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Sem Eletrobras e ainda sem J&F, Eletronuclear vira mais um problema bilionário para o governo

Endividada e sem caixa, a estatal nuclear vive um jogo de empurra entre governo, Âmbar e Eletrobras — e carrega o peso de Angra 3

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A Eletronuclear vive de pedir ajuda. A estatal responsável pelas usinas nucleares de Angra dos Reis enviou um ofício à ENBPar, holding que representa a União no setor, solicitando um aporte emergencial de R$ 1,4 bilhão para evitar o “colapso operacional e financeiro” ainda neste ano. Sem o dinheiro, o caixa da empresa deve se esgotar em novembro.

O alerta escancara um jogo de empurra que se arrasta há meses e ajuda a explicar por que a empresa vive nessa corda bamba. A Eletrobras, rebatizada de Axia Energia, vendeu sua participação de 68% do capital total e 35% do votante à Âmbar Energia, do grupo J&F, por R$ 535 milhões. Mas o negócio ainda não foi concluído, e ninguém quer ficar com a conta.

A Axia diz que já se desfez do ativo e que as dívidas agora são problema da J&F. A Âmbar afirma que ainda não é dona formal da participação e que, portanto, não pode injetar recursos. O resultado é uma estatal que não tem quem a banque — e um governo que hesita em abrir o cofre.

O Ministério da Fazenda resiste à ideia de novos aportes, especialmente em meio às negociações de um empréstimo de R$ 20 bilhões aos Correios – tudo com a garantia do Tesouro. O argumento é que qualquer socorro precisa estar embasado em um plano de sustentabilidade. A ENBPar tenta convencer o Tesouro de que o repasse é uma pré-condição para reorganizar a empresa e evitar a antecipação de R$ 6,5 bilhões em dívidas com BNDES, Caixa e bancos privados.

Enquanto os ministérios discutem quem deve agir primeiro, o caixa da Eletronuclear se esgota. A empresa precisa pagar R$ 570 milhões em dezembro a BTG e Banco ABC, referentes a obras feitas para estender a vida útil de Angra 1 por mais 20 anos.

Também acumula R$ 700 milhões em débitos com as Indústrias Nucleares do Brasil, fornecedoras de combustível, conforme noticiou a Folha. E gasta cerca de R$ 1 bilhão por ano apenas para manter Angra 3, a usina que nunca saiu do papel.

A órfã

A Eletronuclear nasceu em 1997, a partir da reestruturação da Nuclebrás, antiga subsidiária da Eletrobras criada nos anos 1970 para tocar o programa nuclear brasileiro. A nova empresa foi fundada para concentrar a operação das usinas Angra 1 e 2 e concluir Angra 3, projeto iniciado ainda na ditadura e interrompido diversas vezes ao longo das décadas.

Por lei, a geração de energia nuclear não pode ser privatizada, e por isso a Eletronuclear sempre ficou sob controle direto da União — mesmo depois que a Eletrobras se tornou uma empresa de capital misto. Essa estrutura a deixou em uma espécie de terra de ninguém: dependente do governo para se financiar, mas sem os mesmos privilégios das grandes estatais lucrativas, como Petrobras ou Banco do Brasil.

Vista geral das Usinas de Angra 1 e Angra 2, na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O arranjo ficou ainda mais frágil com a privatização da Eletrobras, em 2022. A operação levou à criação da ENBPar, uma nova holding pública encarregada de abrigar os ativos estratégicos que não podiam ir para a iniciativa privada, como a participação em Itaipu e o controle da Eletronuclear.

A Eletrobras se livrou do fardo e manteve apenas a obrigação de investir R$ 2,4 bilhões em debêntures da estatal — papel que agora deve ser assumido pela Âmbar, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. A expectatiava é que o novo sócio ajude a dar fôlego financeiro, mas o futuro ainda é incerto.

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O impasse atual é resultado dessa engenharia institucional. A estatal é controlada pela União, mas tem sócios privados que não colocam dinheiro novo. Opera duas usinas lucrativas — Angra 1 e 2, responsáveis por cerca de 3% da energia do país —, mas carrega uma terceira que só consome recursos. E, sem perspectiva de retomada de Angra 3, cada mês de espera pesa nas contas.

O peso do passado

A história de Angra 3 ajuda a explicar por que a Eletronuclear chegou a este ponto. O projeto, concebido nos anos 1980, já consumiu R$ 12 bilhões e segue parado há quase dez anos. O BNDES estima que seriam necessários R$ 23 bilhões para concluir a obra e R$ 21 bilhões para abandoná-la.

A diferença é pequena demais para justificar uma decisão definitiva, mas grande o suficiente para manter o projeto travado. Nenhum governo quis gastar para terminar a usina. Nenhum quis assumir o custo político de enterrar um investimento bilionário.

O custo projetado da energia de Angra 3 — R$ 653 por megawatt-hora, segundo o BNDES — é maior que o das térmicas a gás, num sistema que hoje opera com sobra de oferta. Ainda assim, o Ministério de Minas e Energia insiste que a obra é estratégica e quer atualizar os estudos junto ao BNDES antes de decidir se a retomada vale a pena.

Há, porém, uma mudança estrutural prestes a entrar em vigor. A partir de janeiro de 2026, entra em operação um novo modelo de financiamento da energia nuclear no Brasil. A lei sancionada por Lula redistribui o custo mais alto da eletricidade produzida por Angra 1 e 2 entre todos os consumidores do país, por meio de um adicional tarifário. Até agora, esse custo estava concentrado em contratos específicos com poucas distribuidoras.

A mudança — que isenta as famílias de baixa renda — reduz o risco de desequilíbrio financeiro da Eletronuclear e tende a garantir receitas mais previsíveis para a operação das usinas. É também uma das razões que atraíram a Âmbar para o setor. A aposta é que o novo modelo criará um colchão tarifário estável e permitirá planejar investimentos de longo prazo.

A entrada da Âmbar é um teste para o novo desenho do mercado nuclear brasileiro. Mas, até que a transação seja concluída, a estatal segue sozinha e clamando por ajuda do contribuinte.

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