esportivo, com um canal que conta com mais de 300 inscritos. 

“Sou mais streamer do que trader”, afirma. O que pode explicar porque resolveu ter o apoio de um amigo com mais experiência. Perguntado sobre como queria ser citado na matéria, seu amigo disse que preferia seu codinome na comunidade de apostas esportivas: Ciex. “Até minha mãe já me chama assim”. 

Enquanto ele está próximo de se “aposentar” — “não sairei completamente das apostas, mas em dois anos já poderei diminuir a rotina de trade”, especifica Ciex — Negobom se diz um iniciante, mesmo tendo começado a apostar desde 2018 e vindo de um mercado que já faz sucesso na internet, o poker online.

Eles dizem se sentir seguros operando nas casas de apostas mesmo sem a regulamentação completa por parte da legislação brasileira. “Temos uma segurança indireta”, afirma Ciex se referindo às regras internacionais que os grandes players devem obedecer. Lá fora, existem licenças para operar nesse mercado, com a intenção de monitorar fraudes e inibir os esquemas de lavagem de dinheiro de se aproveitar das rápidas transações.

Existem dois tipos de apostas esportivas: quando se aposta contra a própria casa, e quando se joga contra outro apostador. Desse segunda modalidade, os amigos recomendam para iniciantes, entre as mais de 9 mil casas, uma chamada Betfair. “É realmente parecido com uma bolsa de valores”, explica Ciex. A empresa é uma das top três do mundo e é patrocinadora da Conmenbol Libertadores, campeonato disputado entre os maiores times Sul-americanos.

No site, com um cadastro simples, sem necessidade de colocar diretamente cartão de crédito, é possível comprar posições que expressam diferentes momentos do jogo, precificadas de acordo com sua probabilidade, desde o resultado final da partida, ao número de gols. Tudo envolvido nas nomenclaturas “Back” ou “Lay”, que significam respectivamente “a favor” e “contra” determinada situação.

Quem são os traders experientes

Fabio Bampi comanda o canal “Nettuno – Trader Esportivo” com mais de 100 mil inscritos, além de oferecer cursos, alguns deles gratuitos. Ele é um trader esportivo de longa data, inclusive com experiência no mercado financeiro, onde diz ter conseguido algumas armas para compor seu arsenal preditivo. 

É membro da Associação Brasileira de Apostas Esportivas (Abaesp), na qual ele ajuda a elaborar planos para a regulamentação. “É como se o governo tivesse falado: ‘Pode andar de carro’, mas não falou se posso avançar o farol vermelho ou não. Apenas ‘vai, anda’”, reclama sobre a lei atual.

Sua influência é motivo para muito assédio das casas de aposta que querem fazer parcerias publicitárias. Mas ele diz não ceder aos apelos. “São muito poucas as que têm preocupação com o consumidor final”, afirma.

A pecha de apostador incontrolável não cai para ele. “Sempre morei sozinho, sempre paguei minhas coisas. Minha família não reclama”, diz. Mas reconhece que a cultura brasileira vê com maus olhos as apostas: “Tem essa coisa de as pessoas acharem que apostador vai perder o carro, a casa.”

Até por isso, em seus vídeos, ele sempre deixa o aviso de que não é fácil viver apenas do trade esportivo, como se fosse possível ganhar dinheiro somente assistindo seu time do coração. As emoções e a torcida têm que ser deixadas um pouco de lado para fazer predições precisas. “Vai achando que planilha é coisa de Nutella”, fala em um dos vídeos.

No início da pandemia, apenas alguns países continuaram seus campeonatos de futebol, muitos deles ditaduras como Belarus, no Turcomenistão e na Nicarágua. O trader experiente preferiu não apostar nestes jogos, por desconhecer o futebol desses países. Disse que se manteve com um colchão que havia acumulado com os anos de trader esportivo.

Riscos: o que diz a psicologia econômica

A psicanalista e doutora em psicologia econômica, Vera Rita de Mello Ferreira, uma das pioneiras na área há 26 anos, defende que é comum um sentimento que envolve os apostadores que se relacionam entre si pelas comunidades de apostas esportivas: o FOMO, ou fear of missing out (medo de ficar de fora, em tradução livre).

“É o que vai empurrando as pessoas a fazer um número grande nas apostas”, explica. Depois, esse mesmo medo pode fazer com que o trader ignore mais os riscos envolvidos na prática, “principalmente depois de uma perda”, enfatiza Vera Rita.

Segundo ela, as comparações com o mercado da bolsa de valores são válidas quando se olha a influência das redes. Ferreira afirma que “o boca a boca é muito forte”, mas acredita que os profissionais que fazem divulgação pelo YouTube, por exemplo, jogam no sentido do viés de confirmação. “É como se acendesse a luz verde na minha cabeça, e eu corro para o abraço. Acho que aquilo é real, ou provável de acontecer no futuro, que não tem risco, porque aquilo está confirmando o que já penso.”

Segundo Bampi, o mercado é bem arriscado, por isso nunca trabalha com alavancagem. São muitos altos e baixos e é preciso ter um controle rígido do que entra e sai das apostas. “Consigo fazer um rendimento de 5%. Para o mercado financeiro, ainda mais nesse momento, 5% ao mês seria algo utópico, para mim é viável”, afirma.

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