Empresas brasileiras estão estudando aquisições na Argentina e aumentando o número de funcionários e de lojas no país vizinho, em uma aposta cautelosa de que as reformas agressivas do presidente Javier Milei conseguirão estabilizar a economia.
Companhias dos setores de bens de consumo, serviços, petróleo e tecnologia estão trabalhando em novos empreendimentos ou em planos futuros de expansão na Argentina, que agora está emergindo de anos de um caos econômico que travou os investimentos.
A política austera de Milei está contribuindo para conter a inflação de três dígitos, a reverter um déficit profundo e a reconstruir as reservas, aumentando a confiança dos investidores. Mas, o país ainda está saindo da recessão, e os controles de capitais complicam os negócios.
“A Argentina voltou ao radar”, disse Rodrigo Stefanini, CEO das operações latino-americanas do Grupo Stefanini, multionacional brasileira de tecnologia com receitas globais projetadas em cerca de R$8 bilhões no ano passado.
Em 2024, o grupo viu as vendas saltarem 15% na Argentina e aumentou seu quadro local de funcionários em 10%, para cerca de 1,5 mil pessoas.
Agora, a Stefanini está analisando possíveis aquisições na Argentina pela primeira vez desde que entrou no país, em 1996, apesar das perspectivas econômicas ainda complexas.
“Ninguém quer ser o primeiro a chegar na festa porque não sabe se ela será boa. Mas, também, ninguém quer ser o último porque a bebida pode estar acabando,” disse Stefanini, com um sorriso. “É preciso aproveitar antes dos chineses e norte-americanos chegarem.”
A proximidade e os benefícios da relação econômica dentro do Mercosul frequentemente colocaram as empresas brasileiras à frente na alternância entre altos e baixos da economia argentina, embora várias empresas tenham se machucado no percurso.
Cerca de 150 empresas brasileiras de relevância mantiveram presença na Argentina ao longo dos anos, apesar de algumas terem reduzido suas operações, segundo a Câmara de Comércio Argentino Brasileira, em São Paulo.
Federico Servideo, presidente da câmara, disse à Reuters que as empresas brasileiras estão acompanhando as tendências econômicas e mudanças políticas, entre elas um possível afrouxamento dos controles cambiais, antes de aumentar os investimentos, possivelmente nos próximos 12 a 36 meses.
“Há sim uma reversão de expectativas dos investidores brasileiros”, disse Servideo, estimando potenciais futuros investimentos em “bilhões de dólares”.
Retorno total à Argentina?
Em meio a esse movimento, a Petrobras está considerando um novo investimento na Argentina, após assinar um memorando de entendimento com a parceira local YPF em setembro do ano passado para explorar eventuais investimentos conjuntos em exploração e produção.
A estatal, que já faz parte de um consórcio operando duas concessões na região de xisto de Vaca Muerta, disse que continua avaliando oportunidades comerciais que atendam seus interesses.
Em seu primeiro ano de governo, Milei cortou gastos e congelou salários públicos. Embora essas medidas tenham aumentado a pobreza, há sinais de estabilização econômica. Mas muitas empresas permanecem cautelosas, após anos de inflação e intervenção estatal.
A CVC, uma das maiores empresas de viagens da América Latina, já está expandindo seus negócios na Argentina, onde chegou em 2018. A empresa abriu 42 lojas na Argentina no ano passado e pretende fazer o mesmo em 2025.
“A gente sempre acreditou muito no mercado de turismo argentino,” disse à Reuters o CEO da CVC, Fabio Godinho.
A Cambuci, dona da marca Penalty e maior produtora brasileira de produtos para futebol, como bolas, calçados e vestuário, recentemente fechou um acordo de distribuição de cinco anos na Argentina, após fechar sua subsidiária local em 2023, devido à escassez de matérias-primas e restrições cambiais.
Mas o presidente do conselho da empresa, Roberto Estefano, disse que considera a possibilidade de um retorno total à Argentina nos próximos anos.
“É um país fantástico com cerca de 44 milhões de habitantes, que são alucinados por esportes”, disse ele, acrescentando que a Cambuci gostaria de reentrar no mercado antes dos principais rivais globais.
Eduardo Kunst, CEO da fabricante brasileira de produtos químicos Artecola, que em 2023 suspendeu a produção na Argentina devido aos custos operacionais crescentes, mas continua vendendo no mercado argentino, disse que se a economia do país continuar melhorando, a empresa pode no futuro considerar retomar a fabricação local.
“Acreditamos que se a Argentina continuar no caminho atual, poderá voltar a ter um papel relevante na região”, disse Kunst.