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Como a Americanas fraudou balanço e quais as consequências para os envolvidos
Embora detalhes não tenham sido divulgados, medidas judiciais devem ser tomadas, com possíveis implicações até para o trio de acionistas da 3G.
Cinco meses após Sergio Rial divulgar inconsistências contábeis nos balanços da Lojas Americanas (AMER3), a varejista confirmou nesta terça-feira (13) que houve fraude em relatório preliminar. Embora os detalhes da investigação ainda não tenham sido divulgados, medidas judiciais devem ser tomadas contra os apontados como responsáveis, com possíveis implicações para o trio de acionistas Jorge Paulo Lemann, Marcel Teles e Carlos Alberto Sucupira. De imediato, o mercado precificou a “transparência” como positiva e as ações dispararam no dia.
Chama atenção trecho do relatório que aponta que pelo menos R$ 21,7 bilhões foram fraudados por meio de diversos contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (VPC) – descritos pela varejista como incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor.
O que é VPC e como ele teria sido usado pela Americanas
VPC é o montante de recursos que fabricantes ou produtores dão às varejistas para incentivar a divulgação de seus produtos, explica Felipe Pontes, sócio fundador da L4 Capital. Essa divulgação por parte das varejistas pode ser feita por meio de descontos, brindes, exposição da mercadoria em pontos estratégicos da loja, ou promotores de vendas.
Em contrapartida, os fornecedores oferecem bonificações caso uma meta de venda seja alcançada pelas varejistas. E essa bonificação entra como um desconto no contrato entre varejista e fornecedor. No caso da Americanas, pelo menos R$ 21,7 bilhões teriam sido fraudados em acordos, segundo o documento.
O advogado do Instituto Empresa, Adilson Bolico, apontou que esse é um mecanismo que as varejistas usam para descentralizar as verbas de propaganda e marketing. No caso da Americanas, este teria sido artificialmente criado para melhorar os resultados operacionais da companhia como “redutores de custo”, mas sem haver de fato a contratação de fornecedores, segundo o próprio fato relevante.
“Este sistema acabou sendo implementado de maneira fácil na Americanas, uma vez que as contas são administradas pelo comercial e financeiro de diferentes unidades, já que a companhia é pulverizada em diferentes regiões do país. E com várias entradas e saídas destas verbas, abre-se a oportunidade para fraude”, explica o tributarista.
No entanto, apesar de a Americanas ser uma empresa grande, não caberia justificar que os VPCs são de difícil gestão, “uma vez que a companhia é obrigada a ter mecanismos de controle eficientes”, disse Bolico.
“Isso demonstra ainda mais a falha não só dos diretores, mas da governança corporativa. Onde está a culpa da companhia?”
Adilson Bolico, ADVOGADO DO INSTITUTO EMPRESA
Porém, o advogado apontou que sem o relatório da investigação, não dá para saber como o VPC foi utilizado, e tudo que for apontado agora pode ser mera especulação.
Mas segundo fontes que estão a par do processo e preferem não ser identificadas, haveria nitidamente um caso de roubo e a maquiagem do balanço financeiro da empresa.
VPC é fraude?
Segundo Pontes, os contratos de verba de propaganda cooperada não são considerados fraude, mas podem abrir brechas para práticas não muito “religiosas”. Segundo o analista, outras varejistas usam do artifício de forma regular, com o aval de autoridades, como caso da Ricardo Eletro.
“A Ricardo Eletro recebia VPC dos fornecedores e aplicava nos seus custos de publicidade dos produtos vendidos para ficar mais barato. Inclusive eles usaram O VPC para reduzir PIS e Cofins, com a anuência do CARF”, disse.
Outro exemplo citado foi o Walmart, que fez campanha nos EUA em conjunto com a Dove. “A Dove pagava VCP e o Walmart fazia a campanha para as pessoas comparem produtos da marca no mercado”.
Lançamento de redutores na conta de fornecedores
O fato relevante da Americanas também apontou que foram identificados lançamentos redutores da conta de fornecedores originados de juros sobre operações financeiras, no montante de R$ 3,6 bilhões.
Este é o chamado risco sacado, prática divulgada desde que o caso do rombo da varejista veio à tona no começo do ano, segundo o fundador da L4 Capital.
“Quando a empresa fez a operação de forfaiting (risco sacado), o valor que ela devia aos fornecedores deveria ter ido para a conta de empréstimos e financiamentos no passivo. E os juros deveriam ter sido lançados como despesa na DRE, resultando em lucros menores”.
“A Americanas em vez de mandar o saldo dos juros, por exemplo, de US$ 100 para despesas financeiras reduzindo o lucro (de natureza devedora), lançava o débito em uma conta de passivo com fornecedores (que tem natureza credora).”
Pontes afirma que essa operação inflou o lucro e reduziu o passivo, o que transmitiu uma percepção de endividamento muito menor do que de fato a Americanas tem.
“Então se a empresa tinha US$ 1.000 de fornecedores a pagar e US$ 100 dos juros que deveriam ter ido para despesa financeira, eles passaram a apresentar fornecedores a pagar de US$ 900 (1.000-100)”.
Financiamentos para aumentar o caixa
Somado às operações de VPC, a Americanas informou ainda que “como forma de gerar o caixa necessário para a continuidade das operações, a diretoria anterior contratou uma série de financiamentos dos quais a companhia é devedora perante instituições financeiras, sem as devidas aprovações societárias, todas inadequadamente contabilizadas no balanço patrimonial da companhia de 30 de setembro de 2022″.
A companhia afirmou ainda que a indevida contabilização das operações de financiamento nos demonstrativos financeiros não permitiu a correta determinação do grau de endividamento da companhia ao longo do tempo.
Por que AMER3 disparou após confirmação de fraude?
As ações da varejista chegaram a subir 18,96% na máxima desta terça-feira após divulgação da fraude. Os papéis AMER3 chegaram a ser negociados a R$ 1,38, ante R$ 1,18 na abertura do pregão. No fechamento, a alta foi amenizada para 6,03%, com o papel cotado a R$ 1,23.
“O mercado acaba precificando bem a transparência; ainda que a companhia dê um desenho muito breve do que de fato aconteceu, o mercado gosta de tirar a incerteza da mesa”.
Adilson Bolico, advogado tributarista
Pontes faz coro com o tributarista ao dizer que o fato relevante de hoje reduz um pouco a incerteza uma vez que formalmente a Americanas informou ao mercado que houve fraude, que a diretoria anterior é a culpada, e que estes foram afastados e demitidos.
“Isso pode levar a crer que a empresa terá uma disputa judicial contra os acusados de fraude e que o dinheiro poderá ser recuperado, ao menos em parte. Porém, há uma tentativa de eximir o Conselho de Administração e o Comitê de Auditoria”, disse Felipe Pontes.
Segundo as fontes consultadas pelo InvestNews, os conselhos e comitês de auditorias são responsáveis por garantir que as coisas funcionem como deveriam funcionar. Logo, dizem que houve falha que não deve ser atribuída apenas aos ex-executivos da companhia.
“Era tão fácil assim burlar o sistema sem ninguém ver?”
Felipe Pontes, sócio fundador da L4 Capital.
Medidas judiciais são esperadas
Segundo o tributarista Bolico, entre as medidas judiciais que poderão ser tomadas por parte dos acionistas minoritários quando encerrar a investigação, está uma ação de responsabilidade contra os administradores prevista pela Lei das SAS.
“Os diretores podem ser imputados pela cia e por acionistas e na prática, os acionistas devem ir atrás de buscar reparações. Leman, Teles e Sicupira tendem a ser pressionados”, disse em referência aos trio de investidores da companhia, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Teles e Carlos Alberto Sucupira, que detêm, juntos, cerca de 30% da varejista.
A “Bloomberg News” divulgou na véspera que o trio concordou provisoriamente em manter a participação por cerca de 3 anos na Americanas como parte de um plano de reestruturação.
Contra-ataque dos acusados pelo conselho
O conselho de administração da Americanas acusou a ex-diretoria da varejista como a responsável por fraudes no balanço da empresa. O ex-CEO Miguel Gutierrez, os ex-diretores Anna Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e os ex-executivos Fábio Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes foram citados em fato relevante.
Mas, segundo coluna de Lauro Jardim, do jornal O Globo, os acusados vão à Justiça tentar provar que o conselho de administração sabia de toda a fraude.
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